quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 7

Mais uma semana havia se passado desde o caso Jhonny. Por sorte, nunca mais vimos ele em lugar nenhum. Eu, Emily e os outros continuávamos levando a nossa vida do mesmo jeito. Já havia uma semana que tudo estava novamente em paz, e aquilo me confortava muito. A única coisa que podia deixar o meu astral melhor seria voltar pra casa de skate em uma rua quase vazia, perfeita para algumas manobras, e era este o caso. A aula já havia acabado e estava quase anoitecendo. Eu tomava meu caminho de volta para casa, do jeito que tanto gosto, até que ouvi uma buzina. Era o conversível do Ray. Droga, eu já devia ter aprendido que, na minha vida, nada é tão perfeito por muito tempo.
- Ei Max! Quer uma carona pra casa? – disse o cara, com aquele sorriso idiota de sempre.
- Não precisa se preocupar com isso não, ahaha... Eu to bem. Posso ir de skate.
- Desta vez eu insisto! Vamos lá, eu te levo pra onde vc quiser. Entra ai!
O que me confortava bastante era que, desta vez, ele estava sozinho no carro. Sem aqueles amigos horríveis do football até que dava pra encarar uma carona, mas eu não podia perder, de jeito nenhum, aquela rua quase vazia, perfeita para algumas manobras.
- Bem, Ray... Acho que não precisa não. Não se preocupa comigo, ahuahua.
Ele continuava me olhando com a mesma cara idiota. Droga, alguma coisa me fazia sentir que, desta vez, ele não me deixaria sair ileso.
- Vamos lá Max, eu insisto. Por favor! Eu queria conversar algumas coisas com vc. Olha só: o que vc acha de a gente ir numa lanchonete? Que tal o McMickeys? Eu te pago um sanduíche e um refrigerante tamanho grande. Que acha?
Desde antes desta oferta eu já sentia que minha rua quase vazia – aquela perfeita para algumas manobras – teria que esperar mais um dia. O cara era um saco e não me deixaria em paz enquanto eu não embarcasse naquela droga de carro. Porém, tenho que confessar que a proposta de lanchonete foi bastante tentadora. Eu sempre adorei sanduíches, pizzas, refrigerantes, fast-foods e junk-foods em geral. Tinha gente que dizia que aquilo engordava e fazia mal pro coração. Danem-se a gordura e o coração. O fato é que esse tipo de comida é a melhor que há, e eu não tinha um mísero centavo no bolso. Que mal faria em deixar o lendário Ray Taylor me pagar um lanche?
- Bem... Ta legal. Só que eu não posso voltar tarde pra casa.
- Não se preocupe. Vai ser rapidinho. Entra ai!
Entrei no carro e fomos em direção ao McMickeys mais próximo dali. Eu não sou muito de puxar conversa, mas também não gosto de ficar naquele silencio constrangedor que me faz ficar procurando assunto desesperadamente e, quase sempre, me faz puxar um assunto bem idiota. A sorte é que Ray era aquele cara que sempre fazia questão de puxar a conversa.
- E então Max, curte andar de skate?
Não. Minha mãe me obriga a andar nele todos os dias. É uma espécie de castigo. Idiota.
- É, curto sim.
- Eu sinto muito pelos meus amigos do football. Eles, às vezes, são meio fechados e não tratam muito bem as pessoas de fora do grupo, mas eu aposto que quando vc os conhecer melhor vai gostar muito deles.
Eu, conhecer melhor aqueles idiotas?
- Ah, que nada. Eles nem me tratam mal não.
- O Henry não é de falar muito, mas ele dá um grande valor às amizades. O Eddy também. Ele faz muitas brincadeiras de péssimo gosto, mas ele só faz isso por que gosta de vc. Pra ele, esse tipo de brincadeira é um sinal de confiança.
Ah ta. Agora que você me explicou, acho que nós podemos virar amiguinhos.
- É. Os caras parecem ser legais.
- Mas o pior comportamento, de longe, é o da Ashley. Eu espero que vc nunca tenha levado a sério nada que ela tenha te falado, ahahah. Eu a conheço desde criança. Nossas famílias são amigas desde antes de nascermos. Ela sempre foi assim. No começo, parece que ela é só uma menina egoísta e vaidosa, mas a verdade é que ela exige muito de si mesma e dos outros também. Ela não suporta ver alguém que, na visão dela, não esteja dando o melhor de si, ai ela critica e dá palpite em tudo. É meio chato no começo, mas depois que vc entende o que se passa pela cabeça dela vc começa até a gostar dela.
