domingo, 18 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 8

Hora do almoço. Peguei minha bandeja e andei direto para a mesa de sempre. O Ben já tava lá, acabando o primeiro sanduíche. Sentei e o cumprimentei. Ele mandou um olhar que parecia responder ao cumprimento. Aquele gordo idiota devia ter preguiça até de falar. Comemos em silêncio por um tempo, até que Emily chegou.
- Bom dia! – disse ela.
- Bom dia. – respondi. Sozinho, claro. O Ben respondeu com o olhar.
Emily estava mais silenciosa que de costume. Devia ter se cansado de me manter informado sobre as novidades extraterrestres. Comíamos em paz, até que Ray e Ashley se aproximaram de nossas mesas com suas bandejas de comida. Fazia tempo que Ray não sentava conosco, mas e quanto a Ashley, o que estava fazendo, se aproximando da maior concentração de perdedores da escola?
- Olá pessoal, podemos sentar com vcs? – penguntou Ray com aquele sorriso de sempre.
Aquilo não podia ser coisa boa. Já estava preparado para o pior, mas, por incrível que pareça, Ashley apenas olhava para o lado, como se a gente não existisse. Eu podia até imaginar o que houve: depois de uma conversa séria, a menina percebeu que perderia o Ray caso não fosse tolerante com suas esquisitices (neste caso, entenda-se esquisitice o fato de sentar à nossa mesa). Ela devia odiar a gente, mas devia odiar muito mais perder o Ray pra uma burra como a Whitney. Os dois se sentaram à nossa mesa e o clima ficou tenso.
- Bom dia! – disse Ray, cumprimentando todo mundo pela segunda vez, após se sentar. Aquilo era tão idiota. Pra que cumprimentar todo mundo de volta?
Respondi com um pouco de receio. Emily respondeu da sua forma indiferente de sempre e Ben, que estava em seu segundo sanduíche, apenas mandou o olhar característico.
- Ei garoto, não vai responder o Ray não? – perguntou Ashley ao Ben, um tanto irritada.
Ben só mudou o curso do olhar para a garota.
- Ele não pode – respondeu Emily.
- Por que, ele é mudo?
- Ben não gosta de falar enquanto come, mas ele escuta tudo o que se fala a sua volta e presta muita atenção.
- Que idiota – falou Ashley enquanto arrumava seus talheres, ainda sob a mira do olhar de Ben.
Ray riu daquilo. Parecia querer quebrar o possível clima ruim. Para ele, o simples fato de Ashley ter sentado junto à gente já era um grande progresso. O clima, ainda assim, estava muito estranho. Aquela mesa, em si, estava muito estranha. Por que caras como eu, Emily e Ben dividiríamos a mesa com o casal mais popular do colégio? Todo mundo do refeitório nos olhava de forma estranha. Até que, sem que nenhum de nós reparasse, surge Jhonny com sua bandeja de comida, aproximando-se da nossa mesa. O que significaria aquilo? Será que era chegada a hora do acerto de contas com Ray?
- Ei Jhonny, vem cá, sente aqui com a gente! – disse Ray, de uma forma bem amigável e barulhenta, acenando com a mão.
- Não pensem que eu estou me sentando junto a idiotas como vcs por que quero. É que não tem mais lugar pra sentar. Ainda acho vcs um bando de perdedores. – disse Jhonny, um pouco nervoso.
O que significava tudo aquilo? Seria o caos? Aquela mesa não fazia sentido nenhum. O próprio Jhonny nunca almoçava na escola, e justo quando o cara resolve almoçar, vem direto para nossa mesa? O fato é que havia outros lugares a se sentar, mas era só na mesa dos jogadores de football, dos meninos ricos e das garotas mimadas. Será que Jhonny, o terrível agressor de professores, nos achava mais interessante que o resto das pessoas daquele refeitório?
- E ai garoto – falou Jhonny para Ben que estava ao seu lado. O gordo continuou mastigando.
- E ai garoto, tudo bem? ...Ei garoto, eu to falando com vc. Não vai me responder não? – disse Jhonny, já um pouco exaltado.
