sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 4

- Max, por que estamos escondidos atrás deste arbusto?
- Shhh! Escuta Emily: fica quieta ta legal? Se eles nos descobrem, a gente ta ferrado.
Não, a gente não tava se escondendo de nenhum alienígena do futuro. A situação era bem pior. Deixa eu explicar: depois de ficar sabendo que Ben, o popular “comedor de melecas”, era o novo Escolhido (eu ainda não me conformava com isso), a Emily insistiu pra que a gente abordasse o cara na saída da aula. Tentamos alcançá-lo antes que fosse embora, mas a situação era muito pior do que imaginávamos. O pobre Ben já havia sido abordado antes da gente por ninguém menos que Budd Tysel e sua turma. Este era o valentão do colégio. Gordo, alto, cabelo ruivo cortado ao estilo militar, sardinhas na cara e os olhos sempre serrados. Andava sempre acompanhado de dois outros fanfarrões, o Billie Joe, um cara alto e magro com cabelo pelo ombro e o Spike, um sujeito louro metido a brigão. Havia uma lista de pessoas de quem o Budd cobrava uma “taxa de segurança” para perambular pelo pátio da escola. Ben estava nessa lista e parece que não havia pagado seus impostos. É claro que a única pessoa que ameaçava a segurança dos alunos era o próprio Budd e sua turma, por isso, nada mais lógico que pagar a taxa diretamente pra ele. O pobre Ben estava, no momento, levando uns tapas na nuca e logo levaria o lendário “cuecão”, uma prática de tortura física e psicológica que consistia em puxar a cueca do torturado para cima por um ou mais indivíduos até que o elástico da cueca estourasse. Era uma situação bastante frustrante. Por que eu e Emily estávamos escondidos atrás do arbusto? Lógico. Eu também estava na lista da taxa e não havia pagado aquele mês.
Emily e eu assistimos escondidos à prática do famigerado cuecão no gordinho infeliz que caiu deitado no chão, e sua cueca continuou na mão de Budd, partida pela metade. Budd falou de uma forma bem hostil:
- E então, gordo, não vai chorar não?
Ben não chorava, não reclamava e nem ao menos reagia. Apenas suportava sua punição de forma estóica.
- Aposto que o bebêzão ta tão assustado que nem consegue chorar, ehehe – disse Billie Joe.
- Ei Budd, vamos pegar todo o dinheiro dele! – propôs Spike, todo fanfarrão.
- Não adianta, seu burro. – Budd deu mais um chute nas ancas de Ben, que ainda estava prostrado no chão. – O maricas não tem um mísero centavo. É um gordo inútil mesmo. Escuta aqui, Watchosk, da próxima vez é bom que traga o dinheiro que me deve, ta legal? E diz pro teu amiguinho, o Carter, que eu não me importo se ele se tornou amiguinho do pessoal do football, pois quando eu pegá-lo, ele terá o mesmo tratamento especial que você!
Os valentões, enfim, foram embora e deixaram o pobre Ben no chão. Meu nome completo é Max Carter, ou seja, eu tava em maus lençóis, por isso me escondia atrás de um arbusto. Após os caras sumirem do meu campo de vista, fomos ver a situação em que o Ben estava. Ele ainda estava deitado no chão, se recuperando da situação.
- Me deixem em paz.
- Não podemos fazer isso Ben. – falei - Vc ta bem?
- Eu já disse pra me deixarem em paz.
- Por que vc não chorou, Ben? – perguntou Emily, de uma forma bem sincera. Droga, aquela sinceridade apenas pioraria a situação.
- Eu não choro, droga.
- E por que não chamou por ajuda? – perguntei.
- Não é da sua conta.
- De qualquer forma, estamos aqui para falar algo muito importante para vc. Algo que diz respeito ao futuro da humanidade. Explique pra ele, Max.
- Droga, Emily, olha o estado do cara! Agora não é uma boa hora pra fala sobre essas coisas.
- Amanhã pode ser tarde demais. É preciso que a gente se apresse.
