quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 6

Estávamos eu, Ben e Emily escondidos, espiando nosso novo Escolhido pelo canto do ginásio.
- Ben, vai lá e fala com ele. – falei.
- Eu? Vc ta louco? Jamais!
- Vai Max, vc sabe que é o único que pode convencê-lo. – disse Emily, que, pra variar, não tinha a menor idéia da gravidade daquela terrível situação.
- Gordo inútil! Vc não fez nada de importante desde que aceitou ser um de nós. Vá falar com o cara, por que eu não vou de jeito nenhum!
- Cala a boca, Max. Se ele nos ouve a gente ta frito!
Deixa eu te explicar essa infeliz ocasião. Já havia se passado quase um mês desde a visita à casa da Emily. Eu, ela e Ben passamos a nos encontrar todos os dias no refeitório, durante o horário do almoço. O gordo continuava o mesmo, falando conosco apenas o necessário, só trocou a batata-frita por um terceiro sanduíche. Não tocava no assunto “alienígenas”, aliás, era sempre muito cético com relação a essas coisas, mas também não deixava de estar por perto da gente, principalmente quando a Emily falava sobre suas novas descobertas. O fato é que o idiota passou a me ignorar totalmente. Dizia que sua reputação estaria arruinada se fosse visto andando comigo. É mole?! Mas era só a Emily se aproximar pra falar qualquer coisa que, do nada, o Ben surgia pra ouvir o que ela tinha pra dizer.
Aquilo tudo não era tão ruim. Fazia quase um mês que não acontecia nada pra abalar a minha paz. Foi então que o sinistro ocorreu. Um belo dia, Emily convocou os Escolhidos ao refeitório para fazer a revelação apocalíptica: enquanto caminhava pelo pátio do colégio, havia encontrado o Quinto Escolhido, que era ninguém menos que Jhonny Jones, o temível “agressor de professores”.
O cara já havia reprovado várias vezes, já era maior de idade e ainda estava apenas uma série acima de mim. Ele era transferido de escola a escola, sempre arranjando confusão e até havia uma lenda de que ele tinha sido expulso do último colégio por agredir um professor. Sempre usava calça jeans, jaqueta de couro e tinha um cabelo pelo ombro todo maçarocado. As meninas eram todas apaixonadas por ele, mas nenhuma tinha coragem de se aproximar de um cara tão violento. Diziam até que ele levava um canivete pro colégio. Nem o próprio Budd Tysel e sua turma mexiam com um cara tão durão.
Jhonny sempre matava aula, escondido num beco entre o ginásio e o depósito que terminava em uma grade que era bastante fácil de pular e dava direto pra rua. Ele ficava lá, fumando, encostado na parede com cara de poucos amigos. Quando não estava lá, só podia estar na rua ou na diretoria. No nosso caso, ele estava lá, fumando como sempre (é claro que não era permitido fumar no colégio), enquanto nós o observávamos de longe, planejando o que faríamos. Se simplesmente o abordássemos com o papo dos Escolhidos, sem mais nem menos, corríamos o risco não só de acabar com nossa reputação, mas também de acabar com nossas próprias vidas!
- Ei vcs!
Silencio total. Meu coração quase saltou à boca.
- Ele ta falando com a gente? – sussurrou Ben.
- Shhhh! Cala a boca, seu idiota! – sussurrei meio berrado.
- Eu sei que estão ai, me observando há horas. Apareçam, seus covardes! – disse Jhonny, olhando diretamente para onde pensávamos estar bem escondidos. Eu estava pronto pra empurrar o gordo e correr na direção oposta, quando Emily saiu, andando muito calma, e se revelou.
- Desculpe. A gente não queria ficar espiando. O fato é que temos algo muito importante pra tratar com vc. Max, por favor, venha explicar a ele.
Ela só podia ta de brincadeira. Eu ainda tinha amor à própria vida. Era chegada a hora de empurrar o gordo pro sacrifício e sair correndo, mas onde ele tava? Foi só a Emily se mostrar que Ben saltou do nosso esconderijo e ficou lá, todo sério ao lado dela. Não havia mais ninguém pra me salvar. Sai de trás daquela parede com as pernas tremendo.
- E então, o que vcs querem comigo? – perguntou Jhonny de uma maneira realmente muito hostil.
- Vai, droga, fala pra ele! – disse Ben, me empurrando para frente.
- É, vai Max. Confie em si mesmo! – disse a Emily, tentando me animar.
Não havia o que fazer. Eu era o sacrifício.
- Bem... É estranho dizer essas coisas... ehehee... Sabe, vc não precisa nos levar a sério não. Mas olha, isso foi tudo idéia destes dois aqui. Eu não tenho nada a ver com isso! – disse eu, apontando para meus carrascos.
- Ta, seu maricas. Para de chorar e fala logo! – gritou Ben.
Quanto ódio eu sentia daquele gordo. Não tinha jeito mesmo e eu falei todo aquele discurso idiota sobre alienígenas, portais dimensionais, Escolhidos e humanos do futuro para o cara mais barra pesada da escola.
- Olha, sei que isso tudo parece estranho. Mas vc não precisa acreditar se não quiser.
Jhonny me encarava absolutamente sério. Deu uma tragada a mais, jogou a bituca no chão, pisou e a amassou devagar. Foi se aproximando de mim lentamente. Aquilo só podia ser meu fim.
- É claro que eu acredito. É uma droga ter o seu planeta dominado por uma terrível força alienígena. Eu vou ajudas vcs no que for preciso.