- Não adianta, ele não vai te responder. – disse Emily – O Ben não gosta de falar enquanto come, mas comer faz com que ele preste muito mais atenção nas coisas. Se tiver algo complicado pra explicar pra ele, agora seria a melhor hora.
- É sério? Cara, e eu que pensava que vc fosse o menos esquisito. To vendo que tava errado. - disse Jhonny para Ben.
Jhonny havia dito que o Ben parecia ser o menos esquisito entre nós? Quer dizer que eu já era considerado mais esquisito que o comedor de melecas? Droga!
Todos que estavam por perto olhavam curiosos para nossa mesa. Por que Ray, Ashley, Jhonny, a menina estranha, o comedor de melecas e... eu estávamos sentados juntos durante o almoço, conversando como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo? Aquela situação não tinha como se sustentar por muito tempo, e aconteceu que a primeira a explodir foi a Ashley.
- Eu sei quem vc é. Vc é Jonathan Jones. Transferido por arranjar confusão no antigo colégio. Vc é do tipo de gente que estraga a reputação da nossa escola. – dizia a menina para Jhonny, olhando em seus olhos da mesma forma que ela olhava para os meus quando ia me chamar de “fracassado”. Silêncio absoluto. Aquilo só podia significar guerra.
- Qual é garota? Vc não tem nada haver com minha vida. Eu também sei quem vc é, Ashley Redfield, e se quer saber, eu acho que são meninas mimadas e nojentinhas como vc que estragam o mundo inteiro.
- Estragar o mundo inteiro? Pense bem no que fala, garoto. Diferente de vc, eu me formarei em uma boa universidade e darei minha contribuição para a economia do país. E caras como vc, o que farão? Vc quer passar o resto da vida na escola? É isso que vc quer? É assim que vc acha que torna o mundo um lugar melhor?
Aquilo tava ficando perigoso demais. Emily apenas observava toda aquela situação, Ben já havia acabado o segundo sanduíche e partia para o terceiro e Ray parecia querer deixar a briga rolar para ver como aquela discussão acabaria. No fundo eu sabia que, independente do desfecho daquela discussão, sempre sobraria para mim no final.
- Nada disso te importa. Além do mais, quem se importa com o mundo? Eu só ligo pra mim mesmo. É assim que as coisas são. Vc tem que lutar pra se dar bem, antes que alguém te passe a perna e roube tudo o que vc tem. A gente só pode se importar com a gente mesmo.
- Pois então, o que vc me diz do teu futuro? Vc quer passar o resto da tua vida sendo a lenda da escola? O valentão do colegial? O cara reprovado que bate nos mais novos? Acha que isso é um futuro ideal?
- Ei, eu não bato nos mais novos! Eu gosto mesmo é de uma briga justa. Não sou do tipo que rouba dinheiro do pessoal do primeiro ano nem do que se aproveita das meninas ingênuas. Só quero que gente como vc me deixe em paz. Vc não sabe nada sobre a minha vida. Não tem o direito de me dar sermão.
- Sim, eu sei o suficiente. Sei que vc é um garoto que já reprovou três anos e, ainda assim, mata aula todo dia. Vc acha que ser bom de briga vai resolver os teus problemas pra sempre? Acha que é só bater em um professor que vc passa de ano sem maiores preocupações? É vc que não sabe como as coisas são no mundo adulto. Vc tem que estudar bastante e trabalhar duro pra ser alguém na vida, e não só vadiar como vc faz.
- Vadiar, eu? Vc não sabe mesmo nada sobre mim não é garota? Olha, vc tem muita sorte por não ser homem, se não eu já tinha te deixado no chão.
- E qual é o problema, valentão? Vai querer me bater? Não sabe dialogar como gente decente ai prefere resolver todas as discussões da mesma forma que teus ancestrais, os homens das cavernas? Por acaso vc já resolveu alguma situação sem usar de violência?
- Cala a boca menina. Não admito que ninguém me chame de vadio. Eu dou muito duro nessa vida. Pra sua informação...
Aquilo tava terrível. Tinha tudo para sobrar pra mim. Decidi pegar minha bandeja e sair de fininho, sem que ninguém percebesse. Acontece que, quando já estava quase em pé, a Emily interrompeu os dois:
- Com licença. Eu sinto muito por interromper a conversa, mas precisamos falar uma coisa urgente para vcs.
Droga. Aquilo não podia ser nada bom. Ashley e Jhonny, que se encaravam como se soltasses lasers pelos olhos, apontaram seus atiradores de raios para Emily. A pobre menina, dependendo do que tivesse para falar, não seria tolerada pelos dois que brigavam furiosos e se tornaria o novo alvo de suas fúrias. Ela devia ser mesmo muito corajosa para se meter no meio de uma discussão tão feia.
- Max, explique pra eles. – falou Emily.
- O que???
Aquilo me pegou, definitivamente, pelo contrapé. Eu pulei da mesa e me pus em pé. Emily olhou para Ray.
- Vc não contou pra ele, Ray?
- Ahahah... Bem, eu pretendia contar, mas achei que seria melhor se o Max ficasse sabendo junto com os outros. – disse Ray, com o sorriso idiota de sempre, coçando a nuca. – Desculpa Emily.
- Ah, não tem problema. Não faz muita diferença. Max, o fato é que Ashley é a próxima Escolhida, representante do planeta Mercúrio. – disse a estranha, olhando para Ashley.
- Escolhidos? Do que é que vcs tão falando? – perguntou Ashley com uma cara de quem não teve nenhuma paixão à primeira vista pelo conceito.
- Quem, ela? Vcs devem ta de brincadeira né? Eu não vou fazer parte do mesmo grupo desta garota! – bradou Jhonny, apontando-a com o dedo.
- Ahá! Ótimo! Jhonny, isso quer dizer que aceitou fazer parte do nosso grupo? – perguntou Ray.
- Não me entenda mal. Não é que eu queira andar com um grupo de fracassados como vcs. O que eu to querendo dizer é que eu, com essa garota mimada, jamais aceitarei fazer parte de grupo nenhum. – disse Jhonny, desviando do olhar de Ray.
- Droga, me respondam! Afinal de contas, o que é um Escolhido?- gritou Ashley.
- Vamos lá Max, explica pra ela. – disse Emily, com aquela mesma expressão indiferente de sempre.
Bingo! Acertei em cheio! Como todo mundo podia prever, acabou sobrando pra mim. Me expliquei antes de falar aquelas bobagens do mesmo jeito que fiz com os outros, culpando a Emily, e contei toda a ladainha sobre Canal X, alienígenas, etc. Ashley ouvia com bastante atenção.
- Bem, é isso. Todos nessa mesa são Escolhidos, e estamos pedindo pra vc aderir à nossa causa. O que acha?
A menina continuou a me olhar séria. De repente, virou a cabeça para Ray.
- Ray, é por causa deste tipo de bobagem que vc tem andado com estes fracassados?
- Aham! O que acha, Ashley? Vamos salvar o mundo... juntos? – dizia o cara com o sorriso mais sincero e idiota da galáxia. A menina parecia querer chorar.
- Droga Ray, o que foi que estes esquisitos fizeram com vc? Por que vc não volta a ser o que era? Pra que dar crédito a este tipo de bobagem? – a garota virou pra mim. – E vc é o líder desta zorra toda, não é? Vc acha que eu sou palhaça? O que vc fez com o Ray? Eu o conheço desde criança e sei que ele não precisa deste tipo de idiotices nem de gente como vcs. Responde, o que vc fez com o Ray!? – gritou Ashley para mim. O grito foi alto e as pessoas do refeitório me metralharam com olhares curiosos. Eu só queria enfiar minha cabeça num buraco.
- Ashley, isso foi muita falta de educação. Peça desculpas ao Max. – disse Ray, agora sério.
Eu tava ferrado. Aquela discussão idiota continuaria por muito mais tempo, até que Ben acabou o terceiro sanduíche, pegou sua bandeja, levantou-se e foi embora, sem mais explicações nem despedidas.
- Que foi que deu nele? – perguntou Jhonny.
Emily apenas observava toda aquela situação. Respondeu:
- O Ben não fala enquanto come, mas sua atenção se torna bastante aguçada. Acho que ele concluiu que não valia a pena ouvir essa discussão. Dá pra entender. O Max já fez a sua parte, então não há mais nada a se dizer.
Ela só podia ta de brincadeira comigo.

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