segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 9

Eu e Emily estávamos, mais uma vez, em um ônibus, mas dessa vez tava cheio de gente, e não estávamos indo para a casa da garota, mas sim para o centro da cidade. Ela me disse que queria comprar um livro que não achava na biblioteca e que tinha visto um exemplar à venda numa loja do centro. Eu a acompanhava naquela empreitada que devia ter como objetivo um livro idiota sobre ufologia, cultura maia e essas coisas. Sempre odiei ir ao centro. Era um lugar cheio de gente barulhenta, com ruas cheias de carros, péssimas para algumas manobras. O fato é que eu devia aquilo a Emily. Deixa eu te explicar melhor: um dia antes, ela havia me abordado na escola, me bombardeando com informações idiotas sobre a nova revista UFO. A gente havia acabado de pegar o resultado de uma prova de matemática e minha nota foi horrível. Com certeza eu acabaria tendo que participar das aulas idiotas de reforço durante as férias. Aconteceu que eu fui bem grosso com a Emily. Disse para ela:
- Droga Emily, vc não sabe falar sobre outra coisa não? Eu to de saco cheio de te ouvir falar sobre essa droga de revista UFO. Não te agüento mais. Por acaso vc não pensa em outra coisa não, como tua nota nessa prova? Não vê que ta todo mundo nos olhando enquanto vc fala essas esquisitices? Vc quer que eu fique conhecido como o “garoto esquisito do primeiro ano” como vc? Escuta: se não for pra me falar algo importante, não precisa mais falar comigo, ta legal? Vc ta estragando a minha reputação.
É claro que me arrependi de falar essas coisas para ela. No fundo, era tudo verdade, mas, mesmo assim, seria melhor se eu não tivesse dito. Ela não olhou para mim enquanto respondeu. Ela nunca olhava nos olhos das pessoas quando o assunto a deixava desconfortável.
- Hum... Ta bem. Desculpe Max.
Ela fechou a revista e voltou para sua carteira pala lê-la sozinha. Eu sabia que ela não ficaria realmente brava comigo por causa daquilo, mesmo assim, eu devia ter maneirado mais. A garota deixou de falar comigo durante as aulas ou na frente de qualquer pessoa que não fosse um Escolhido. Não por raiva, mas porque eu pedi, e trocou de lugar na sala. Ela, que passou a sentar atrás de mim desde nossa primeira conversa, agora sentava em um lugar lá no fundo da sala, deixando vazia aquela carteira atrás de mim. Depois de algumas aulas, Ben, que sempre se sentou numa carteira lá no fundo, mudou paraa antiga carteira da Emily. O gordo mal sentou e já me deu um tapa na nuca. O pior de tudo é que ele era forte e aquilo me pegou desprevenido.
- Droga Ben, qual é o teu problema?
O gordo me olhava sério.
- Idiota. Vá pedir desculpas pra garota.
- Qual é a tua, Ben? Vc não tem nada haver com isso.
Pow! Levei mais um tapa na nuca.
- Enquanto vc não foi lá e pedir desculpas, eu vou continuar aqui, atrás de vc, te acertando tapas a hora que eu quiser.
- O quê??
Pow! Mais um tapa na nuca. Gordo idiota! Decidi me render e pedir desculpas a Emily na saída da aula. Fiz tudo conforme as normas: pedi desculpas e perguntei se não tinha alguma maneira de me redimir. Ela disse que não precisava me desculpar, e que se eu quisesse manter uma certa distância, ela entenderia, mas que, se esse não fosse o caso e eu não estivesse ocupado, gostaria que eu a acompanhasse até o centro em busca do tal livro idiota.
Bem, e lá estava eu, a caminho do centro da cidade. Descemos do ônibus e passamos a andar por entre aquelas ruas cheias de gente, desviando de todo mundo. Droga, aquilo era um saco. Demoramos um tempão para encontrar a tal loja só pra descobrir que o estoque daquele livro já havia acabado. O nome do livro era estranho pro tipo de coisa que eu sempre a via ler. Resolvi perguntar:
- Emily, o livro que vc quer comprar é sobre ufologia?
- Não. É um livro de poesia.
- Ah...
- Gosta de poesia Max?
- Ah, não muito.
Por acaso eu sou bicha pra gostar de poesia? Não falamos mais nada durante a estadia na loja. Assim que saímos, ela teve uma brilhante idéia.
- Acho que a gente pode acabar encontrando o livro no shopping. Vamos lá, Max?
Se havia uma coisa que eu odiava mais que o centro da cidade era o shopping. Só havia um na nossa cidade, que não era muito grande. O lugar tava sempre cheio de gente idiota, mas bem, eu devia isso a ela e acabamos no tal shopping. Aquele shopping era realmente uma droga, e quando eu pensei que não podia ficar pior, eis que avisto alguém me acenando e correndo em nossa direção. Aquilo era terrível. De todas as pessoas que eu poderia encontrar no shopping, tinha que ser ela? Justamente ELA?
- Oi macaquinho! O que vc ta fazendo no shopping? Não era vc que odiava esse tipo de lugar?
- Não é da sua conta, e eu já te falei pra não me chamar de macaquinho!
A garota que acabava de nos abordar era ninguém menos que Jeniffer, minha irmã idiota. Ela já tinha dezenove anos, fazia faculdade e, ainda assim, passava uma boa parte do dia no shopping, com um monte de amigas metidas e descoladas, exibindo suas roupas novas. Ela havia me apelidado de “macaquinho” quando ainda éramos criança, e fazia questão de me chamar por esse apelido idiota, especialmente na frente dos meus amigos.
- E essa garota, quem é? Por acaso é sua namorada, macaquinho? Eu não acredito que vc ta namorando e nem ao menos me contou!
Aquela era uma situação horrível. Eu teria que negar, pois, se dependesse da Emily, essa pergunta ficaria em silêncio.
- Droga, ela não é minha namorada, é só minha amiga. E eu já te falei pra não me chamar de macaquinho!
A Jennifer parou em frente a Emily, olhou-a de cima para baixo, depois de baixo para cima.
- Oi, eu sou Jennifer, irmã do macaquinho. Muito prazer! Qual é seu nome?
- Meu nome é Emily. Muito prazer.
Minha irmã fez mais uma análise visual da Emily. Por que aquilo tinha que acontecer justo naquele dia?
- Gostei de vc. Esse cabelo meio retro, esse estilo mais casual... É, gostei sim! Eu te dou permissão pra namorar com o macaquinho, mas fique sabendo que meu irmãozinho é muito lento e provavelmente será vc quem terá que dar o primeiro passo na relação. Ah! Também é bom que vc saiba que ele ronca muito e tem chulé, então esteja preparada.
- Droga. Já te falei pra nos deixar em paz! Nós só viemos aqui comprar um livro. Não somos namorados.
- Viu só, Emily? Caso queira algumas dicas, é só me procurar. Bem, preciso ir andando, minhas amigas estão me esperando. Até mais gente! – disse minha irmã idiota, mandando beijinhos que nem eu, nem a Emily respondemos.
- Desculpe, minha irmã é realmente estúpida. Não ligue pra ela.
- Tudo bem, eu não liguei. Deve ser legal ter uma irmã mais velha. Vamos, a loja é logo ali.
Finalmente conseguimos comprar o livro idiota. Saímos do shopping (aleluia!) e resolvemos tomar o caminho de volta para casa. Já tínhamos nos distanciado bastante do shopping quando Emily teve uma idéia.
- Max, antes de voltar pra casa, o que vc acha de a gente comer alguma coisa? Eu to com fome.
- Ah, não é uma má idéia. Acho que tem um McMickeys perto daqui. Vamos lá.
- Ah não, o McMickeys mais próximo daqui é muito longe. Eu conheço uma lanchonete legal perto daqui. Eu costumava comer lá quando morava com meu avô. Acho que vc vai gostar do lugar.
Normalmente eu não confiaria na escolha da Emily, mas eu tava com muita fome e o McMickeys mais perto dali realmente era bastante longe. Teríamos que voltar ao shopping, praticamente. Deu que a garota me levou para a tal lanchonete que, de fato, era perto dali, mas era meio suspeita. Era um prédio pequeno e meio antigo, com uma placa luminária que piscava e fazia um barulho chato como se estivesse pifando. Entramos e eu já suspeitei da higiene da cozinha daquele lugar. Sentamos e esperamos algum garçom nos atender. Depois de um tempo, o garçom se aproxima por trás de mim sem que eu perceba.
- O que é que vcs tão fazendo aqui? – perguntou o garçom. Aquilo lá era jeito de tratar um cliente? Virei o rosto para o garçom mal educado e me deparei com ninguém menos que Jhonny, com um avental idiota e um bloco de anotações.
- Olá Jhonny! – disse Emily
- Droga Emily, eu já não te falei pra parar de vir aqui? Eu to trabalhando. Não tenho tempo pras tuas histórias de óvni.
- Tudo bem. A gente não ta aqui por isso. Na verdade, a gente ta aqui como cliente. Vc poderia nos trazer o cardápio?
