quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 10

Era sábado. Eu estava, mais uma vez, arrumando o meu quarto pra que não parecesse idiota. Tirei da parede vários pôsteres idiotas que estavam lá desde a minha infância. Havia umas fotos de família na sala de estar e, entre elas, estava uma foto besta de quando eu era criança, com uma roupinha de marinheiro, prestando continência. Havia outra na qual eu tava fantasiado de ursinho e tinha um focinho e uns pêlos idiotas desenhados na minha cara. Nem preciso dizer que escondi todas essas fotos constrangedoras atrás do sofá. Aquele era um dia especial e eu não queria parecer um imbecil.
Tudo começou quando a Emily me mandou uma mensagem no celular perguntando se eu não poderia ir até seu apartamento pra gente tratar de “interesses que temos em comum”. Aquilo era muito estranho. Ela sempre fazia uma pequena prévia do assunto que trataríamos em qualquer reunião, e a palavra “alienígenas” estava sempre envolvida. Aquilo me fez pensar no quanto a nossa relação havia progredido nos últimos dias, especialmente naquele passeio pelo centro, uma semana atrás, e naquela situação no apartamento dela, em que a gente ficou muito próximos, sentados na mesma cama e tudo mais. Bem... Será que ela tava afim de mim? Ela era esquisita, mas até que era bonitinha. O problema era que meus pais tinham viajado pra casa de uns parentes idiotas e deixaram eu e a Jennifer cuidando da casa. Minha irmã idiota já havia avisado que aproveitaria que nossos pais não estariam em casa e iria a uma festa na casa de um cara da faculdade, e que eu deveria cuidar da casa sozinho. Eu sempre gostei de ficar sozinho em casa. A maior liberdade que um cara como eu pode ter, mas aquela era uma ocasião especial. Expliquei pra Emily que não poderia sair de casa e perguntei se ela não poderia vir à minha, ao invés do contrário. Ela aceitou. Passei algumas coordenadas sobre minha casa e ela disse que chegaria às 6 da tarde. Bem, ta explicado por que eu lidava tanto com a decoração da casa. Aquele dia tinha tudo para ser um dia especial: o dia em que eu perderia minha virgindade.
Já eram quase seis. A Jennifer já tinha saído de carona com um cara todo campeão num carro maneiro e, provavelmente, só voltaria para casa de manhã. Eu estava, finalmente, sozinho e a casa estava pronta. Enfim, a campainha bate. Me apresso em passar um pouco mais de perfume e desço correndo o lance de escadas, gritando “Já vou!”. Quase cai. Seria uma queda muito feia. Chego à porta e a abro todo animado. Além da porta estavam Emily e ninguém menos que Ben. Aquilo só podia ser brincadeira.
- Olá Max. Eu sou péssima em encontrar endereços, então pedi para que Ben viesse comigo. Ele disse que sabia onde era tua casa.
O gordo me olhava com aquela cara idiota de sempre. Nem ao menos me cumprimentou direito e já foi entrando na casa, sem limpar os pés.
- O que houve com vc? Por que ta tão perfumado? – perguntou-me Ben.
- Ah, não é da tua conta. Vc não quer que eu saia por ai fedendo, quer?
O cara continuou me olhando meio desconfiado. O que, afinal de contas, aquele maldito gordo estava fazendo ali, junto da gente? Parecia que meu dia especial não seria aquele.
- Eu avisei o resto do pessoal. Eles chegarão em breve. – disse Emily.
- Pessoal?? De quem é que vc ta falando?
- Ora Max, os Escolhidos. Quem mais poderia ser?
Aquilo era terrível. Minhas esperanças naufragavam. Eu seria virgem para sempre.
- Puxa Emily, vc não falou nada sobre trazer os escolhidos para cá. É sujeira trazer muita gente pra dentro de casa. Vão fazer muita bagunça.
- Não se preocupe. Avisei a todos que seria uma reunião muito breve. Se sujarmos algo, limpamos antes de ir embora.
- E quanto aos interesses que temos em comum, quais são? – perguntei, todo esperançoso.
