quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Crônicas do Mundo 2

~ O Dia dos Namorados ~
Enfim era chegado o Dia dos Namorados. A. estava ansiosa. As crianças que já tinham idade suficiente para se interessar pelo assunto se reuniriam naquele Jardim para celebrar e fazer jogos de amor. Era o primeiro ano de A. Estariam presentes todas as meninas mais moças, como J., B., V. e F. Mais alguns meninos mais maduros como K., R., L. e S. Meninos muito atraentes, principalmente S, mas A. já sabia para quem daria seu primeiro beijo. E. era seu melhor amigo e não era tão feio assim. Na verdade era até bem bonitinho.

As brincadeiras eram todas armadas pelas meninas, que faziam uma reunião da corte feminina com algumas semanas de antecedência e escolhiam com que garoto cada uma ficaria. A prioridade era sempre das meninas mais velhas, então A. foi a ultima a escolher. Por sorte, ninguém escolheu E. e tudo saiu como planejado.

As crianças estavam reunidas próximas à Árvore da Vida, onde seriam feitas as tais brincadeiras de amor. Cúpidos gordinhos e rosados auxiliavam e arbitravam os jogos. Era chegada a vez de A. J. vendou nossa protagonista, que faria um pega-pega às cegas, sozinha contra todos os meninos. O garoto que A. pegasse seria só dela pelo dia inteiro. J. sussurrou ao seu ouvido “Está pronto”. Havia sido combinado que J. daria a E. um guizo para que A. pudesse reconhecer seu amigo pelo som.

Então A. correu ao léu, ouvindo risadinhas ao fundo, procurando distinguir o som do pequeno guizo entre todos os barulhos que ouvia só quando estava privada da visão. Enfim A. pegou o guizo, mas, ao tirar a venda, teve uma terrível decepção. J. a havia enganado, e quem segurava o guizo era ninguém menos que O, o menino gordo e sujo, com chapeuzinho de hélice e cheiro de vômito. A. ficou furiosa com a brincadeira e procurou E. e J. para satisfações, mas os dois haviam sumido. O. exigiu seu dia com nossa infeliz heroína, mas A. disse que jamais daria seu primeiro beijo a um monstro como ele.

A. correu por todo o Jardim em busca de J. e teve mais uma terrível decepção. J. estava roubando seu primeiro beijo de E. às escondidas atrás da Árvore da Vida, enquanto aquele bafomé horrível os unia por uma corrente dourada e dizia: “Eu os declaro, marido e mulher”. A. então entendeu o sentido daquele demônio às costas de seu amigo. Aquele era um feitiço de amor. J. era esperta e sabia fazer este tipo de magia.

A pobre menina sentiu uma tonelada no peito e as pernas perderam as forças. Antes que a dor a pudesse despertar, O. surgiu sorrateiramente pelas suas costas, tomou seu braço e o torceu com tanta força que fez a menina cair de joelhos. O. era violento e teimoso. Jamais aceitaria um “não” como resposta.

- Você é minha pelo dia inteiro. É assim que a brincadeira é. Agora eu quero o beijo ao qual tenho direito.

Todos os meninos e meninas riam do destino de nossa heroína - passar o Dia dos Namorados com o nojento O. - e antes que A. pudesse fugir do Mundo 2, O menino monstro teve a honra de roubar seu primeiro beijo de amor.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Crônicas do Mundo 2

~ Maldição ~

A. e E. brincavam pelo Jardim. O Dia dos Namorados estava chegando – o dia prometido – e A. estava feliz. Corriam pelos salões do Palácio Eterno que havia naquele jardim. Atravessando um dos grandiosos corredores daquele palácio, enquanto A. perseguia E. em uma partida de pega-pega, passaram por um espelho e a menina viu algo terrível que a assustou bastante. O reflexo revelava E. acompanhado de perto por um bafomé de aparência horripilante. O demônio invisível flutuava sempre às costas do garoto enquanto encarava sua nuca com aqueles olhos vermelhos. A. resolveu se calar. Sabia que apenas ela seria capaz de ver o demônio. O que significaria aquela aparição? A. pensava em sua cama como sempre fazia antes de dormir. Aquele bafomé... Só havia uma explicação: E. estava amaldiçoado, mas por quem?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Crônicas do Mundo 2

~A Condessa~

Havia naquele Jardim uma bela estrada de tijolos amarelos. J. sempre estava lá, às seis da tarde, esperando aquela elegante carruagem passar. J. entrava no carro e voltava apenas ao anoitecer. A. estava extremamente curiosa quanto a tal carruagem. Depois de muito insistir, J. permitiu que A. a acompanhasse nessa viagem por apenas um dia, contanto que não contasse a ninguém o que acontecia dentro daquela caleche. Era segredo.