Jhonny olhou bem para mim. Viu que estávamos sozinhos, passeando pelo centro da cidade.
- Que diabos vcs dois estão fazendo juntos? Vcs são namorados? Eu não sabia disso.
- Não somos não! – falei com certa pressa. –É que a gente veio comprar um livro. Só isso.
De repente, uma voz alta e grossa vem lá da cozinha.
- Jhonny, pare de conversa mole e atenda os clientes! Garoto inútil. É melhor trabalhar mais ou te dou a conta!
- Não vê que eu to trabalhando? Os caras aqui são clientes, droga! – gritou Jhonny, bastante nervoso. Virou-se para a gente e – Meu chefe é um idiota. Esperem ai, trarei o cardápio para vcs. – e foi para trás do balcão.
- Puxa, eu não imaginava que Jhonny trabalhasse em um lugar assim. – falei.
- É um trabalho de meio período. Ele só poderá trabalhar mais que isso quando completar o colegial.
- Ele não parecia muito surpreso em te ver. Vc já sabia que ele trabalhava aqui?
- Sim. Esta lanchonete é bem antiga. Eu costumava vir aqui com meu avô. Na época eu praticava natação num clube perto daqui. Sempre gostei de nadar. Depois da natação, meu avô me trazia para cá comer um lanche e para conversar com o antigo dono que era seu amigo. Não sei se é por que natação dá muita fome, mas o sanduíche daqui sempre me pareceu o melhor do mundo. Eu voltei a essa lanchonete, há uns dias atrás, para conferir se o sanduíche continua tão bom quanto era antes e encontrei Jhonny trabalhando aqui.
- Ah... E o sanduíche continua bom?
- Não. O antigo cozinheiro morreu.
- Ah...
Jhonny chegou e nos entregou o cardápio. Pedimos nosso lanche e conversamos mais algumas coisas. Já havia se passado mais de dois meses desde que nós passamos a andar juntos e eu começava a pegar o jeito pra se conversar com ela, que era muito fechada no começo. Comemos, pagamos nossa conta com o Jhonny e fomos embora. Pensamos em esperar por ele, mas ficamos sabendo que seu trabalho só acabaria tarde da noite. Pegamos o ônibus de volta, que agora estava bastante desocupado. Tirando nós dois, só havia um velho, um homem de terno e gravata e um casal de namorados perto da gente. Ficamos em silêncio durante boa parte da viagem, até que a Emily falou:
- Sabe Max? Desculpa por te incomodar. Eu sei que é difícil conviver comigo. É por isso que eu não paro em lugar nenhum. Só peço que vc tenha um pouco de paciência comigo.
Aquilo me pegou de surpresa. Não esperava que ela se desculpasse por ser daquele jeito.
- Do que é que vc ta falando?
- As pessoas sempre me chamaram de estranha. Minha mãe me chamava assim. A minha tia, aquela dos seis filhos, também me chamava assim. Nunca entendi o que isso quer dizer, eu me considero uma garota normal, mas deve ser por isso que é tão difícil conviver comigo. Eu queria que vc e os outros Escolhidos tivessem um pouco de paciência com essas minhas esquisitices.
Eu, de fato, sempre a achei uma estranha e isso não mudaria. Mas ouvir aquelas coisas da boca dela era de cortar o coração. Ela tava me colocando no mesmo nível da sua mãe desnaturada e daquela tia maluca. Não dava pra não se sensibilizar com aquilo.
- Vamos Emily, pra que falar disso? Eu já te pedi desculpas, não pedi?
- Mas eu também te devo desculpas, Max. Peço só um pouco de paciência.
Ela não me olhava nos olhos. Aquilo era sério.
- Pare com isso, Emily, vc sabe que a gente nunca vai te dar as costas. Vc é uma de nós! E vc não é esquisita. Eu só falei aquilo num momento de raiva. Ah, droga, não vai me fazer pedir desculpas de novo, vai?
Ela sorriu. Aquele sorriso leve sem mostrar os dentes. Achei que a situação estava resolvida.
- Fico feliz com isso. Afinal, nós, os Escolhidos, devemos estar unidos, mais do que qualquer um, para vencer a ameaça alienígena do futuro. Não é, Max?
Aquela ladainha de volta? E eu que pensei que ela quisesse me agradar com aquela conversa toda. Bem, não tinha jeito. Sorri de volta e disse:
- Claro! Juntos, ninguém pode nos deter.

Um comentário:

blur disse...

logo que li "ninguém pode nos deter" tava ouvindo Cowboys from hell naquela parte: "We're going to take over this town"
\../

uHauhHAH

p.s.: melhor palavra que tive que digitar até agora na verificação de palavras: "broondly"