- Bem, como vc pode imaginar: a salvação de nossa espécie e de nosso planeta natal. Sinto não avisá-lo antes, mas eu ando desconfiada de que nossos celulares possam ter sido grampeados pelos alienígenas. Devemos estar sempre atentos.
De fato, eu esperava algo que pudesse envolver a conservação da nossa espécie, mas não daquele jeito! O Ben ligou a televisão e ficou lá, sentado no sofá da sala na maior mordomia. Emily foi comigo até a cozinha, pois ela tava com sede e eu serviria um refrigerante gelado pra ela. Droga, se não fosse aquele gordo inútil!
De repente, a campainha bate mais uma vez. Do outro lado estavam ninguém menos que Ray e Ashley. Até a Ashley? Ela nunca mais havia falado nada sobre ser uma Escolhida, aliás, ela apenas ignorava quando encontrava qualquer um de nós pelos corredores da escola. O que ela estaria fazendo ali?
- Ei Max! Olha só, eu trouxe refrigerante e pipoca. E aí, a Emily e os outros já tão ai? – disse Ray esticando a cabeça para dentro da porta – Aha! Já estão sim. – e foi falar com o Ben na sala da televisão. Eu permaneci na porta, esperando que a menina entrasse. Ela me olhava com um olhar de puro desprezo.
- Oi Ashley! Pode entrar. Se sinta em casa.
Ela continuou me olhando com o mesmo semblante. Aquilo só podia dar em confusão.
- Escuta aqui: eu sei que é vc quem está por trás de tudo isso. Não sei por que está tentando reunir todos nós, mas vou descobrir. Enquanto isso, é bom que saiba que eu não sou como os outros. Eu não cairei facilmente na sua lábia. E saiba que eu não confio em vc, ta entendendo? – falou Ashley, me dando de dedo. Fiquei absolutamente paralisado e apenas concordei timidamente com a cabeça enquanto ela entrava furiosa para dentro da casa.
Ray foi até a cozinha fazer pipoca enquanto os outros permaneciam na sala. Ben estava esparramado no sofá com o controle na mão, trocando de canal a todo o momento, enquanto Emily puxou um livro velho e fedorento da sua bolsa e começou a ler em silêncio. Os dois me ignoravam, enquanto Ashley permanecia em pé ao lado da porta da sala, me encarando com uma cara de poucos amigos.
- Não quer sentar? – perguntei a Ashley, todo tímido.
Ela olha pro sofá com a mesma cara de desprezo que olha pra mim.
- Não, e mesmo se quisesse sentar, não poderia porque o garoto ali ta ocupando todo o sofá.
Ben apenas encarou a garota com sua cara de mau, mas aquilo não fazia efeito na Ashley, que desprezava todos nós. A situação estava horrível até que a campainha bateu mais uma vez. Era Jhonny, com um cigarro aceso em uma mão e uma caixa de bebida na outra.
- E ai garoto! Olha só, eu trouxe cerveja! Uma festa nunca está completa sem bebida – e foi entrando sem maiores explicações. Aquilo era terrível: cerveja e cigarros. Se meu pai descobrisse que alguém havia tomado bebida alcoólica e fumado embaixo daquele teto, eu estaria frito! E por acaso ele falou “festa”?
- Oi Jhonny! Ahhah... Sabe o que é? É que não dá pra fumar aqui dentro da casa. Foi mal. – falei mais tímido ainda e um pouco assustado.
O terrível agressor de professores me olhou torto, depois deu uma risada e disse:
- Ahahha... Não esquenta com isso. Eles viajaram, não é? Até voltarem, o cheiro do cigarro já passou. Ta aqui, toma uma cerveja e relaxe. – falou Jhonny me passando uma cerveja.
- É... Sabe Jhonny, isso é outro assunto que eu queria te falar. É melhor não beber, eu sou menor de idade, e se meu pai descobre que meus amigos beberam dentro desta casa eu to frito!
Jhonny continuava me encarando com cara de quem não tava me entendendo.
- Qual é, carinha! Vc não disse que teus pais viajaram? Se viajaram, não vão saber de nada! O truque é esconder as evidências. Confie em mim, sou bom nisso! Olha, abre essa cerveja ai que vc tem na mão, toma um gole e relaxa. Na tua idade eu já fazia isso todo dia.