Ao anoitecer, a carruagem parou em frente às meninas. Uma bela mulher chamou-as para dentro. Aquela era a Condessa. J. e A. estavam de frente para a belíssima nobre, que fumava um narguilé de forma elegante. Depois de algumas reverências, a Condessa deu a J. uma carreira de um pó dourado sobre uma bandeja de vidro. J. aspirou todo o pó de uma só vez e riu de forma idiota e descontrolada. O mesmo pó foi oferecido a A., mas esta recusou. Foi-lhe oferecido, também, o narguilé, mas a menina não queria usar aquelas drogas. Apesar da situação perturbadora, aquela viagem estava divertida. A tal Condessa era uma ótima anfitriã. O erro de A. foi aceitar uma das balas que estavam no pote à sua frente. Tudo naquela caleche estava envenenado. A. foi drogada e dormiu profundamente.

Nossa infeliz protagonista despertou com frio, em uma cela de masmorra. As paredes eram de pedra maciça e gelada. Havia uma coleira de ferro em torno de seu pescoço. Tentou fugir, mas era inútil - as grades eram de ferro. Depois de muito tempo de solidão, a porta é aberta por J., que usava um vestido preto bastante discreto sob um avental branco. Estendeu roupas como as suas para A. e disse:

- Vista-se logo! Nossa dona, a Condessa de Bathory, ordenou que limpássemos o salão e a cozinha. Apresse-se, se não quiser ser punida!

J. parecia falar sério. A. se apressou em vestir as roupas de serviçal, pois não queria ser punida de forma alguma. Ao andar pelo gigantesco casarão da Condessa, as duas passaram por uma janela pela qual podiam ver os arredores do castelo. Havia um grande muro coberto por arame farpado que cobria toda a mansão, enquanto ogros horrendos, cada um segurando pela coleira quatro cães com chifres e olhos vermelhos, faziam ronda para se certificar que nenhuma das escravas fugiria daquele antro. A. sentiu medo.

As duas meninas passaram a vassoura e o espanador por todo o grandioso salão de festas, depois lavaram o chão e a louça daquela cozinha nojenta, infestada de baratas e ratazanas. Estava tudo sob controle, até que J. derrubou, acidentalmente, uma xícara de marfim ao chão. O barulho foi estrondoso. A Condessa surgiu, enfurecida, com o rosto coberto por um véu negro e um chicote na mão. J., apavorada, disse, apontando para A.:

- Foi ela, madame! A culpa é toda dela. É mesmo uma desastrada!

A. quis falar a seu favor, mas o medo a deixou sem palavras. A Condessa respondeu:

- Não importa qual das duas foi a culpada. As duas pagarão. Já fizeram o suficiente limpando o salão. Não há mais serventia para vocês aqui. São meninas inúteis. Imprestáveis! A única coisa que ainda podem me oferecer é a beleza da juventude. Guardas! Levem-nas daqui!

Quatro ogros surgiram de repente, tomando as meninas de forma violenta. Foram levadas até a Câmara do Sacrifício onde receberiam a pior das punições. A primeira seria J, e A. presenciaria o castigo para temer a seguir, pois o mesmo destino a aguardava. A. estava em uma cela logo ao lado, enquanto J. foi acorrentada e içada ao teto de forma a ficar suspensa no ar.

- Você é realmente bonitinha. Seu sangue deve conter muita beleza! – disse a Condessa para J. – Não posso dizer o mesmo de você. É tão feia que sinto pena, mas alguma beleza, por mais que extravagante, em seu sangue deve haver, mesmo que seja pouca. – continuou Bathory, agora para A.

A seguir, um dos ogros trouxe para Bathory uma horripilante gadanha, com a qual a terrível Condessa passou a cortar a pele de J. O sangue da menina desesperada escorria até o corpo de sua algoz, e esta se rejuvenescia, tornando-se mais bela e moça.

A. alcançou o limite de medo e se desconectou antes de qualquer situação perigosa, claro. A viagem era como um sonho, mas as expressões do Mundo 2 começavam a fazer a menina pensar profundamente em seus sentimentos. Na verdadeira A.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Crônicas do Mundo 2

~Desventuras no Castelo Voador~

A. despertou, mais uma vez, em um lugar desconhecido. Dormia em um divã bonito, coberta por uma manta veludosa. Estava em uma sala entranha, com um belo lustre dourado, uma poltrona vermelha à sua esquerda, uma lareira acesa à sua frente e um tapete de pele de urso ao chão. Era uma sala confortável e A. estava sonolenta, mas antes que pudesse puxar sua coberta e voltar a dormir, uma pequena tropa de brinquedos, que contava com bonecas, ursos de pelúcia e soldadinhos de chumbo, atravessa a sala de forma apressada. Os brinquedos diziam: “A Senhorita está triste! Precisamos nos apressar!”. Uma bonequinha desajeitada tropeçou e caiu de cara no chão. Os outros a deixam para trás. A pequenina levanta, bate seu vestidinho e volta a correr, implorando: “Esperem por mim!”. Espere... Aquela não era Blanche, uma das bonecas de A.? A menina ficou curiosa e decidiu seguir os brinquedos.