Como você pode imaginar, ela acabou me convencendo e eu acabei falando o mesmo discurso decorado que fiz pro Ray sobre alienígenas do futuro com poderes psíquicos, Canal X e essas coisas. Ao final do discurso, Ben, ainda esparramado no chão, me olha seriamente e diz:
- Que Droga, Max, vc acha que eu sou idiota? Não tenho tempo pra essas idiotices. – levantou, bateu a poeira, nos deu as costas e partiu sem nem ao menos se despedir da gente.
- Ótimo não é, Emily? Tava na cara que, uma hora ou outra, alguém com bom senso iria nos achar um par de idiotas.
- Creio que não. Achei que ele parecia bastante interessado.
- O que é que vc ta dizendo? Não viu o que ele disse?
- Ele disse isso agora, mas, com certeza, a curiosidade vai fazer ele conferir o Canal X. Eu tenho um pressentimento disso.
- Caramba, vc é muito otimista.
- Não é questão de otimismo. Cada um de nós, os Escolhidos, tem um poder especial. Ben e Ray ainda estão por revelar os seus. O meu é o de captar presenças sobrenaturais, no entanto, acredito que o seu seja o mais importante.
- Meu poder? Do que é que vc ta falando?
- Vc tem o poder do convencimento. Vc é o único que pode convencer os outros Escolhidos de que a nossa história é verdadeira.
- Como vc sabe dessas coisas?
- É minha intuição.
Cara, eu simplesmente odiava quando ela falava essas coisas abstratas sobre pressentimentos e intuições.
- Além disso, - continuou ela – também recebi um e-mail das pessoas do futuro explicando nossos poderes. Mas eu já previa quais eram antes de receber o e-mail.
Ta ótimo, agora tudo fazia o maior sentido. Eu começava a pensar se essa historia de Canal X não era só uma ilusão coletiva que a gente tava tendo. Talvez uma indústria química tivesse acidentalmente dispensado um produto no reservatório de água da cidade que causasse alucinações. Sei lá. Fomos embora.
Peguei meu skate e voltei pro conforto da minha casa. As ruas já estavam vazias. Estava calmo, do jeito que eu gostava. Dava até pra fazer manobras no caminho. Sempre adorei a paz das ruas vazias ao anoitecer. Pensei que aquele dia horrível finalmente tivesse acabado, foi quando estaciona ao meu lado um carro vermelho, conversível, dirigido por ninguém menos que Ray, que já tinha idade pra dirigir, e transportando Ashley, Henry, Eddy e uma outra menina da torcida do football. Ashley e Ray, pelo visto, já haviam reatado. Algo me fazia ter um péssimo pressentimento sobre aquela situação.
- Ei Max! E ai, quer uma carona?
Ashley e os outros me encaravam com um olhar de puro desprezo, enquanto Ray continuava com aquele sorriso amigável de sempre.
- Há há.. Não precisa se incomodar não. Eu to bem. Eu to de skate, por isso é fácil chegar em casa.
- Vamos lá Max, eu insisto. Te levo pra onde vc quiser.
- Que é isso cara! Não precisa se preocupar não. A minha casa é bem perto daqui. Não esquenta com isso não, ahaha...
Eu estava absolutamente desesperado. Uma viagem como aquela seria terrível. Percebi que tinha que contornar a situação sem parecer um perdedor idiota.
- Tem certeza disso Max? Não tem problema nenhum, sempre cabe mais um amigo no meu carro.
- Certeza, pode ir tranqüilo por que eu to quase em casa ta legal? Ahahah...
- Bem, vc é quem sabe. Então nos vemos amanhã na escola. Até mais!
- Até mais!
Me senti profundamente aliviado. Imagina só, eu no banco de trás com aqueles caras idiotas? Além de ser alvo de todas as chacotas eu ainda odiaria perder aquela rua vazia, perfeita para algumas manobras. Enfim, voltei para minha casa e pensei que nada de pior poderia me acontecer. Eu mal sabia o que me esperava para o futuro.

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