Aquilo não podia dar certo. Assim que me deu as costas, Jhonny se depara com ninguém menos que Ashley. Os dois se encaram e eu quase escuto aquela música de faroeste.
- Escuta aqui, Jonathan Jones: eu não gosto de vc e sei que não gosta de mim, mas a situação exige que a gente aprenda a conviver da forma mais diplomática possível. Então não fique no meu caminho que não ficarei no seu. – falou a menina num tom bastante autoritário. Aquilo não podia ser coisa boa. Como ela podia ter tanta coragem a ponto de falar aquelas coisas para o terrível Jhonny?
O cara demorou um pouco para responder. Tomou um gole de cerveja e disse:
- Por mim ta ótimo.
- Quem quer pipoca?! – gritou Ray, lá da cozinha, de um jeitão bem idiota.
O Ben levantou do sofá e foi correndo pra cozinha. Gordo esfomeado.
Quando pensei que não podia ficar pior, eis que ouço a porta da frente abrir. Quem poderia ser? Corro para atender e me deparo com ninguém menos que Jennifer. Aquela era a pior coisa que poderia ter acontecido numa situação como essa.
- O que é que vc ta fazendo aqui? – perguntei.
- Não tinha festa nenhuma! O idiota apenas queria aproveitar que seus pais tão viajando pra me levar pra sua cama. Droga, eu tava tão afim de uma festa! E por falar nisso, quem são esses aí? E o que é isso na sua mão?
Eu ainda tava com a cerveja do Jhonny na mão. A cara que eu fiz deve ter sido a mais imbecil que eu consigo fazer.
- Ah... Não! Não é nada disso que vc ta pensando!
- Ahá! Aproveitou que todos nós saímos e resolveu dar uma festinha em casa, é isso, macaquinho? Quem diria! Vc ta até bebendo! Imagine só quando papai e mamãe souberem disso.
- Não... Vc não pode! – implorei, mas não adiantava. Ela já havia me dado às costas e se dirigia à sala onde estava todo mundo.
- Oi gente! – disse minha irmã idiota para todo mundo.
Ray a cumprimentou de forma bem simpática, Jhonny e Emily de forma mais inibida enquanto Ben e Ashley nem ao menos cumprimentaram. Era um pessoal muito esquisito. Minha irmã não deixaria barato. Ela voltou até mim, me pegou pelo braço e disse bem séria:
- A gente precisa conversar, Max.
Aquilo só podia ser o meu fim. Ela me puxou para um canto pra gente conversar reservadamente. Ela provavelmente me mandaria pedir para todo mundo ir embora.
- Escuta Max: quem é o teu amigo bonitão?
- Quê???
- Aquele da jaqueta de couro com a gola levantada. Aquele com um estilo meio rebelde... Meio James Dean. Quem é ele? Me diz! - falava a menina toda alegre. Aquilo só podia ser brincadeira.
- O nome dele é Jhonny. É um cara da minha escola.
- Ótimo! Escuta macaquinho: eu não vou estragar a tua festinha. Vc já ta mocinho. Ta até a tua namoradinha aqui. Eu não vou atrapalhar nada, mas diz pra esse Jhonny que tua irmã linda e descolada ta sozinha no quarto do andar de cima. E lembre-se: fale muito bem de mim para ele, ta? Se vc falar qualquer coisa idiota, eu te mato! – disse Jennifer mandando uma piscadela.
- Quê??? Ela não é minha namorada! E eu não vou falar nada disso, droga!
Tarde demais. Ela apenas me deu às costas mais uma vez e correu feliz pelas escadas. Antes de entrar no quarto, ela me olhou de uma maneira bastante suspeita e disse:
- Lembre-se: fale bem de mim, se não...
Perfeito! Agora eu pareceria mais idiota que de costume, e se eu não fizesse o que a Jeniffer mandava, com certeza ela contaria tudo sobre a festa, a bebida e os cigarros para meus pais. Eu tava numa sinuca de bico. Voltei para junto do pessoal. Estavam todos apenas me esperando para começar a reunião.