- Poxa, eu nunca tinha pensado dessa forma.
- Mas não se preocupe. Aposto que vcs se darão muito bem no futuro.
- Tomara que sim,
Para mim, ela continuava sendo uma menina chata e egoísta. Por acaso eu preciso de uma garota idiota pra dar palpite em minha vida? Não fazia questão de me dar bem com ela.
- E vcs, tão namorando? – perguntei.
O Ray deu uma risadinha. Qual é a graça, malandrão?
- Ahahha... Essa é uma questão difícil de responder. Eu e a Ashley somos amigos desde crianças. Eu sempre me dei muito bem com ela e sei que ela gosta muito de mim. Mas tem também a Whitney. As duas gostam muito de mim, sabe? Eu gosto das duas, do jeito que são, mas acho que não sinto por elas nada tão grande quanto elas sentem por mim. Eu odeio ferir as pessoas. Nunca gostei de dar fora em menina. Cara, se tem uma coisa que eu odeio é ver menina chorando. Ai eu tento manter um relacionamento com as duas. Sei que não é o certo, mas, vc sabe, eu odeio machucar as pessoas. – dizia ele, com aquele sorriso modesto que eu tanto odiava.
Eu sempre soube que ele devia sair com as duas. O cara era um campeão mesmo. Odeio gente que se dá bem demais na vida. E ai, será que ele queria que eu me ajoelhasse perante o grande Ray e pedisse desculpas por ser virgem e nunca ter dado um mísero beijo de língua em menina nenhuma? Que eu o louvasse como uma espécie de macho alfa? Caras fracassados como eu não tinham lugar num mundo habitado por idiotas populares que transam não com uma, mas com as duas meninas mais desejadas do colégio.
Enfim chegamos ao McMickeys. Eu já tava morrendo de fome. Sentamos na mesa do canto, fizemos o pedido, pegamos nossa senha e voltamos a esperar.
- Max, eu sinto muito por não poder estar por perto quando vcs falaram com Jhonny sobre os Escolhidos. Eu tinha um treino muito importante e não podia faltar.
- Ah, não se preocupa com isso não. Acho que ele não nos levou muito a sério, de qualquer jeito.
- Era isso que eu queria conversar com vc. Eu esperei por ele ontem, na saída da aula. A gente teve uma breve conversa sobre isso.
- Sério? E como foi.
- O Jhonny fez questão de deixar bem claro, antes de nossa conversa começar, que não gostava de caras como eu, e que, dependendo do que eu tivesse pra falar, a gente ia sair na briga.
Puxa vida! Por que eu não tava lá pra ver isso? Imagina só, o atlético e popular Ray contra o terrível agressor de professores Jhonny. Seria épico. Uma batalha do tipo “paladino da justiça” contra “o príncipe das trevas”. Um lance meio Superman contra Bizarro. Eu queria mesmo era ver os dois se destruindo de uma vez. Isso sim seria um bom final para aquela querela.
- E daí? O que foi que aconteceu?
- Eu disse que também fazia parte do grupo dos Escolhidos e que acreditava em todos vcs de todo o coração. Pedi, também, pra que ele não agredisse ninguém do nosso grupo e que, se ele quisesse mesmo partir pra briga, eu tava disposto a brigar por vcs.
- Nossa, e ele, o que fez?
- Nada. Só mandou a gente deixá-lo em paz, acendeu um cigarro, me deu as costas e foi embora. Eu estive conversando com a Emily sobre isso. Ela me disse que o que fiz foi desnecessário, pois você, Max, já tinha convencido o cara, mas achei melhor prevenir e dar uma segunda opinião a ele.
- Ah, haahaha... Não liga pro que aquela estranha diz. O Jhonny quase quis me bater depois do que eu falei pra ele. A Emily devia ta brincando com vc.
Era bom usar esses apelidos tipo “estranha” e “comedor de meleca” que assim os caras como o Ray saberiam me distinguir de esquisitos como eles.
- Será mesmo? Achei que ela tava certa. O Jhonny jamais me deixaria sair ileso depois de ter dito todas aquelas coisas se já não pensasse diferente. Vc realmente é um cara em tanto heim Max? Não sei o que falou pra ele, mas acho que vc já devia ter feito o cara pensar no assunto fazia tempo.