- Verdade? – perguntei eu, todo ingênuo.
- É claro que não, seu perdedor. Vc pensa que eu sou idiota!? Vc ta curtindo com a minha cara!?- gritou meu algoz após me pegar pelo colarinho da camisa. Este, com certeza, era meu fim. Adeus, mundo cruel!
- Pare!
Era o Ben. Estava parado, ereto como uma estatua, ao nosso lado. Olhava para baixo e tremia como uma garotinha.
- O que foi. Quer apanhar também? – gritou o terrível Jhonny.
- Não bata nele. Se for bater em alguém aqui, bata em mim. Eu não ligo. Pode bater. – dizia Ben, gaguejando.
Jhonny me soltou e se virou de forma muito hostil para Ben. Olhou bem para o gordo, levantou o punho rapidamente e o pobre Ben apenas virou a cara, esperando o soco, mas nada aconteceu. Jhonny abaixou o punho.
- Escuta aqui, eu não sei qual é a de vcs, mas é melhor não me encherem mais o saco com esse tipo de conversa, entenderam? Droga, vcs acabaram com o meu humor. Eu tinha tudo pra assistir a algumas aulas hoje. – dizia Jhonny, enquanto pulava a cerca. O cara saiu da escola sem dizer nada. Que alivio!
Emily correu até nós.
- Vcs estão bem?
- Eu to sim. Puxa Ben, vc salvou a minha pele! O que deu em vc?
- Não te interessa. – dizia o gordo, ainda tremendo.
- O que foi Ben? Vai chorar é? Acho que vi vc chorando quando o Jhonny armou o soco.
- Cala a boca, Max. Não era vc que eu queria salvar, idiota. – falou o Ben para dentro. Quase sussurrado.
- O que foi que vc disse? Não ouvi nada. Fala com a boca!
- Tanto faz. Não te interessa!
- Bem, o fato é que conseguimos. Missão cumprida! – disse Emily, esboçando um leve sorriso, sem mostrar os dentes. Aquilo era raro. A menina só sorria daquele jeito quando estava extremamente feliz.
- Então eu vou voltar pra sala. – disse Ben, ainda vermelho de nervosismo. Eu e Emily estávamos a sós mais uma vez.
- Vc ta brincando! Missão cumprida? Esse cara não levou a sério uma palavra do que a gente disse. E vc ouviu o aviso que ele deu. Eu não vou falar mais nada pra ele, entendeu Emily? Mais nada! Vc pode não ter, por que é uma estranha, mas eu ainda tenho amor à vida!
Ela ainda sorria.
- Não vai ser preciso. Saindo de vc, essa história só precisa ser contada uma vez. Agora, só falta esperar pra que Jhonny aceite o seu destino. Quando a hora chegar, será ele quem vai nos procurar.
- A ta, claro. Como se isso fosse acontecer.
- Bem, Max, acho que é bom a gente voltar pra aula agora.
- Ta. Chega de loucuras por hoje, ta legal?
Voltamos para a aula. Aquilo, com certeza, foi uma das situações mais assustadoras pela qual já passei. Eu pensei que molharia minhas calças na hora em que o Jhonny me pegou pelo colarinho. Mas, enfim, aquilo tinha acabado. Paz! As ruas vazias para casa, mais uma vez. Algumas manobras. Ninguém pra te encher o saco. Enfim, paz. Eu mal podia imaginar o que me esperava no dia seguinte.
No outro dia estava eu, de skate, me aproximando dos portões da escola, quando encontro ninguém menos que Jhonny, encostado à grade, fumando, esperando por algum de nós. Eu era sempre o primeiro a chegar à escola. Aquilo não podia ser coisa boa. O cara já chegou me pegando pelo colarinho, mais uma vez. Eu acabaria me acostumando com aquilo.
- Escuta aqui, seu perdedor, o que vc fez com a minha televisão? Isso é uma palhaçada por um acaso? – gritava Jhonny para mim, em frente a toda a escola. As pessoas olhavam para mim, algumas chocadas, outras com cara de velório. Todo mundo sabia que eu tava ferrado.
- Não é brincadeira, Jhonny. Vc sabe que é real. – disse, de repente, Emily que acabara de chegar. – Nós também já passamos por isso. É difícil de acreditar. No começo, na verdade, é quase impossível, mas tem uma coisa, lá no fundo de vc, que diz que isso é tudo verdade, não tem? Vc sabe que é verdade: os alienígenas, o Canal X, o fato de vc ser um dos Escolhido. No fundo, vc sabe.
O matador me soltou. Mandou aquele olhar de puro instinto assassino pra menina, que continuava a encará-lo, absolutamente séria, como era de praxe.
- Droga, o que foi que eu fiz pra vcs? Seus perdedores! Eu não sou um esquisito como vcs. Me deixem em paz! – disse Jhonny, pegando, mais uma vez, o caminho da rua. Parece que a Emily havia acabado com seu humor por mais um dia.
- Droga Emily, viu o que vc fez?
- Bem, como eu disse, era ele quem nos procuraria, mas não esperava que fosse tão cedo. Jhonny Jones é o representante do planeta Marte. Agora faltam apenas mais quatro escolhidos: Mercúrio, Vênus, Netuno e Plutão. Estamos indo muito bem, não acha Max?
Ela só podia ta curtindo com a minha cara. Aquela aventura idiota seguiria em frente, cada vez pior. O que eu fiz para merecer isso?

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