- Bem, agora que Max voltou, podemos começar com o assunto de hoje... – disse Emily.
- Espera! Tenho que falar uma coisa pro Jhonny antes – falei, já me engasgando.
- Qual é garoto! Já disse que sou bom em esconder as evidências! – disse Jhonny, já meio nervoso.
- Não é isso... É que... Bem...
- Vai garoto, desembucha!
- Bem... Minha irmã é muito bonita e descolada sabe? E, nesse momento, ela ta sozinha em seu quarto...
Silêncio constrangedor. Jhonny bebe mais um gole e diz:
- E o que eu tenho haver com isso?
Desisti. Aquilo era demais para mim.
- Bem, se era só isso, podemos começar a reunião. – disse Emily – Por favor, que horas são?
- Ah, são oito em ponto – disse Ray.
- Ótimo. Ben, vc poderia colocar no canal 12 pra mim?
O gordo pôs no canal que ela pediu. Aquele era o horário dos seriados mais populares da televisão, e no canal 12 não era diferente.
- Puxa Emily, vc assiste “Amy Rose”? Nunca pensei que vc gostasse desse tipo de programa. – falou Ray.
- Na verdade eu não gosto muito de televisão. Mas preciso mostrar uma coisa nesse programa pra vcs.
Aquilo era o fim. “Amy Rose” era um seriado idiota e extremamente popular sobre uma adolescente (a Amy Rose) que saía de sua pequena cidade natal no interior para tentar a carreira como cantora pop na capital e, quem sabe, descobrir um verdadeiro amor. Era uma comédia romântica adolescente cheia de clichês para meninas apaixonadas de doze anos. Era realmente uma bosta de seriado, e o pior de tudo é que a protagonista era interpretada por uma menina nascida na nossa cidade chamada Claire Campbell, o que fez com que nossa cidadezinha se tornasse conhecida a nível nacional. O seriado ficou tão famoso que uma gravadora contratou a garota para tentar uma carreira como cantora. Agora a própria Claire Campbell era uma espécie de pop star adolescente. A garota era realmente uma gatinha, mas devia ser burra como uma porta. O fato é que a história da Claire e da sua personagem eram muito parecidas, pois ela também veio de uma cidade pequena e agora fazia sucesso internacional, tanto com seu seriado imbecil quanto com suas musiquinhas horríveis. Enfim, a tal Amy Rose aparece na tela, e Emily diz:
- Conhecem essa garota?
- Bem... Todo mundo conhece Claire Campbell, especialmente nesta cidade – respondi.
- É. Ela é nascida aqui na cidade – comentou Ray.
- Ótimo. Passei um tempo pensando se eu não estaria enganada, pois a cor da aura das pessoas é um pouco distorcida na televisão, mas agora posso confirmar que ela é a nossa próxima Escolhida, representante do planeta Vênus.
- Quê??? – falamos todos na mesma voz (com exceção de Ben que estava concentrado na pipoca). O Jhonny quase cuspiu cerveja em todo mundo. Até Ashley ficou surpresa.
- Ah ta! Ótimo! E o que nós fazemos? Nos mudamos para a capital, escalamos um monte de fãs, fugimos de alguns seguranças e, em seguida, abordamos a pop star do momento tratando da terrível ameaça alienígena. Ai a convocamos a participar do time de defensores da galáxia. É isso? – perguntei de forma bem jocosa.
- Acho que não. Já temos a maior parte dos Escolhidos reunida. Acredito que os próximos acabaram sendo atraídos para junto de nós.
Silêncio total. Ninguém podia acreditar no que a estranha falava.
- Como vc sabe disso? – perguntou Jhonny.
- Não sei. Intuição, talvez...
- O quê?? – eu não podia aceitar aquilo.
- Ahahhah... Bem, não sei quanto à vcs, mas eu confio muito na intuição da Emily. Se ela disse que será assim, então será. – disse Ray, coçando a nuca.
Só podiam estar de sacanagem pra cima de mim.
- Ah ta. Como se isso fosse mesmo acontecer! Sabe quando a Claire volta pra essa cidade? Nunca. Nunquinha.

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