Passou por vários corredores curiosos, com quadros estranhos nas paredes. Retratos de gente velha. De senhores de bigode e cartola e de senhoras gordinhas com chapéus escandalosos. As pessoas nos quadros acompanhavam a menina com os olhos, o que era um tanto perturbador. Enquanto subia a escada em espiral de uma das torres, decidiu olhar pela janela e viu nuvens, pássaros e um mundo pequenino, a muitos metros abaixo. Estava num castelo voador, e voavam tão alto que quase podia pegar uma estrela com as mãos.

No fim da escadaria, A. chegou a uma grande e pesada porta de madeira com armações e uma pesada argola de ferro. A. não era lá muito forte, então teve que fazer muita força para abrir aquela porta ruidosa. A. entrou em um lugar lindo. Uma sala colorida, com afrescos de todo o tipo nas paredes que lembravam o seu Jardim, mas repleto de ninfas, cupidos e deuses gregos. O cômodo estava cheio de brinquedos. Atravessou a sala e chegou a uma passagem em forma de arco, coberta por uma cortina vermelha. A. atravessou a tal cortina e deu num quarto, onde vários brinquedos (incluindo Blanche) tentavam animar uma bela moça, vestida de luto e chorando desesperadamente sentada em uma bela cama vermelha. Era branca como um cadáver – aliás, era um cadáver de fato. Aquela era M., a garota que morreu ao cair da sacada no ano passado. M. havia se tornado um belo zumbi.

- Oh... – disse M. ao perceber A. em seu quarto – Não sabia que esperávamos visitas. Lamento por isso, sou uma garota muito sentimental... – secou o rosto com um delicado lenço de seda – Eu sou M., e você é? (...) Prazer em conhecê-la, A. Sinto muito, gostaria de brincar com você, mas no momento estou muito triste, com saudades da vida... Do sol, do calor, do gosto do chocolate e do cheiro dos meus perfumes. Vou voltar ao meu caixão dormir um pouco, mas por que não fica para o chá? Tenho certeza que será servido em breve.

A. não sabia o que responder. Por sorte sua conversa foi interrompida por um belo homem que adentrou o quarto às pressas. Tinha longos cabelos louros e uma capa colorida. Aquele era o mago Pierot, criador de brinquedos animados. Era mais jovem e belo do que A. imaginava. Dava pra entender porque tinha tantas namoradas.

- Minha querida, preciso me apressar: encontrei-a! Isso mesmo, a estamos seguindo no presente momento e... – o mago percebe A. – E você quem é? Bem, isso não é tão importante no momento. Sabe atirar?

Aquilo foi muita informação para a pobre A. que não pode dizer nada.

- Bem, para tudo existe uma primeira vez, não é? Conto com você, minha cara! – disse o mago dando uma espingarda para A. Era pesada e a garota tinha dificuldades em carregar o objeto.

Correram para a sacada do quarto enquanto M. fugia da luz do sol que entrava pela janela. Entre as nuvens, um ponto brilhante como uma estrela se destacava. Era a Fênix, um pássaro colorido que traçava um arco-íris no céu. Um dos 102 deuses do panteão do Mundo 2, que estava sempre voando na parte mais alta do céu. O mago puxou uma besta de sua capa e se pôs a atirar no belo pássaro. As cinzas daquele deus podiam reviver qualquer pessoa. Seria aquilo tudo por M.?

A Fênix falou, com uma voz pura e delicada como um cristal:

- Afastem-se, mortais. Não sabem o que estão fazendo. Se me enjaularem, estarão cometendo um terrível pecado. Serão gravemente punidos.

O mago riu e falou:

- Receio que nosso objetivo não seja capturá-la, bela ave. Queremos matá-la. E quanto às punições, não há deus esperto o bastante para me pegar! – e virou-se para A. – Vamos lá, minha jovem, atire! É nossa única chance.

A. se apressou em armar a pesadíssima espingarda. A Fênix voltou a se pronunciar com aquela voz gentil de xilofone:

- Pobres mortais... Encerrados nessa condição patética. Jamais superaram a morte. Jamais atravessaram os deuses. Jamais alcançaram o céu. É seu destino. Um destino triste...

A. atirou. Não viu se acertou ou errou. O baque foi tão bruto que a jogou para trás e a fez cair da sacada. Caiu por muito tempo. O mundo, lá embaixo, parecia cada vez maior. Seus cabelos voavam com violência. Com certeza morreria ao bater no chão. Seria nossa heroina a mais nova defunta daquele mago? Por sorte, A. despertou antes de acertar o chão.