quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 3

Mais uma semana passou desde que Ray se tornou um dos Escolhidos. Era hora do almoço e eu estava no refeitório. Fui o primeiro a chegar à mesa. Estava esperando por Emily para que ela pudesse me manter informado sobre os novos casos de aparições extraterrestres e essas coisas. Aquilo era um tédio. Ray, como era um cara muito popular, dividia sua atenção com a gente, o pessoal do football, as garotas e mais um bando de gente. Eu nunca gostei de pessoas que tem bastante amigos. Ray até que não era tão ruim quanto eu pensava, mas eu ainda não gostava dele. Sempre odiei os caras populares.
Era segunda-feira. Eu odeio esse dia. Estava um tédio, até que a Emily chegou.
- Bom dia! – eu a cumprimentei com um sorriso no rosto.
- Bom dia. - disse ela, absolutamente séria.
Havia algo de diferente nela. Estava com os cabelos presos, o que tirava aquela franja da frente dos seus olhos. Nunca havia reparado naqueles olhos azuis que ela tinha. Ela até que era bonitinha. Me passou pela cabeça que eu poderia investir em um relacionamento com ela se ela não fosse tão estranha. De repente, pensei: “por que não?”. Afinal, eu nunca havia ficado tão próximo de uma menina como estava dela, e ela não parecia ter muitos pretendentes, então a pior parte, que é a da rejeição, eu já pularia. Se eu não gostasse, simplesmente terminava com ela. Mas e a coragem para falar qualquer coisa desse tipo pra uma menina? Droga, eu sempre odiei esse meu jeito envergonhado.
Havia duas semanas que almoçávamos juntos, só eu e ela. Às vezes o Ray passava só pra conversar rapidamente com a gente, saber das novidades, mas o cara fazia um verdadeiro rodízio de mesas, todo dia almoçando com uma galera diferente. Eu e Emily ficávamos a sós, pois ninguém queria sentar-se à mesa com perdedores como a gente. De repente, justo quando eu pensava em algo pra dizer à Emily, que estava particularmente atraente naquele dia, senta em nossa mesa Ben Watchosk. O cara estudava na nossa sala, aliás, ele estudava na mesma turma que eu havia muitos anos. Era o mais próximo que eu tinha de um amigo, mesmo assim eu o achava muito idiota, e evitava andar com ele temendo pela minha reputação. Era um garoto gordo que comia, no almoço, dois hambúrgueres e, de sobremesa, mais um pacote de batata-frita. Passava a aula inteira desenhando e era fã de quadrinhos. Era conhecido desde o primário por ser o “garoto que come meleca de nariz”, e aposto que ele devia fazer isso até hoje. O cara tinha que se aproximar de mim justo quando estou com uma garota?
- Droga Ben, vc não tem outra mesa pra sentar não? – reclamei.
Ele me olhos com uma cara de bravo e respondeu todo nervoso:
- Eu sento onde quiser. Por acaso teu nome ta escrito na droga da mesa?
A Emily ficou absolutamente calada, apenas observando a situação. Aconteceu que o cara almoçou com a gente e a nossa mesa se tornou a mesa oficial dos perdedores da escola. Ben não disse uma palavra sequer durante a refeição, só comeu como um porco, sem olhar pra cara de ninguém. De repente, pra melhorar a situação, passa o Ray acompanhado de ninguém menos que Ashley. Essa era uma menina realmente gata, mas também era a mais chata da escola. A garota era tão perfeita que te deprimia: fazia parte da torcida do time do Ray, concorria ao título de líder de torcida com a Whitney, era uma das alunas com melhores notas da escola, era boa em vários esportes, era representante da sua turma, concorria à presidência do grêmio estudantil, vinha de uma família super-rica, blá, blá, blá...
- E aí, gente! Podemos sentar com vcs? – perguntou o Ray, todo animado.
As reações foram diversas. Ray continuava com aquele sorriso modesto que eu detestava, a Emily sempre indiferente e Ben nem tirou os olhos do segundo sanduíche, mas o que foi impressionante mesmo foi a cara de estupefação que a Ashley fez.
- Você deve ta de brincadeira né Ray? Olhe só pra esses caras. É a maior concentração de perdedores que eu já vi.
Ótimo, agora eu fazia parte da maior concentração de perdedores da escola. Emily só a olhava séria, pois era imune ao que as pessoas pensavam dela. Ben só pensava em partir pra sobremesa. Eu não tive coragem de dizer nada, pra variar. Foi Ray quem repreendeu a garota.
- Pare com isso, Ashley. Não é bom falar essas coisas pras pessoas.
- Mas Ray, o que deu em vc? Por que tem dado atenção a eles? Não vê que a nossa reputação estará arruinada se passarmos a andar com este tipo de gente? Veja só: é a garota mais estranha do colégio, o comedor de meleca e... bem... nunca vi este outro ai, mas aposto que é tão fracassado quanto os outros. Como entraremos em uma boa faculdade andando com este pessoal?
Nunca agradeci tanto por alguém não lembrar de mim. Os dois continuaram discutindo sobre o assunto até que, depois de alguns insultos a mim e ao resto da mesa, a expressão de Ray mudou completamente. Nunca o vi tão zangado. Ele ficou sério, deu as costas à Ashley e disse:
- Você me dá nojo, Ashley.
Saiu do refeitório sem almoçar. A Ashley pareceu ficar arrazada. Todo mundo sabia que ela tinha uma queda pelo Ray desde que eles eram novos. A garota ficou sem reação nenhuma, olhando o amado ir embora sem ela. De repente, surge do nada Whitney e suas amigas, todas de salto-alto, bolsinhas a tiracolo e roupas de marca, rindo histericamente. A coisa era assim: Ashley e Whitney eram as garotas mais populares do colégio e as duas eram apaixonadas pelo Ray, que era, por sua vez, o cara mais popular do colégio (o que é bastante previsível). As duas eram rivais assumidas em tudo, desde títulos de miss colegial até a presidência do grêmio estudantil. A diferença é que Ashley era boa em tudo, enquanto Whitney, apesar de ser gostosa, era burra como uma porta, mas também vinha de uma família milionária.
- O que foi, queridinha? O Ray finalmente se cansou de vc? Não fique triste, isso acabaria acontecendo uma hora ou outra, hu hu hu...
- Isso não é da sua conta. Para sua informação, nós estamos muito bem sim, obrigada! Isso aconteceu só porque Ray está nervoso com a nova temporada de jogos que está chegando e com os exames semestrais. E você, querida, está pronta para os exames?
Ashley acabava de pegar Whitney pelo ponto fraco. Todo mundo sabia que ela era extremamente burra, inclusive ela mesma. As duas ficariam ali discutindo por um bom tempo.
- Sim, meu bem! Você verá. Mas de qualquer jeito, para que estudar quando você já tem uma vaga reservada em uma boa faculdade particular? É como eu sempre digo: deixe os estudos para os perdedores, pois eles realmente precisam. Querida, a conversa ta ótima, mas eu preciso retocar a maquiagem, até mais! – e mandou um beijinho para Ashley, que ainda estava arrasada com o que Ray havia dito e nem ao menos respondeu a saudação.
Assim que elas foram embora, Ashley olhou diretamente para mim com um olhar de pura raiva. Algo me dizia, desde o começo, que sobraria para mim.
- É tudo culpa sua. Sua e dos seus amigos fracassados – disse a garota, bufando, e saiu com passos firmes. Eu soube, desde que acordei aquela manhã, que aquele seria um péssimo dia.
Após toda a confusão, Ben, que já havia terminado até mesmo com a batata-frita, pegou sua bandeja, levantou e saiu sem nem ao menos dizer tchau pra gente. Emily continuou a fita-lo de maneira muito séria até que o gordo sumisse do nosso campo de visão.
- Eu sabia que este cara nos traria má sorte hoje. O Ben sempre estraga o meu dia, certa vez... – Emily me interrompeu.
- O nome dele é Ben?
- Hã... Sim, por quê?
Emily me apontou aquele olhar característico. Eu pensei “não pode ser...”.
- Ele é o quarto Escolhido. Posso sentir.
Enquanto toda aquela confusão acontecia, a única coisa na qual Emily prestava atenção era na “aura” do Ben. Aquilo sim era má sorte. Imagina só: o “comedor de meleca” agora era um dos protetores da galáxia. Não adiantava duvidar ou reclamar da Emily, eu sabia que ela sempre acabava me convencendo a falar as coisas idiotas sobre alienígenas do futuro pras pessoas. Eu começava, então, a me arrepender por ter começado com essa história de alienígenas.

Um comentário:

blur disse...

"O fim do mundo, cap. 3"
Não foi feito nenhum comentário até agora.

Aê, agora foi.