Mudei de idéia. O Ray era tão esquisito quanto os outros dois. Ele continuou com aquela puxação de saco toda para cima de mim enquanto eu tentava desconversar. Enfim, chegou a vez da nossa senha e eu tava morrendo de fome. Um hambúrguer duplo com batata-frita e quinhentos mililitros de refrigerante, tudo por conta do capitão do time de football da minha escola. Aquilo sim era vida. Enquanto eu degustava meu lanche devagar, tentando aproveitar cada pedacinho de carne, o Ray continuava a conversar.
- Sabe Max, eu preciso te contar uma coisa a respeito da Ashley. Quando nós éramos crianças ela era uma menina gordinha que usava uns óculos destes tipo fundo de garrafa, sabe? A família dela sempre foi muito rica e ela sempre foi um pouco mimada. Ninguém queria ser seu amigo porque era muito metida e mandona. Era sempre ela quem ditava as regras da brincadeira, e se as coisas não estivessem sempre do jeito que ela queria, então não haveria brincadeira pra ninguém. Ela tinha vários tipos de bonecas, bolas, videogames e todo o tipo de brinquedo que emprestava pra todo mundo, mas só com a condição de que ela fosse a líder da brincadeira.
O Ray falava enquanto seu sanduíche esfriava. Eu não respondia, nem ao menos fazia um comentário. O que eu comentaria? Ainda achava aquela menina uma patricinha mimada e egoísta e não me importava com seu passado. O Ray continuou:
- Eu sempre fui o único amigo dela. Nunca quis ser líder nenhum, e as brincadeiras que ela criava eram divertidas. Deve ser por isso que ficamos tão ligados um ao outro.
Eu ainda tentava descobrir o que eu teria haver com essa conversa toda.
- A gente cresceu e a puberdade chegou. De repente, um monte de espinhas apareceu na cara dela e ela, que já era gordinha e usava óculos, passou a ser o principal alvo das chacotas de todo mundo, fossem meninos ou meninas.
Agora, isso era uma curiosidade e tanto! E pensar que Ashley, a garota perfeita, já foi gordinha e cheia de espinhas. A galera precisava saber disso.
- A pobre Ashley ficou arrasada. Passou a ter ódio de todo mundo. Eu fui o único que continuou a ser seu amigo. Como sua família sempre foi muito rica, ela os fez pagar um tratamento com nutricionista, um personal traineer, um tratamento para a acne e uma cirurgia a laser para os olhos, tanto que, hoje em dia, ela só usa uns óculos para descanso.
Aquilo era verdade. Era ridículo. A menina não usava óculos na hora de dançar, fazer exercício e essas coisas, mas era só rolar uma oportunidade que ela vestia uns óculos maneiros que a deixavam com a maior cara de intelectual, como quando ela palestrava a favor da sua candidatura pro grêmio estudantil ou quando estava em aula. Sempre achei que aqueles óculos nem tivessem lentes, e que servissem apenas pra fazer pose de inteligente.
- Então ela se tornou o que é hoje. Ela ainda depende muito de ter pessoas a sua volta, mas também pensa que essas pessoas estão lá para servir as suas vontades. É quase um mecanismo de defesa dela, te tratar como inferior pra não ser tratada como inferior. Não dê bola pro que ela diz que vc acaba aprendendo a conviver com ela.
Brilhante. Agora o magnífico Ray se tornou, também, psicólogo! Aquilo tava chato demais, e eu já tinha acabado meu lanche.
- Viu Ray... Desculpa interromper, mas já é tarde, e eu tenho que voltar pra casa.
- Ah é! Sinto muito Max. Vamos lá. Eu vou pagar a nossa conta.
Pagamos e voltamos para o carro. Já tinha uma ligação perdida da minha mãe no meu celular, então era melhor voltar pra casa. Expliquei a Ray onde eu morava. O cara foi me levando de volta em silêncio, até que quis dizer algo.
- Ei Max.
- O que é?
O cara pensou melhor.
- Nada. Deixa pra lá. Já falei muito por hoje né? Ahuaha.
Era aquele riso modesto de sempre. Achei melhor nem responder a pergunta. Ray me deixou na porta de casa e fui pro meu quarto, mexer no computador e assistir televisão. Eu não sabia que tipo de surpresas esperava por mim no outro dia.

Nenhum comentário: