sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 2 - B

Finalmente chegou o horário do almoço. Eu a esperava ansiosamente na mesa. Aquela mesma em que ela sempre sentava sozinha, mas desta vez eu estaria ali, ao seu lado. Quantas vezes, na minha imaginação, eu já não tinha me projetado ali, almoçando ao lado dela? Emily... O nome era simplesmente perfeito. A coisa mais bela que eu poderia ter imaginado. Quando menos espero, eis que surge a garota, com seus belíssimos cabelos lisos, um casaco de lã e a habitual saia até o joelho. Nossos olhos se cruzaram e meu coração dispara. Passei a sentir como se houvesse uma ventania em meu estômago. Meus dedos parecem formigar. Ela se aproxima devagar, com sua bandeja em mãos e senta em minha frente. Nossos olhos se cruzam e toda aquela pureza parece me invadir violentamente. Sinto minhas pernas tremerem.
- E então, o que mais temos para discutir? – ela pergunta da forma mais gentil que eu poderia esperar. Não havia mais sentido em insistir em todas aquelas bobagens.
- Bem... Na verdade eu preciso te contar uma coisa...
- Sim?
- Bem... Tudo o que eu te falei sobre alienígenas, portais interdimensionais e Escolhidos... Nada disso é verdade, sabe?
Ela apenas continua a me olhar séria. Aquela beleza me embriagava de uma forma que me fazia gaguejar enquanto planejava minhas explicações. Continuei:
- É que... Veja bem, eu sempre quis te conhecer melhor. Parece bobagem mas eu sinto que temos algo em comum. Sinto que sou diferente de todo mundo aqui, e sinto em você a mesma coisa. Você é especial. Ainda mais especial que eu. Eu... Ah, há dias que tenho todo um discurso decorado, na ponta da língua, dedicado a esse momento, mas é apenas você apontar esses olhos para mim que me sinto desarmado e me obrigo a dizer coisas idiotas, como essas bobagens sobre alienígenas do futuro e toda essa idiotice. Não sou bom com palavras... Eu não sei dizer as coisas que sinto na hora em que preciso dizer, e... Assim, você é a coisa mais pura que já conheci. Sei que mal nos conhecemos, mas tenho certeza de que ficar próximo a você é o que pode me fazer mais feliz nesse mundo. Nem que tenha que te observar à distância para sempre. Nem que você nunca mais fale comigo... Não quero te perder de vista.
Ela continuava me encarando com aqueles olhos invencíveis. Ouvia atenciosamente, até que surge o silêncio em meu discurso. Ela sorri. Um sorriso leve e gentil, sem mostrar os dentes.
- Mas eu nunca exigi de ninguém a verdade. Vamos continuar conversando sobre alienígenas, homens do futuro e canais secretos de televisão. Essa história toda... Você a inventou para mim. Me sinto tão honrada... Quero fazer parte deste mundo que criou pra mim, nem que seja só por um momento. Nem que seja só em imaginação. Vai ser divertido de uma forma que a minha vida jamais foi.
Nesse momento, ela desvia seus poderosos e delicados olhos dos meus. Por que não me olhava mais nos olhos? Será que o assunto a deixava perturbada?
- Sabe Max? Eu moro sozinha. Meus pais são divorciados e me consideram o motivo da separação. Nenhum deles me quer por perto, e eu entendo. Não quero causar mais sofrimento do que já causei. Não quero que as pessoas esperem de mim algo se possa haver uma chance, mesmo que seja mínima, de decepcioná-las. Eu nunca conheci o amor verdadeiro. O máximo que já senti por alguém foi por um velho que me chamava de Christine e, às vezes, esquecia que morávamos na mesma casa. Este velho não esperava nada de mim. Eu era invisível aos olhos dele, e eu o amava por isso.
Eu escutava atentamente. Aquela história... Nunca imaginei nada como aquilo. Ela continuou:
- Mas eu quero aprender um amor diferente. Quero amar e existir ao mesmo tempo. Quero ser amada por alguém. E este...
Neste momento ela se levanta, dá a volta na mesa, puxa uma cadeira para bem próximo de mim e senta ao meu lado. Sinto sua mão deslizar por meu braço, e seus dedos procurando se encaixar entre os meus. De repente, estamos de mãos dadas. O contato me deixou paralisado.
- Este mundo que você criou pra mim. Vamos construí-lo juntos?
- Sim...
- Eu não quero assistir mais as aulas. Vamos embora?
- Mas... E quanto aos exames? Como fugiremos sem que ninguém nos perceba?
- Quem se importa com os exames? E eu conheço um beco, entre o depósito e o ginásio, onde podemos pular a cerca com facilidade. Você aceita fazer esta loucura comigo Max?
De fato, quem se importa com os exames?
- É claro...
- Então vamos. Eu conheço uma lanchonete no caminho para o centro da cidade. Eu gostaria de conferir uma coisa lá. No caminho, você pode me contar mais sobre os Escolhidos, o Canal X e todas essas coisas fantásticas?
- Claro...
Foi o dia mais colorido de minha vida.

O fim do mundo, cap. 12

Passou-se mais uma semana desde que Claire passou a andar com a gente. Eu estava voltando pra minha sala quando encontro a garota presa em uma roda de gente louca por um pouco de sua atenção e, quem sabe, até um autógrafo ou um pequeno pertence pessoal. Passo por todos de cabeça baixa, tentando chamar a menos atenção possível. Não adiantou nada.
- Ei Max! – chamou Claire, acenando e sorrindo para mim.
Era sempre a mesma ladainha. Ela dava tratamento especial para mim e o resto dos Escolhidos, logo eu, Emily e Ben, que estudávamos na mesma classe que ela, nos tornamos conhecidos e invejados por todos. A garota conseguiu fugir do grupo de fãs e correu até onde eu estava. Me cumprimentou com um beijinho no rosto. Todo dia era a mesma coisa, inclusive o lance com o beijo, o que fazia os garotos que estivessem por perto me encararem com um olhar de pura inveja. E eu, que sempre quis passar despercebido por todos, agora era o centro das atenções. Bem, também eu não tinha de quê reclamar. Os beijos eram suaves e molhadinhos. Dava vontade de nunca mais lavar a bochecha. Sem falar que a garota usava um perfume delicioso.
- Tudo bem? – me perguntou Claire, com o sorriso simpático de sempre.
- Ah... Tudo bem.
Ouvi alguém falar à nossa volta “Quem é esse cara?” e “Por que a Claire dá tanta bola pra ele?”. Bem, acho que isso devia consertar a minha reputação, mas, mesmo assim, nunca gostei de ser o centro das atenções. O sinal bateu e corremos assistir a uma emocionante aula de química da Srta. Smith. Aquilo era um saco. Claire passou a sentar do lado de Emily, uma carteira atrás e na diagonal da minha. Por algum motivo estúpido a pop star passou a bajular a esquisita. Claire conversava a todo o momento com Emily. Não que a esquisita respondesse muito, mas a outra não parecia se importar. Isso rendia algumas repreensões da Srta. Smith. Algo como “Senhorita Campbell, o fato de ser uma estrela adolescente não significa que possa acabar com a ordem em minha aula” e a garota respondia de cabeça baixa e olhar de cachorrinha sem dono: “Perdão, Srta. Smith. Prometo que não irá se repetir”, mas a situação sempre se repetia. Bem, ela não devia se importar muito com a escola. Se eu tivesse a grana que ela ganhava por ano, mandava a escola se danar.
Intervalo. Estávamos nos preparando para o almoço. Claire e Emily conversavam sobre alguma coisa qualquer. A curiosidade me bateu com força.
- Desculpa Claire.
- Sim, Max?
- Por que foi que vc voltou a estudar? Digo, vc deve ganhar bastante dinheiro com a TV, a venda dos teus álbuns, as fotos em revistas e tudo mais. Se eu tivesse o dinheiro que vc tem, jamais voltaria a estudar.
A garota riu do que falei. Qual era a graça?
- Bem... Não foi exatamente esta a minha idéia. É que meu empresário explicou que alguém do juizado de menores podia nos processar caso eu perdesse mais um ano de estudo. Sem falar que eu realmente tava precisando de umas férias e... Sabe? Depois de um ano apenas fazendo shows e gravações, a gente acaba sentindo falta da escola.
- Puxa... Nunca pensei nisso. Dá pra entender – menti. Eu jamais entenderia. Como alguém poderia enjoar de nunca mais ter que ir à escola? Imagina alguém como eu, com o dinheiro dela? Eu trataria de comprar uma rua inteira só pra mim - uma que fosse perfeita para algumas manobras - e passaria o dia inteiro nela, na maior paz e tranqüilidade.
- Com licença Claire – chamou Emily.
- Sim!
- Vc disse que, assim que fizesse parte dos Escolhidos, nos contaria o que quis dizer com aquela história de já conhecer cada um de nós. Já se passou uma semana e vc está sempre por perto da gente, então presumo que já se considere uma Escolhida. Poderia nos explicar, então, o significado daquilo que disse?
Não sei por que Emily tinha que tratar tudo sempre daquele jeitão tão formal. Deu que a Claire sorriu. Um sorriso gentil que só ela sabia dar.
- Ta bem! Eu devo isso à vcs, mas gostaria que a conversa não fosse aqui, dentro do colégio. Tem um parquinho perto daqui. Ta sempre cheio de crianças e os brinquedos são bem coloridos. Eu gosto muito de balanços. O que acham de a gente conversar lá?
Parquinho? E por acaso a gente tinha sete anos? Ela gostava de balanços? Seria possível que eu fosse a única pessoa normal naquele grupo?
- Ta bem. Então, depois da aula vamos ao parquinho. Certo Max? – perguntou Emily.
- Ah, por mim tudo bem.
Saímos em direção ao refeitório. A cada passo, Claire era abordada por um fã diferente. Aquilo era tão idiota. Pra que toda aquela comoção? Digo, é claro que a menina era bonita e gostosa, mas também não era pra tanto. O bicho pega quando a gente cruza no corredor com Whitney e suas seguidoras, com suas bolsinhas de grife e seus saltos de sei lá quantos centímetros, fazendo um barulho absolutamente irritante com suas pulseiras brilhantes.
- Olá Claire, querida. – disse Whitney.
A garota a cumprimenta com a simpatia habitual.
- Olá! Tudo bem?
- Sim, querida. Vc já deve saber quem sou, não é?
- Ah... Lamento. Sou nova no colégio.
As seguidoras trocam olhares surpresos. Como alguém poderia deixar de conhecer Whitney? A líder dá um sorriso amargo de meia boca e diz:
- Eu sou Whitney e o nosso grupo é o mais popular entre os grupos femininos do colégio. Somos desejadas pelos homens e invejadas pelas mulheres. Sabemos andar com estilo, e todos sabem disso. Deixa eu te dar um conselho, querida: tenho um bom faro pra gente refinada como eu, e posso dizer que, nesse colégio, alguém refinada como vc só tem a perder andando com gente como esses dois aí – disse a nojenta, apontando para mim e para Emily.
- Bem, eu...
- É uma ocasião especial. Estamos te convidando a sentar em nossa mesa durante o almoço. É uma oportunidade única. São pouquíssimas as garotas convidadas a fazer parte da nossa recreação. Então vamos?
- Bem, é que...
- O que é? Pode falar, já somos amigas. Precisa ir ao banheiro antes de almoçar? Sinceramente, vc precisa de uma maquiagem mais expressiva. Todos reparam nisso no refeitório, e...
- Não! É que eu já combinei de almoçar com meus amigos aqui. Sinto muito. – disse Claire, com uma mão segurando o braço de Emily e com a outra segurando o meu.
Aquilo foi ótimo. Você tinha que ver a cara da Whitney ao ouvir aquilo. As demais garotas mimadas do grupo ficaram boquiabertas, fofocando entre si. Whitney bufou, empinou o nariz e disse:
- Hum! Não sabe o tipo de oportunidade que está perdendo.
As meninas saíram, todas de nariz empinado, fazendo um barulho absurdo com seus saltos que lembrava uma marcha. Emily apenas observava toda a situação como alguém de fora. Era incrível como ela não era afetada pela opinião alheia.
- Isso mesmo, Claire! Não dá bola pra essas garotas – falei todo empolgado. Ela apenas sorriu.
Continuamos nosso caminho tortuoso até o refeitório, quando somos abordados mais uma vez, só que, desta vez, pelas garotas da torcida, que se aproximam fazendo barulho e falando alto.
- Claire, Claire! Temos uma proposta pra vc!
- Ah! O que é?
- Estamos em busca de uma líder de torcida. Uma de nossas estrelas, a Ashley, acaba de desistir de praticar cheerleading. Precisamos de alguém como vc. É perfeita para o cargo! É bela, popular e tem um sorriso mais simpático ainda que o da antiga cheerleader. O que acha?? Responde!
Várias vozes falavam a mesma coisa ao mesmo tempo pra nossa pobre pop star. Ela nos segura pelo braço e diz, antes de disparar até o refeitório:
- Desculpe. Tenho que pensar no assunto. Prometo que, assim que tiver uma opinião a respeito, vcs ficarão sabendo. Tchau-tchau!
Corremos em direção ao refeitório. Aquilo era realmente muito chato. Devia ser um saco ser uma pop star e ter que dar explicações educadas pra todo mundo. Enfim chegamos ao refeitório. Agora poderíamos almoçar em paz. Aproveitei para perguntar:
- A Ashley desistiu de ser cheerleader? Eu não sabia disso.
- O Ray me falou alguma coisa a respeito. Algo sobre ela não mais querer ser reconhecida apenas pelos seus dotes físicos, mas sim pelos intelectuais. Ouvi dizer, também, que ela venceu a eleição e se tornou a nova presidente do grêmio estudantil. – respondeu Emily.
- Puxa, quem diria...
A Ashley era a nova representante dos alunos perante o núcleo educacional? Aquilo não podia ser coisa boa. Bem, o resto de nosso dia foi razoavelmente normal. Assim que o sino bateu, encontrei as garotas me esperando no portão da escola. Partimos em direção ao tal parquinho. Esperava apenas que ninguém me visse brincando numa balança. Isso seria o fim da minha reputação. Era tarde e o sol já se punha no horizonte, dando aquela coloração típica de cair da tarde que parece deixar o mundo inteiro mais alaranjado. Havia algumas poucas mães cuidando de seus filhos na gangorra e no escorregador. Por sorte, os balanços estavam desocupados, então as garotas sentaram, a Claire em um balanço amarelo e a Emily em um azul.
- Não vai sentar Max? – perguntou Claire.
- Ah, não. Deixa pra lá. To bem em pé.
- E então, Claire, pode nos contar o que quis dizer aquele dia? – perguntou Emily.
- Bem... Eu disse a vcs que sentia que já os conhecia de algum lugar né? Foi assim: já tava tudo certo sobre a minha ausência da mídia por algum tempo. Eu não sabia, exatamente, o que fazer durante essa ausência. Foi quando tive um sonho.
- Sonho? – perguntei. Já repararam que eu sou campeão em fazer perguntas retóricas sem sentido algum? O fato é que eu previa algo que não gostava. Essas coisas subjetivas como os sonhos da Claire e as intuições da Emily sempre me deixaram bastante desconfortável.
- Sim. Era como se eu voltasse a ser criança. Costumo sonhar bastante com a minha infância, mas são sempre sonhos ruins... Fazia muito tempo que não sonhava algo feliz como foi desta vez.
- E como era o sonho? – perguntou Emily.
- Era um parquinho como esse, cheio de brinquedos coloridos e cercado por um bosque muito bonito. Contando comigo, havia, nesse parquinho, nove crianças que brincavam e se divertiam de uma forma muito especial. Essas crianças éramos nós, os Escolhidos.
- Puxa! – comentei – Então eu estava nos seus sonhos mesmo antes de te conhecer?
- Sim! Não só estava como vc, Max, era o líder da brincadeira. Era o mais divertido de todos e o que inventava quais jogos e brincadeiras a gente faria. Lembro claramente de todos os Escolhidos no parquinho. Ray, Jhonny, Ben, Ashley... Estávamos todos lá, mas éramos todos crianças nesse sonho. Não parecia que nos conhecíamos muito bem, mas não nos importávamos com isso.
- E o que mais?
- Ah, bem... A gente brincava de todo o tipo de coisa, desde pega - pega a pique - esconde. Desde jogar bola a pular corda. A gente explorava todos os brinquedos, desde o balanço a gangorra e o escorregador, e rodávamos no carrossel a uma velocidade incrível! Eu sentia um pouco de medo. Era a mais medrosa do grupo e não tinha coragem nem de subir até o final no trepa-trepa, mas vcs todos pareciam querer cuidar de mim... Pareciam querer me divertir. Me senti tão querida... Lembro das brincadeiras, como o pega - pega, em que eu corria como se minha vida dependesse daquilo, e me sufocava em meio a tantos risos. Corria tanto que acordei com o coração disparado e o peito dolorido, mas valeu a pena, pois esse sonho foi uma das coisas mais alegres que já me aconteceu!
Quem diria que a pop star do momento tinha sonhos tão infantis quanto aquele? A garota sorria com o olhar perdido no vazio enquanto contava o sonho de uma forma cheia de ternura. Parecia lembrar de nós com muito carinho. Seria possível que fossemos tão especiais para ela quanto parecia?
- E vc lembra como eram os dois outros? – perguntou Emily.
- Ah... Que outros?
- Os Escolhidos que ainda não encontramos.
- Ah sim! Desculpe. Então... Se não me engano, era um menino e uma menina. Ele era alto, magro, inteligente e conhecia todos os brinquedos como ninguém. Ela... Bem... Não consigo lembrar ao certo como ela era. Lembro apenas que ficava sentada num banquinho afastado, rindo e comentando as brincadeiras.
Emily se levantou do balanço.
- Bem, isso quer dizer que Claire já revelou seu poder secreto.
- O quê?? – perguntei.
- O poder de prever o futuro em sonhos. Será uma habilidade bastante útil, e...
- Bem eu... – interrompeu Claire.
- O que é? – disse Emily.
- Sabe? Eu tenho trabalhado duro nos últimos anos com a TV e a música. Conheci muitas pessoas desde que entrei pra esse ramo e fiz amizades com todo o tipo de gente do mundo do entretenimento, mas foram todas muito superficiais e passageiras. Agora quero fazer amizades verdadeiras, com gente normal como vcs. Amizades sinceras que durem uma vida inteira!
Normais? Nós? Aquilo só podia ser brincadeira.
- E, bem, todo esse lance sobre Escolhidos. Não somos meros amigos. Somos uma espécie de “Aliança Galáctica” que tem como objetivo salvar todos os seres humanos do Mal. Nossa relação é mais que humana: é mágica! Aposto que ainda me divertirei muito e quero que saibam que estou realmente muito feliz por ter conhecido todos vcs!
Quê? "Aliança Galáctica"??? A garota dizia toda aquela baboseira com o maior sorriso angelical no rosto. A Emily apenas sorriu e concordou. Parecia que mais uma estranha entrava para nosso grupo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 10.5

Já era hora de todo mundo ir embora. Eu já tava cansado de fazer sala pra tanta gente. Subi as escadas pra procurar algo em meu quarto, quando a porta do quarto de minha irmã se abre repentinamente, um braço me puxa para a porta e a garota me olha com olhos de fogo.
- E então, o que deu?
- Ah, me larga! Eu falei tudo do jeito que vc mandou e ele nem deu bola. É bom pra aprender a não sair dando em cima de todo o tipo de homem!
Os olhos de minha irmã arderam com mais ódio.
- Vc não falou mal de mim pra ele né?
- É claro que não, droga! Me deixa em paz!
Minha maldita irmã me solta e eu retorno para a sala. Ainda estavam todos lá, mas a reunião, a pipoca e as cervejas já haviam acabado.
- Bem, acho que ta na hora de ir embora. – diz Ray. Yes!
- Bom, também vou. Vamos Ben? – pergunta Emily. Por que ela não podia ficar mais um pouquinho? Sem o gordo, é claro.
- Bem, a gente se vê outro dia então! Vou abrir a porta pra vcs. – falei aliviado, até que o terrível aconteceu...
- Esperem! – grita minha irmã idiota.
- O que vc quer, droga? – perguntei. Até que avistei algo que ela trazia embaixo do braço. Não. Não podia ser. Tudo menos isso!
- Gente, venham ver! Eu to com um álbum de fotos do Max de quando ele era criança. Tem fotos dele pelado, outras vestido de marinheiro. É tão fofo!
- Oba! Eu adoro fotos! – disse Ray de uma forma bastante idiota.
Não... Tudo menos isso...

O fim do mundo, cap. 11

- Quem diria heim Max?
- Pois é.
- A Emily esteve certa desde o começo.
- Ah... Foi só uma mera coincidência.
- Ah, qual é Max! Vai, admite que as intuições da Emily são demais. Vai, admite! – falou o idiota me chacoalhando pelo braço.
- Droga Ray, me deixa em paz!
Eu e Ray estávamos no pátio de nossa escola, observando uma sessão de autógrafos de Claire Campbell, a mais nova aluna do primeiro ano. O que aconteceu foi o seguinte: um dia depois da nossa reunião em minha casa (péssimas lembranças que comentarei mais tarde), Claire apareceu em um jornal anunciando que deixaria a televisão e a música por algum tempo, pois já tinha reprovado um ano letivo devido às filmagens e à turnê nacional. Disse que voltaria para a sua cidade natal para tirar umas férias de um ano e retomar os estudos. A garota era um ano mais velha, mas, por ter reprovado, estudaria na mesma turma que eu, e o Ray não estava a fim de me poupar daquelas brincadeiras idiotas sobre o que eu disse em minha casa, durante aquela reunião imbecil. No momento ela era abordada por uma porrada de fãs durante o intervalo, o que gerou uma sessão de autógrafos. Era só o que faltava.
- Bem, Max, acredito que o melhor a se fazer em uma ocasião como essa seja organizar uma reunião de emergência, não acha?
- É... Pode ser.
- Ok! Vamos nos encontrar no beco antes que termine o intervalo. Eu chamarei Ashley e Jhonny. Vc poderia chamar Ben e Emily pra mim?
- Ah, pode ser.
O “beco” foi um nome dado por Jhonny para aquele lugar, entre o ginásio e o depósito, onde costumava fumar e matar aula. Era um canto bastante escondido e afastado do resto da escola e Emily achou que este seria o lugar ideal para “reuniões de emergência” dentro do ambiente escolar. Caso encontrássemos um novo escolhido, deveríamos convocar a tal “reunião” e discutir o assunto.
Ray correu para o saguão principal onde ficavam os alunos do segundo e terceiro ano. Eu caminhei calmamente, com as mãos no bolso, até o prédio onde ficavam as turmas de primeiro ano. Como eu, Ben e Emily, que tinhamos a mesma idade, estudávamos juntos durante a maior parte do tempo, fui direto à sala em que imaginei que poderia encontrar os dois juntos e, assim, matar dois coelhos com uma cajadada só. Não tinha quase ninguém na sala, todo mundo estava aproveitando o intervalo. Emily não estava na sala, o que era estranho, pois ela não era do tipo de “aproveitar o intervalo”. Encontrei Ben em sua carteira de sempre, concentrado em desenhar. Ele sempre gastava todo o tempo livre desenhando heróis idiotas de quadrinhos. Decidi me aproximar devagar, pois ele sempre levava um baita susto quando alguém interrompia seus desenhos e isso o deixava de péssimo humor. Ao me aproximar sorrateiramente por trás, observei o desenho no qual ele lidava com tanto afinco em pleno horário de recheio: era uma garota muito bonita, com uma franja longa caindo levemente pela testa, olhos claros cheios de ternura e um leve e gentil sorriso, sem mostrar os dentes... Espera. Aquela era a Emily?
- Ei Ben!
O gordo deu um salto da cadeira. Me olhou com fúria e se apressou em fechar o caderno.
- O que vc quer?
- Ei... Essa garota que vc tava desenhando... Era a Emily?
- N-não. Não era não.
- Mas parecia muito. Tirando todo o lance da expressão delicada e tal. A nossa Emily é bem mais seca e fria que isso.
- Já disse que não é quem vc ta pensando! Era só... só uma heroína dos quadrinhos.
- Ta, sei... Vem cá: o Ray convocou a gente pra uma reunião de emergência lá no beco. Por acaso vc viu a Emily por ai?
- Ela já desceu. Ela já tava sabendo da garota da televisão. Disse que convocaria uma reunião de emergência.
- Bem... Menos mal. Então te vejo lá no beco.
- Ta.
Tomei meu caminho de volta para o lugar marcado. Por que será que aquele gordo idiota perdia tanto tempo desenhando uma personagem de quadrinhos parecida com a Emily?
Assim que cheguei no beco, já me deparei com Ray, Emily e Jhonny.
- E então, cadê a Ashley? – perguntou Emily.
- Ela não quis vir. Acho que ela não foi muito com a cara da nova Escolhida. Sabe como é né? Ciúmes. Agora tem uma garota mais popular que ela em nosso colégio – disse Ray com aquele sorriso modesto de sempre.
- Que idiota – comentou Jhonny.
- Tudo bem, o que importa é que Max já está aqui. - disse Emily.
- E então, como se dará a abordagem? – perguntou Ray.
- Da mesma forma de sempre. Vai Max, confiamos em vc! – falou Emily, sorrindo para mim.
- Eu? De jeito nenhum!
- Qual é Max! Vc já fez isso tantas vezes. Já deve ta acostumado a pagar esse mico – falou Ray, me dando uns tapinhas amigáveis nas costas.
- Acostumado o caramba! E nesse caso é diferente. Já pensou a manchete? Ela em um programa idiota de entrevista, tipo George Truman. Ai o cara pergunta: “Então, Claire, qual foi a cantada mais idiota que já recebeu de um fã?”, ai ela responde: “ Puxa George, vc não vai acreditar. Uma vez um fã da minha cidade natal veio me falando sobre alienígenas que dominariam nosso mundo, portais interdimensionais e umas loucuras sobre eu ser uma espécie de Escolhida. Imagina só!? Os fãs inventam cada coisa só pra tirar uma lasquinha da minha atenção”. Eu vou me tornar a piada do ano. Vai ser horrível!
- Ah, que é isso Max. Não viaja! – protestou Ray.
- Ela vai acreditar em vc, Max. Não se preocupa com isso. Se todos nós acreditamos, por que ela não acreditaria? – disse Emily.
Continuamos mais um bom tempo no qual eles tentavam me convencer a entrar na fila idiota de autógrafos para falar o que tinha que ser falado. Sem chance! Eu jamais me aproximaria dela. Não gosto de pop stars. Nunca gostei dela, apesar do fato de que ela era bastante atraente. A garota era um meio termo entre o corpo voluptuoso da Ashley e o rostinho de criança da Emily. Era uma gostosa, mas, falar aquelas bobagens todas pra ela? Sem chance! Decidi cuidar do que poderia ter sobrado da minha reputação.
No outro dia, estávamos no refeitório. Aquele era um dos dias nos quais os Escolhidos se reuniam para almoçar na mesma mesa. Isso acontecia eventualmente, em intervalos que se tornavam cada vez menores. Até a Ashley estava presente (não que ela gostasse da gente, mas tinha que cuidar do Ray e me vigiar atentamente, afinal, segundo ela, era eu o terrível maquinador daquela coisa toda). De repente, entra Claire no recinto. O refeitório vira uma festa e todo mundo, de todas as mesas, chama o nome da infeliz, pedindo para que sente em sua mesa. Toda aquela puxação de saco pra tal de Claire me dava raiva. E daí se a garota é uma pop star idiota? Tava tudo razoavelmente normal, até que a menina pega sua bandeja, anda direto para nossa mesa e diz:
- Oi! Será que eu poderia me sentar com vcs?
Emily apenas a olha com sua indiferença habitual; Ben, lidando com seu segundo sanduíche, lança seu olhar penetrante que devia conter uma mensagem qualquer; Jhonny engasga e quase cospe toda a sua comida na gente, como fez em minha casa com a cerveja (mais tarde descobriríamos que este era um hábito bastante comum do cara quando se deparava com uma grande surpresa); Ashley apenas pergunta “O quêê?”, franzindo as sobrancelhas; Eu devo ter feito a minha cara de retardado de sempre e Ray, o único sensato, abre seu sorriso modesto e diz:
- Mas é claro!
A garota senta. Todo mundo em silêncio.
- Meu nome é Claire. Muito prazer! – diz a pop star, toda simpática.
- Sabemos quem vc é, Claire. Pode apostar que o prazer é todo nosso. – responde polidamente o nosso porta-voz Ray, mandando seu olhar simpático e idiota pra menina.
- Ah, ahahha... É, vcs devem me conhecer da televisão.
- Não exatamente. Para nós, vc é muito mais especial que uma atriz da televisão ou uma cantora pop.
- Como assim?
- É uma longa história. Se vc tiver um tempo?
Aquilo não podia acabar bem. Eu já estava com um mau pressentimento.
- Ah sim, pode falar!
- Ótimo! É uma historia e tanto, e eu sou um péssimo contador de histórias. Espero que me perdoe. Quem contará tudo direitinho para vc é nosso amigo aqui. Ele é ótimo nisso! – diz Ray, me dando tapinhas nas costas.
- Eu?? Por que eu?
- Vamos, Max. Vc sabe que é o único que pode fazer isso. – disse Emily.
Silêncio constrangedor. Todos me olham como se dissessem “vai logo, perdedor”. Não teve jeito. Contei toda a baboseira de sempre. A garota apenas me olhava atenciosamente.
- Bem... É isso. Sei que é difícil de acreditar. Eu também não acredito em nada disso! São eles que me forçam a falar esse tipo de coisa! – falei, apontando para todos na mesa.
- Ah... Bem... Eu...
- E tem mais, a culpa é toda de... – dou continuidade a minha explicação, até que:
- Cala a boca, garoto. Deixa a menina responder. – me ordena Jhonny. Ta legal, fiquei quieto!
- E então Claire, o que nos diz? – pergunta Ray.
- Bem... Lamento. É muito difícil acreditar no que vcs dizem.
Silêncio constrangedor. Eu tava frito. Adeus, reputação!
- Mas... – continua Claire – Prometo que, essa noite, eu vou tentar sintonizar esse “Canal X” de que vcs falam. Se aparecer algo diferente, eu aceitarei fazer parte dos Escolhidos.
Emily e Ray trocam risinhos vitoriosos. Seria possível que até a pop star do momento cairia naquela minha história?
- E tem mais... Vcs parecem legais.
- Quem, nós? – perguntei, apontando o dedo indicador pro meu peito de forma bem imbecil.
- Sim! Ontem, enquanto eu dava sessão de autógrafos, vi vcs parados em um beco, conversando sobre algo que parecia muito divertido. Esperei que viessem até mim pra pedir autógrafo, mas foram os únicos no pátio que simplesmente me ignoraram. Pensei que o grupo de vcs pudesse ser o mais maneiro do colégio, e eu to afim de fazer novos amigos. Amigos de verdade, sabe?
Ela só podia ta de brincadeira. Nós, o grupo mais maneiro do colégio? Amigos de verdade?
- E tem mais... – continuou a garota – Eu sinto que seremos bons amigos. Não é a primeira vez que vejo o rosto de vcs. Teve uma vez, há uma semana atrás...
Todo mundo em silêncio. Expectativa total. A garota pensa melhor, sorri e diz:
- A, deixa pra lá. Eu quero ver o tal “Canal X” antes de sair falando minhas bobagens pra vcs. Ai eu prometo que conto, ta legal?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 10

Era sábado. Eu estava, mais uma vez, arrumando o meu quarto pra que não parecesse idiota. Tirei da parede vários pôsteres idiotas que estavam lá desde a minha infância. Havia umas fotos de família na sala de estar e, entre elas, estava uma foto besta de quando eu era criança, com uma roupinha de marinheiro, prestando continência. Havia outra na qual eu tava fantasiado de ursinho e tinha um focinho e uns pêlos idiotas desenhados na minha cara. Nem preciso dizer que escondi todas essas fotos constrangedoras atrás do sofá. Aquele era um dia especial e eu não queria parecer um imbecil.
Tudo começou quando a Emily me mandou uma mensagem no celular perguntando se eu não poderia ir até seu apartamento pra gente tratar de “interesses que temos em comum”. Aquilo era muito estranho. Ela sempre fazia uma pequena prévia do assunto que trataríamos em qualquer reunião, e a palavra “alienígenas” estava sempre envolvida. Aquilo me fez pensar no quanto a nossa relação havia progredido nos últimos dias, especialmente naquele passeio pelo centro, uma semana atrás, e naquela situação no apartamento dela, em que a gente ficou muito próximos, sentados na mesma cama e tudo mais. Bem... Será que ela tava afim de mim? Ela era esquisita, mas até que era bonitinha. O problema era que meus pais tinham viajado pra casa de uns parentes idiotas e deixaram eu e a Jennifer cuidando da casa. Minha irmã idiota já havia avisado que aproveitaria que nossos pais não estariam em casa e iria a uma festa na casa de um cara da faculdade, e que eu deveria cuidar da casa sozinho. Eu sempre gostei de ficar sozinho em casa. A maior liberdade que um cara como eu pode ter, mas aquela era uma ocasião especial. Expliquei pra Emily que não poderia sair de casa e perguntei se ela não poderia vir à minha, ao invés do contrário. Ela aceitou. Passei algumas coordenadas sobre minha casa e ela disse que chegaria às 6 da tarde. Bem, ta explicado por que eu lidava tanto com a decoração da casa. Aquele dia tinha tudo para ser um dia especial: o dia em que eu perderia minha virgindade.
Já eram quase seis. A Jennifer já tinha saído de carona com um cara todo campeão num carro maneiro e, provavelmente, só voltaria para casa de manhã. Eu estava, finalmente, sozinho e a casa estava pronta. Enfim, a campainha bate. Me apresso em passar um pouco mais de perfume e desço correndo o lance de escadas, gritando “Já vou!”. Quase cai. Seria uma queda muito feia. Chego à porta e a abro todo animado. Além da porta estavam Emily e ninguém menos que Ben. Aquilo só podia ser brincadeira.
- Olá Max. Eu sou péssima em encontrar endereços, então pedi para que Ben viesse comigo. Ele disse que sabia onde era tua casa.
O gordo me olhava com aquela cara idiota de sempre. Nem ao menos me cumprimentou direito e já foi entrando na casa, sem limpar os pés.
- O que houve com vc? Por que ta tão perfumado? – perguntou-me Ben.
- Ah, não é da tua conta. Vc não quer que eu saia por ai fedendo, quer?
O cara continuou me olhando meio desconfiado. O que, afinal de contas, aquele maldito gordo estava fazendo ali, junto da gente? Parecia que meu dia especial não seria aquele.
- Eu avisei o resto do pessoal. Eles chegarão em breve. – disse Emily.
- Pessoal?? De quem é que vc ta falando?
- Ora Max, os Escolhidos. Quem mais poderia ser?
Aquilo era terrível. Minhas esperanças naufragavam. Eu seria virgem para sempre.
- Puxa Emily, vc não falou nada sobre trazer os escolhidos para cá. É sujeira trazer muita gente pra dentro de casa. Vão fazer muita bagunça.
- Não se preocupe. Avisei a todos que seria uma reunião muito breve. Se sujarmos algo, limpamos antes de ir embora.
- E quanto aos interesses que temos em comum, quais são? – perguntei, todo esperançoso.
- Bem, como vc pode imaginar: a salvação de nossa espécie e de nosso planeta natal. Sinto não avisá-lo antes, mas eu ando desconfiada de que nossos celulares possam ter sido grampeados pelos alienígenas. Devemos estar sempre atentos.
De fato, eu esperava algo que pudesse envolver a conservação da nossa espécie, mas não daquele jeito! O Ben ligou a televisão e ficou lá, sentado no sofá da sala na maior mordomia. Emily foi comigo até a cozinha, pois ela tava com sede e eu serviria um refrigerante gelado pra ela. Droga, se não fosse aquele gordo inútil!
De repente, a campainha bate mais uma vez. Do outro lado estavam ninguém menos que Ray e Ashley. Até a Ashley? Ela nunca mais havia falado nada sobre ser uma Escolhida, aliás, ela apenas ignorava quando encontrava qualquer um de nós pelos corredores da escola. O que ela estaria fazendo ali?
- Ei Max! Olha só, eu trouxe refrigerante e pipoca. E aí, a Emily e os outros já tão ai? – disse Ray esticando a cabeça para dentro da porta – Aha! Já estão sim. – e foi falar com o Ben na sala da televisão. Eu permaneci na porta, esperando que a menina entrasse. Ela me olhava com um olhar de puro desprezo.
- Oi Ashley! Pode entrar. Se sinta em casa.
Ela continuou me olhando com o mesmo semblante. Aquilo só podia dar em confusão.
- Escuta aqui: eu sei que é vc quem está por trás de tudo isso. Não sei por que está tentando reunir todos nós, mas vou descobrir. Enquanto isso, é bom que saiba que eu não sou como os outros. Eu não cairei facilmente na sua lábia. E saiba que eu não confio em vc, ta entendendo? – falou Ashley, me dando de dedo. Fiquei absolutamente paralisado e apenas concordei timidamente com a cabeça enquanto ela entrava furiosa para dentro da casa.
Ray foi até a cozinha fazer pipoca enquanto os outros permaneciam na sala. Ben estava esparramado no sofá com o controle na mão, trocando de canal a todo o momento, enquanto Emily puxou um livro velho e fedorento da sua bolsa e começou a ler em silêncio. Os dois me ignoravam, enquanto Ashley permanecia em pé ao lado da porta da sala, me encarando com uma cara de poucos amigos.
- Não quer sentar? – perguntei a Ashley, todo tímido.
Ela olha pro sofá com a mesma cara de desprezo que olha pra mim.
- Não, e mesmo se quisesse sentar, não poderia porque o garoto ali ta ocupando todo o sofá.
Ben apenas encarou a garota com sua cara de mau, mas aquilo não fazia efeito na Ashley, que desprezava todos nós. A situação estava horrível até que a campainha bateu mais uma vez. Era Jhonny, com um cigarro aceso em uma mão e uma caixa de bebida na outra.
- E ai garoto! Olha só, eu trouxe cerveja! Uma festa nunca está completa sem bebida – e foi entrando sem maiores explicações. Aquilo era terrível: cerveja e cigarros. Se meu pai descobrisse que alguém havia tomado bebida alcoólica e fumado embaixo daquele teto, eu estaria frito! E por acaso ele falou “festa”?
- Oi Jhonny! Ahhah... Sabe o que é? É que não dá pra fumar aqui dentro da casa. Foi mal. – falei mais tímido ainda e um pouco assustado.
O terrível agressor de professores me olhou torto, depois deu uma risada e disse:
- Ahahha... Não esquenta com isso. Eles viajaram, não é? Até voltarem, o cheiro do cigarro já passou. Ta aqui, toma uma cerveja e relaxe. – falou Jhonny me passando uma cerveja.
- É... Sabe Jhonny, isso é outro assunto que eu queria te falar. É melhor não beber, eu sou menor de idade, e se meu pai descobre que meus amigos beberam dentro desta casa eu to frito!
Jhonny continuava me encarando com cara de quem não tava me entendendo.
- Qual é, carinha! Vc não disse que teus pais viajaram? Se viajaram, não vão saber de nada! O truque é esconder as evidências. Confie em mim, sou bom nisso! Olha, abre essa cerveja ai que vc tem na mão, toma um gole e relaxa. Na tua idade eu já fazia isso todo dia.
Aquilo não podia dar certo. Assim que me deu as costas, Jhonny se depara com ninguém menos que Ashley. Os dois se encaram e eu quase escuto aquela música de faroeste.
- Escuta aqui, Jonathan Jones: eu não gosto de vc e sei que não gosta de mim, mas a situação exige que a gente aprenda a conviver da forma mais diplomática possível. Então não fique no meu caminho que não ficarei no seu. – falou a menina num tom bastante autoritário. Aquilo não podia ser coisa boa. Como ela podia ter tanta coragem a ponto de falar aquelas coisas para o terrível Jhonny?
O cara demorou um pouco para responder. Tomou um gole de cerveja e disse:
- Por mim ta ótimo.
- Quem quer pipoca?! – gritou Ray, lá da cozinha, de um jeitão bem idiota.
O Ben levantou do sofá e foi correndo pra cozinha. Gordo esfomeado.
Quando pensei que não podia ficar pior, eis que ouço a porta da frente abrir. Quem poderia ser? Corro para atender e me deparo com ninguém menos que Jennifer. Aquela era a pior coisa que poderia ter acontecido numa situação como essa.
- O que é que vc ta fazendo aqui? – perguntei.
- Não tinha festa nenhuma! O idiota apenas queria aproveitar que seus pais tão viajando pra me levar pra sua cama. Droga, eu tava tão afim de uma festa! E por falar nisso, quem são esses aí? E o que é isso na sua mão?
Eu ainda tava com a cerveja do Jhonny na mão. A cara que eu fiz deve ter sido a mais imbecil que eu consigo fazer.
- Ah... Não! Não é nada disso que vc ta pensando!
- Ahá! Aproveitou que todos nós saímos e resolveu dar uma festinha em casa, é isso, macaquinho? Quem diria! Vc ta até bebendo! Imagine só quando papai e mamãe souberem disso.
- Não... Vc não pode! – implorei, mas não adiantava. Ela já havia me dado às costas e se dirigia à sala onde estava todo mundo.
- Oi gente! – disse minha irmã idiota para todo mundo.
Ray a cumprimentou de forma bem simpática, Jhonny e Emily de forma mais inibida enquanto Ben e Ashley nem ao menos cumprimentaram. Era um pessoal muito esquisito. Minha irmã não deixaria barato. Ela voltou até mim, me pegou pelo braço e disse bem séria:
- A gente precisa conversar, Max.
Aquilo só podia ser o meu fim. Ela me puxou para um canto pra gente conversar reservadamente. Ela provavelmente me mandaria pedir para todo mundo ir embora.
- Escuta Max: quem é o teu amigo bonitão?
- Quê???
- Aquele da jaqueta de couro com a gola levantada. Aquele com um estilo meio rebelde... Meio James Dean. Quem é ele? Me diz! - falava a menina toda alegre. Aquilo só podia ser brincadeira.
- O nome dele é Jhonny. É um cara da minha escola.
- Ótimo! Escuta macaquinho: eu não vou estragar a tua festinha. Vc já ta mocinho. Ta até a tua namoradinha aqui. Eu não vou atrapalhar nada, mas diz pra esse Jhonny que tua irmã linda e descolada ta sozinha no quarto do andar de cima. E lembre-se: fale muito bem de mim para ele, ta? Se vc falar qualquer coisa idiota, eu te mato! – disse Jennifer mandando uma piscadela.
- Quê??? Ela não é minha namorada! E eu não vou falar nada disso, droga!
Tarde demais. Ela apenas me deu às costas mais uma vez e correu feliz pelas escadas. Antes de entrar no quarto, ela me olhou de uma maneira bastante suspeita e disse:
- Lembre-se: fale bem de mim, se não...
Perfeito! Agora eu pareceria mais idiota que de costume, e se eu não fizesse o que a Jeniffer mandava, com certeza ela contaria tudo sobre a festa, a bebida e os cigarros para meus pais. Eu tava numa sinuca de bico. Voltei para junto do pessoal. Estavam todos apenas me esperando para começar a reunião.
- Bem, agora que Max voltou, podemos começar com o assunto de hoje... – disse Emily.
- Espera! Tenho que falar uma coisa pro Jhonny antes – falei, já me engasgando.
- Qual é garoto! Já disse que sou bom em esconder as evidências! – disse Jhonny, já meio nervoso.
- Não é isso... É que... Bem...
- Vai garoto, desembucha!
- Bem... Minha irmã é muito bonita e descolada sabe? E, nesse momento, ela ta sozinha em seu quarto...
Silêncio constrangedor. Jhonny bebe mais um gole e diz:
- E o que eu tenho haver com isso?
Desisti. Aquilo era demais para mim.
- Bem, se era só isso, podemos começar a reunião. – disse Emily – Por favor, que horas são?
- Ah, são oito em ponto – disse Ray.
- Ótimo. Ben, vc poderia colocar no canal 12 pra mim?
O gordo pôs no canal que ela pediu. Aquele era o horário dos seriados mais populares da televisão, e no canal 12 não era diferente.
- Puxa Emily, vc assiste “Amy Rose”? Nunca pensei que vc gostasse desse tipo de programa. – falou Ray.
- Na verdade eu não gosto muito de televisão. Mas preciso mostrar uma coisa nesse programa pra vcs.
Aquilo era o fim. “Amy Rose” era um seriado idiota e extremamente popular sobre uma adolescente (a Amy Rose) que saía de sua pequena cidade natal no interior para tentar a carreira como cantora pop na capital e, quem sabe, descobrir um verdadeiro amor. Era uma comédia romântica adolescente cheia de clichês para meninas apaixonadas de doze anos. Era realmente uma bosta de seriado, e o pior de tudo é que a protagonista era interpretada por uma menina nascida na nossa cidade chamada Claire Campbell, o que fez com que nossa cidadezinha se tornasse conhecida a nível nacional. O seriado ficou tão famoso que uma gravadora contratou a garota para tentar uma carreira como cantora. Agora a própria Claire Campbell era uma espécie de pop star adolescente. A garota era realmente uma gatinha, mas devia ser burra como uma porta. O fato é que a história da Claire e da sua personagem eram muito parecidas, pois ela também veio de uma cidade pequena e agora fazia sucesso internacional, tanto com seu seriado imbecil quanto com suas musiquinhas horríveis. Enfim, a tal Amy Rose aparece na tela, e Emily diz:
- Conhecem essa garota?
- Bem... Todo mundo conhece Claire Campbell, especialmente nesta cidade – respondi.
- É. Ela é nascida aqui na cidade – comentou Ray.
- Ótimo. Passei um tempo pensando se eu não estaria enganada, pois a cor da aura das pessoas é um pouco distorcida na televisão, mas agora posso confirmar que ela é a nossa próxima Escolhida, representante do planeta Vênus.
- Quê??? – falamos todos na mesma voz (com exceção de Ben que estava concentrado na pipoca). O Jhonny quase cuspiu cerveja em todo mundo. Até Ashley ficou surpresa.
- Ah ta! Ótimo! E o que nós fazemos? Nos mudamos para a capital, escalamos um monte de fãs, fugimos de alguns seguranças e, em seguida, abordamos a pop star do momento tratando da terrível ameaça alienígena. Ai a convocamos a participar do time de defensores da galáxia. É isso? – perguntei de forma bem jocosa.
- Acho que não. Já temos a maior parte dos Escolhidos reunida. Acredito que os próximos acabaram sendo atraídos para junto de nós.
Silêncio total. Ninguém podia acreditar no que a estranha falava.
- Como vc sabe disso? – perguntou Jhonny.
- Não sei. Intuição, talvez...
- O quê?? – eu não podia aceitar aquilo.
- Ahahhah... Bem, não sei quanto à vcs, mas eu confio muito na intuição da Emily. Se ela disse que será assim, então será. – disse Ray, coçando a nuca.
Só podiam estar de sacanagem pra cima de mim.
- Ah ta. Como se isso fosse mesmo acontecer! Sabe quando a Claire volta pra essa cidade? Nunca. Nunquinha.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Infinito

- Alô.
- Alô. Sou eu. Desculpa te ligar tão tarde... Tava dormindo?
- Ah... Não, não! Só tava deitado.
- Mas desculpa te incomodar mesmo. Você já devia ta dormindo.
- Já te falei que não tava dormindo! Diz ai, o que foi?
- Sabe... Eu não to bem.
- Que houve?
- Não sei. Acordei com um sentimento muito forte. Passei o dia inteiro com ele, e parece que ta cada vez mais forte. Isso ta me assustando.
- Mas... Que tipo de sentimento?
- Não sei.
- É triste ou alegre?
- Não sei... Acho que nenhum dos dois.
- Foi alguma coisa que te aconteceu?
- Não! Não me aconteceu nada. Não que eu saiba. Isso que eu não entendo...
- Mas esse sentimento ta te deixando triste?
- Não! Já disse que não sei se é triste ou alegre!
- Mas o que você quer que eu faça? Não adianta gritar comigo.
- Mas... Nossa, desculpa. Não sei o que me deu. Eu só machuco todo mundo. Eu sou mesmo inútil, não sirvo nem pra agradar quem gosta de mim.
- Ah, vamos. Também não fique assim. Me desculpe também por falar desse jeito.
- É que eu não sei o que faze pra passa, e isso ta ficando cada vez mais intenso, sabe? Hoje à tarde, quando eu voltava pra casa, senti que não ia agüentar e comecei a correr. Corri umas vinte quadras. Me cansei tanto, sabe? Eu sempre corro pra fazer os sentimentos passarem. Quando to com o corpo cansado, os sentimentos vão embora, mas dessa vez não funcionou. Meu pulmão doía e meu coração parecia que ia explodir, mas o sentimento ficou o mesmo. Aí eu...
- Você precisa arranjar uma pessoa boa pra ficar. Faz tempo que não namora.
- Não é isso! Eu não sei o que é. Daí eu comecei a comer. Se tem algo que me faz esquecer todos os sentimentos é comer. Comi quase tudo o que tinha na geladeira. Senti tanta culpa depois... E o sentimento só aumentou. Eu quis beber também, mas tenho medo que o efeito seja o mesmo. Tenho certeza que seria. Daí... Nossa, já to a tanto tempo no telefone. Preciso desligar, se eu passar mais tempo, vou me culpar por causa da conta e vou ficar pior...
- Não. Espera. Deixa que eu te ligo.
- Ah... Você vai gasta muito crédito.
- Não! Deixa que eu já te ligo. Só um pouco.
- Ta.
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
- Alô?
- Oi, sou eu.
- Ah... Desculpa ta te incomodando. Eu queria chorar, sabe? Chorar faz passar qualquer sentimento.
- É... Você nunca teve problemas com isso.
- Mas é isso mesmo! Também não consigo chorar. Seria tão bom chorar. Ia me fazer tão bem. Droga, por que eu não consigo? Eu não consigo nada! Sou mesmo inútil! E essa coisa parece que tá crescendo cada vez mais. Parece que meu peito vai explodir. Eu não aguento mais...
- Olha, não fique assim. O nervosismo só vai piora a situação. Muita calma, ta? Eu to aqui. A gente pode conversa bastante ainda.
- Mas a ligação vai ficar muito cara...
- Não tem problema. Olha, você tem amigos.
- Bem poucos...
- Mas tem, isso é o que importa! Eu prometo que vou ficar na linha até você conseguir chorar, feito?
- Ah... Ahahaha... Eu não sei se consigo assim.
- Vamos descobrir. Eu tenho que trabalhar daqui a quatro horas, até lá a gente pode conversar sobre o que você quiser ta legal? Vamos falar de coisas felizes né?
- Ahahaha... Acho que coisas felizes também vão deixar o meu coração mais carregado ainda.
- Não fique assim, vamos lá, eu falo. Lembra aqueles velhos tempos? Aqueles de escola? Lembra... Você ta chorando?
- ...
- Oi, você ta ai? Alô? Alô?
- To aqui... Deu certo. Eu já to chorando.
- Que bom. Viu? Não passou o nervosismo? Você ta melhor?
- To bem melhor... Obrigada. Mesmo. Ta passando a dor.
- Viu? Que bom!
- Ah, mas viu... Amanhã a gente conversa melhor. Tua ligação vai sair muito cara. Imagina tua conta...
- A conta não importa! Tem certeza que ta melhor?
- Tenho sim. Fico tão feliz em ter você comigo. Gosto tanto de você... Não sei o que faria sem você.
- Eu também!
- Mas viu... Vou tentar dormir um pouco. Obrigada.
- Ta. Qualquer coisa me ligue de volta ta?
- Ta... Abraço.
- Abraço. Tchau.
- Tchau...
....

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 9

Eu e Emily estávamos, mais uma vez, em um ônibus, mas dessa vez tava cheio de gente, e não estávamos indo para a casa da garota, mas sim para o centro da cidade. Ela me disse que queria comprar um livro que não achava na biblioteca e que tinha visto um exemplar à venda numa loja do centro. Eu a acompanhava naquela empreitada que devia ter como objetivo um livro idiota sobre ufologia, cultura maia e essas coisas. Sempre odiei ir ao centro. Era um lugar cheio de gente barulhenta, com ruas cheias de carros, péssimas para algumas manobras. O fato é que eu devia aquilo a Emily. Deixa eu te explicar melhor: um dia antes, ela havia me abordado na escola, me bombardeando com informações idiotas sobre a nova revista UFO. A gente havia acabado de pegar o resultado de uma prova de matemática e minha nota foi horrível. Com certeza eu acabaria tendo que participar das aulas idiotas de reforço durante as férias. Aconteceu que eu fui bem grosso com a Emily. Disse para ela:
- Droga Emily, vc não sabe falar sobre outra coisa não? Eu to de saco cheio de te ouvir falar sobre essa droga de revista UFO. Não te agüento mais. Por acaso vc não pensa em outra coisa não, como tua nota nessa prova? Não vê que ta todo mundo nos olhando enquanto vc fala essas esquisitices? Vc quer que eu fique conhecido como o “garoto esquisito do primeiro ano” como vc? Escuta: se não for pra me falar algo importante, não precisa mais falar comigo, ta legal? Vc ta estragando a minha reputação.
É claro que me arrependi de falar essas coisas para ela. No fundo, era tudo verdade, mas, mesmo assim, seria melhor se eu não tivesse dito. Ela não olhou para mim enquanto respondeu. Ela nunca olhava nos olhos das pessoas quando o assunto a deixava desconfortável.
- Hum... Ta bem. Desculpe Max.
Ela fechou a revista e voltou para sua carteira pala lê-la sozinha. Eu sabia que ela não ficaria realmente brava comigo por causa daquilo, mesmo assim, eu devia ter maneirado mais. A garota deixou de falar comigo durante as aulas ou na frente de qualquer pessoa que não fosse um Escolhido. Não por raiva, mas porque eu pedi, e trocou de lugar na sala. Ela, que passou a sentar atrás de mim desde nossa primeira conversa, agora sentava em um lugar lá no fundo da sala, deixando vazia aquela carteira atrás de mim. Depois de algumas aulas, Ben, que sempre se sentou numa carteira lá no fundo, mudou paraa antiga carteira da Emily. O gordo mal sentou e já me deu um tapa na nuca. O pior de tudo é que ele era forte e aquilo me pegou desprevenido.
- Droga Ben, qual é o teu problema?
O gordo me olhava sério.
- Idiota. Vá pedir desculpas pra garota.
- Qual é a tua, Ben? Vc não tem nada haver com isso.
Pow! Levei mais um tapa na nuca.
- Enquanto vc não foi lá e pedir desculpas, eu vou continuar aqui, atrás de vc, te acertando tapas a hora que eu quiser.
- O quê??
Pow! Mais um tapa na nuca. Gordo idiota! Decidi me render e pedir desculpas a Emily na saída da aula. Fiz tudo conforme as normas: pedi desculpas e perguntei se não tinha alguma maneira de me redimir. Ela disse que não precisava me desculpar, e que se eu quisesse manter uma certa distância, ela entenderia, mas que, se esse não fosse o caso e eu não estivesse ocupado, gostaria que eu a acompanhasse até o centro em busca do tal livro idiota.
Bem, e lá estava eu, a caminho do centro da cidade. Descemos do ônibus e passamos a andar por entre aquelas ruas cheias de gente, desviando de todo mundo. Droga, aquilo era um saco. Demoramos um tempão para encontrar a tal loja só pra descobrir que o estoque daquele livro já havia acabado. O nome do livro era estranho pro tipo de coisa que eu sempre a via ler. Resolvi perguntar:
- Emily, o livro que vc quer comprar é sobre ufologia?
- Não. É um livro de poesia.
- Ah...
- Gosta de poesia Max?
- Ah, não muito.
Por acaso eu sou bicha pra gostar de poesia? Não falamos mais nada durante a estadia na loja. Assim que saímos, ela teve uma brilhante idéia.
- Acho que a gente pode acabar encontrando o livro no shopping. Vamos lá, Max?
Se havia uma coisa que eu odiava mais que o centro da cidade era o shopping. Só havia um na nossa cidade, que não era muito grande. O lugar tava sempre cheio de gente idiota, mas bem, eu devia isso a ela e acabamos no tal shopping. Aquele shopping era realmente uma droga, e quando eu pensei que não podia ficar pior, eis que avisto alguém me acenando e correndo em nossa direção. Aquilo era terrível. De todas as pessoas que eu poderia encontrar no shopping, tinha que ser ela? Justamente ELA?
- Oi macaquinho! O que vc ta fazendo no shopping? Não era vc que odiava esse tipo de lugar?
- Não é da sua conta, e eu já te falei pra não me chamar de macaquinho!
A garota que acabava de nos abordar era ninguém menos que Jeniffer, minha irmã idiota. Ela já tinha dezenove anos, fazia faculdade e, ainda assim, passava uma boa parte do dia no shopping, com um monte de amigas metidas e descoladas, exibindo suas roupas novas. Ela havia me apelidado de “macaquinho” quando ainda éramos criança, e fazia questão de me chamar por esse apelido idiota, especialmente na frente dos meus amigos.
- E essa garota, quem é? Por acaso é sua namorada, macaquinho? Eu não acredito que vc ta namorando e nem ao menos me contou!
Aquela era uma situação horrível. Eu teria que negar, pois, se dependesse da Emily, essa pergunta ficaria em silêncio.
- Droga, ela não é minha namorada, é só minha amiga. E eu já te falei pra não me chamar de macaquinho!
A Jennifer parou em frente a Emily, olhou-a de cima para baixo, depois de baixo para cima.
- Oi, eu sou Jennifer, irmã do macaquinho. Muito prazer! Qual é seu nome?
- Meu nome é Emily. Muito prazer.
Minha irmã fez mais uma análise visual da Emily. Por que aquilo tinha que acontecer justo naquele dia?
- Gostei de vc. Esse cabelo meio retro, esse estilo mais casual... É, gostei sim! Eu te dou permissão pra namorar com o macaquinho, mas fique sabendo que meu irmãozinho é muito lento e provavelmente será vc quem terá que dar o primeiro passo na relação. Ah! Também é bom que vc saiba que ele ronca muito e tem chulé, então esteja preparada.
- Droga. Já te falei pra nos deixar em paz! Nós só viemos aqui comprar um livro. Não somos namorados.
- Viu só, Emily? Caso queira algumas dicas, é só me procurar. Bem, preciso ir andando, minhas amigas estão me esperando. Até mais gente! – disse minha irmã idiota, mandando beijinhos que nem eu, nem a Emily respondemos.
- Desculpe, minha irmã é realmente estúpida. Não ligue pra ela.
- Tudo bem, eu não liguei. Deve ser legal ter uma irmã mais velha. Vamos, a loja é logo ali.
Finalmente conseguimos comprar o livro idiota. Saímos do shopping (aleluia!) e resolvemos tomar o caminho de volta para casa. Já tínhamos nos distanciado bastante do shopping quando Emily teve uma idéia.
- Max, antes de voltar pra casa, o que vc acha de a gente comer alguma coisa? Eu to com fome.
- Ah, não é uma má idéia. Acho que tem um McMickeys perto daqui. Vamos lá.
- Ah não, o McMickeys mais próximo daqui é muito longe. Eu conheço uma lanchonete legal perto daqui. Eu costumava comer lá quando morava com meu avô. Acho que vc vai gostar do lugar.
Normalmente eu não confiaria na escolha da Emily, mas eu tava com muita fome e o McMickeys mais perto dali realmente era bastante longe. Teríamos que voltar ao shopping, praticamente. Deu que a garota me levou para a tal lanchonete que, de fato, era perto dali, mas era meio suspeita. Era um prédio pequeno e meio antigo, com uma placa luminária que piscava e fazia um barulho chato como se estivesse pifando. Entramos e eu já suspeitei da higiene da cozinha daquele lugar. Sentamos e esperamos algum garçom nos atender. Depois de um tempo, o garçom se aproxima por trás de mim sem que eu perceba.
- O que é que vcs tão fazendo aqui? – perguntou o garçom. Aquilo lá era jeito de tratar um cliente? Virei o rosto para o garçom mal educado e me deparei com ninguém menos que Jhonny, com um avental idiota e um bloco de anotações.
- Olá Jhonny! – disse Emily
- Droga Emily, eu já não te falei pra parar de vir aqui? Eu to trabalhando. Não tenho tempo pras tuas histórias de óvni.
- Tudo bem. A gente não ta aqui por isso. Na verdade, a gente ta aqui como cliente. Vc poderia nos trazer o cardápio?
Jhonny olhou bem para mim. Viu que estávamos sozinhos, passeando pelo centro da cidade.
- Que diabos vcs dois estão fazendo juntos? Vcs são namorados? Eu não sabia disso.
- Não somos não! – falei com certa pressa. –É que a gente veio comprar um livro. Só isso.
De repente, uma voz alta e grossa vem lá da cozinha.
- Jhonny, pare de conversa mole e atenda os clientes! Garoto inútil. É melhor trabalhar mais ou te dou a conta!
- Não vê que eu to trabalhando? Os caras aqui são clientes, droga! – gritou Jhonny, bastante nervoso. Virou-se para a gente e – Meu chefe é um idiota. Esperem ai, trarei o cardápio para vcs. – e foi para trás do balcão.
- Puxa, eu não imaginava que Jhonny trabalhasse em um lugar assim. – falei.
- É um trabalho de meio período. Ele só poderá trabalhar mais que isso quando completar o colegial.
- Ele não parecia muito surpreso em te ver. Vc já sabia que ele trabalhava aqui?
- Sim. Esta lanchonete é bem antiga. Eu costumava vir aqui com meu avô. Na época eu praticava natação num clube perto daqui. Sempre gostei de nadar. Depois da natação, meu avô me trazia para cá comer um lanche e para conversar com o antigo dono que era seu amigo. Não sei se é por que natação dá muita fome, mas o sanduíche daqui sempre me pareceu o melhor do mundo. Eu voltei a essa lanchonete, há uns dias atrás, para conferir se o sanduíche continua tão bom quanto era antes e encontrei Jhonny trabalhando aqui.
- Ah... E o sanduíche continua bom?
- Não. O antigo cozinheiro morreu.
- Ah...
Jhonny chegou e nos entregou o cardápio. Pedimos nosso lanche e conversamos mais algumas coisas. Já havia se passado mais de dois meses desde que nós passamos a andar juntos e eu começava a pegar o jeito pra se conversar com ela, que era muito fechada no começo. Comemos, pagamos nossa conta com o Jhonny e fomos embora. Pensamos em esperar por ele, mas ficamos sabendo que seu trabalho só acabaria tarde da noite. Pegamos o ônibus de volta, que agora estava bastante desocupado. Tirando nós dois, só havia um velho, um homem de terno e gravata e um casal de namorados perto da gente. Ficamos em silêncio durante boa parte da viagem, até que a Emily falou:
- Sabe Max? Desculpa por te incomodar. Eu sei que é difícil conviver comigo. É por isso que eu não paro em lugar nenhum. Só peço que vc tenha um pouco de paciência comigo.
Aquilo me pegou de surpresa. Não esperava que ela se desculpasse por ser daquele jeito.
- Do que é que vc ta falando?
- As pessoas sempre me chamaram de estranha. Minha mãe me chamava assim. A minha tia, aquela dos seis filhos, também me chamava assim. Nunca entendi o que isso quer dizer, eu me considero uma garota normal, mas deve ser por isso que é tão difícil conviver comigo. Eu queria que vc e os outros Escolhidos tivessem um pouco de paciência com essas minhas esquisitices.
Eu, de fato, sempre a achei uma estranha e isso não mudaria. Mas ouvir aquelas coisas da boca dela era de cortar o coração. Ela tava me colocando no mesmo nível da sua mãe desnaturada e daquela tia maluca. Não dava pra não se sensibilizar com aquilo.
- Vamos Emily, pra que falar disso? Eu já te pedi desculpas, não pedi?
- Mas eu também te devo desculpas, Max. Peço só um pouco de paciência.
Ela não me olhava nos olhos. Aquilo era sério.
- Pare com isso, Emily, vc sabe que a gente nunca vai te dar as costas. Vc é uma de nós! E vc não é esquisita. Eu só falei aquilo num momento de raiva. Ah, droga, não vai me fazer pedir desculpas de novo, vai?
Ela sorriu. Aquele sorriso leve sem mostrar os dentes. Achei que a situação estava resolvida.
- Fico feliz com isso. Afinal, nós, os Escolhidos, devemos estar unidos, mais do que qualquer um, para vencer a ameaça alienígena do futuro. Não é, Max?
Aquela ladainha de volta? E eu que pensei que ela quisesse me agradar com aquela conversa toda. Bem, não tinha jeito. Sorri de volta e disse:
- Claro! Juntos, ninguém pode nos deter.

domingo, 18 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 8

Hora do almoço. Peguei minha bandeja e andei direto para a mesa de sempre. O Ben já tava lá, acabando o primeiro sanduíche. Sentei e o cumprimentei. Ele mandou um olhar que parecia responder ao cumprimento. Aquele gordo idiota devia ter preguiça até de falar. Comemos em silêncio por um tempo, até que Emily chegou.
- Bom dia! – disse ela.
- Bom dia. – respondi. Sozinho, claro. O Ben respondeu com o olhar.
Emily estava mais silenciosa que de costume. Devia ter se cansado de me manter informado sobre as novidades extraterrestres. Comíamos em paz, até que Ray e Ashley se aproximaram de nossas mesas com suas bandejas de comida. Fazia tempo que Ray não sentava conosco, mas e quanto a Ashley, o que estava fazendo, se aproximando da maior concentração de perdedores da escola?
- Olá pessoal, podemos sentar com vcs? – penguntou Ray com aquele sorriso de sempre.
Aquilo não podia ser coisa boa. Já estava preparado para o pior, mas, por incrível que pareça, Ashley apenas olhava para o lado, como se a gente não existisse. Eu podia até imaginar o que houve: depois de uma conversa séria, a menina percebeu que perderia o Ray caso não fosse tolerante com suas esquisitices (neste caso, entenda-se esquisitice o fato de sentar à nossa mesa). Ela devia odiar a gente, mas devia odiar muito mais perder o Ray pra uma burra como a Whitney. Os dois se sentaram à nossa mesa e o clima ficou tenso.
- Bom dia! – disse Ray, cumprimentando todo mundo pela segunda vez, após se sentar. Aquilo era tão idiota. Pra que cumprimentar todo mundo de volta?
Respondi com um pouco de receio. Emily respondeu da sua forma indiferente de sempre e Ben, que estava em seu segundo sanduíche, apenas mandou o olhar característico.
- Ei garoto, não vai responder o Ray não? – perguntou Ashley ao Ben, um tanto irritada.
Ben só mudou o curso do olhar para a garota.
- Ele não pode – respondeu Emily.
- Por que, ele é mudo?
- Ben não gosta de falar enquanto come, mas ele escuta tudo o que se fala a sua volta e presta muita atenção.
- Que idiota – falou Ashley enquanto arrumava seus talheres, ainda sob a mira do olhar de Ben.
Ray riu daquilo. Parecia querer quebrar o possível clima ruim. Para ele, o simples fato de Ashley ter sentado junto à gente já era um grande progresso. O clima, ainda assim, estava muito estranho. Aquela mesa, em si, estava muito estranha. Por que caras como eu, Emily e Ben dividiríamos a mesa com o casal mais popular do colégio? Todo mundo do refeitório nos olhava de forma estranha. Até que, sem que nenhum de nós reparasse, surge Jhonny com sua bandeja de comida, aproximando-se da nossa mesa. O que significaria aquilo? Será que era chegada a hora do acerto de contas com Ray?
- Ei Jhonny, vem cá, sente aqui com a gente! – disse Ray, de uma forma bem amigável e barulhenta, acenando com a mão.
- Não pensem que eu estou me sentando junto a idiotas como vcs por que quero. É que não tem mais lugar pra sentar. Ainda acho vcs um bando de perdedores. – disse Jhonny, um pouco nervoso.
O que significava tudo aquilo? Seria o caos? Aquela mesa não fazia sentido nenhum. O próprio Jhonny nunca almoçava na escola, e justo quando o cara resolve almoçar, vem direto para nossa mesa? O fato é que havia outros lugares a se sentar, mas era só na mesa dos jogadores de football, dos meninos ricos e das garotas mimadas. Será que Jhonny, o terrível agressor de professores, nos achava mais interessante que o resto das pessoas daquele refeitório?
- E ai garoto – falou Jhonny para Ben que estava ao seu lado. O gordo continuou mastigando.
- E ai garoto, tudo bem? ...Ei garoto, eu to falando com vc. Não vai me responder não? – disse Jhonny, já um pouco exaltado.
- Não adianta, ele não vai te responder. – disse Emily – O Ben não gosta de falar enquanto come, mas comer faz com que ele preste muito mais atenção nas coisas. Se tiver algo complicado pra explicar pra ele, agora seria a melhor hora.
- É sério? Cara, e eu que pensava que vc fosse o menos esquisito. To vendo que tava errado. - disse Jhonny para Ben.
Jhonny havia dito que o Ben parecia ser o menos esquisito entre nós? Quer dizer que eu já era considerado mais esquisito que o comedor de melecas? Droga!
Todos que estavam por perto olhavam curiosos para nossa mesa. Por que Ray, Ashley, Jhonny, a menina estranha, o comedor de melecas e... eu estávamos sentados juntos durante o almoço, conversando como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo? Aquela situação não tinha como se sustentar por muito tempo, e aconteceu que a primeira a explodir foi a Ashley.
- Eu sei quem vc é. Vc é Jonathan Jones. Transferido por arranjar confusão no antigo colégio. Vc é do tipo de gente que estraga a reputação da nossa escola. – dizia a menina para Jhonny, olhando em seus olhos da mesma forma que ela olhava para os meus quando ia me chamar de “fracassado”. Silêncio absoluto. Aquilo só podia significar guerra.
- Qual é garota? Vc não tem nada haver com minha vida. Eu também sei quem vc é, Ashley Redfield, e se quer saber, eu acho que são meninas mimadas e nojentinhas como vc que estragam o mundo inteiro.
- Estragar o mundo inteiro? Pense bem no que fala, garoto. Diferente de vc, eu me formarei em uma boa universidade e darei minha contribuição para a economia do país. E caras como vc, o que farão? Vc quer passar o resto da vida na escola? É isso que vc quer? É assim que vc acha que torna o mundo um lugar melhor?
Aquilo tava ficando perigoso demais. Emily apenas observava toda aquela situação, Ben já havia acabado o segundo sanduíche e partia para o terceiro e Ray parecia querer deixar a briga rolar para ver como aquela discussão acabaria. No fundo eu sabia que, independente do desfecho daquela discussão, sempre sobraria para mim no final.
- Nada disso te importa. Além do mais, quem se importa com o mundo? Eu só ligo pra mim mesmo. É assim que as coisas são. Vc tem que lutar pra se dar bem, antes que alguém te passe a perna e roube tudo o que vc tem. A gente só pode se importar com a gente mesmo.
- Pois então, o que vc me diz do teu futuro? Vc quer passar o resto da tua vida sendo a lenda da escola? O valentão do colegial? O cara reprovado que bate nos mais novos? Acha que isso é um futuro ideal?
- Ei, eu não bato nos mais novos! Eu gosto mesmo é de uma briga justa. Não sou do tipo que rouba dinheiro do pessoal do primeiro ano nem do que se aproveita das meninas ingênuas. Só quero que gente como vc me deixe em paz. Vc não sabe nada sobre a minha vida. Não tem o direito de me dar sermão.
- Sim, eu sei o suficiente. Sei que vc é um garoto que já reprovou três anos e, ainda assim, mata aula todo dia. Vc acha que ser bom de briga vai resolver os teus problemas pra sempre? Acha que é só bater em um professor que vc passa de ano sem maiores preocupações? É vc que não sabe como as coisas são no mundo adulto. Vc tem que estudar bastante e trabalhar duro pra ser alguém na vida, e não só vadiar como vc faz.
- Vadiar, eu? Vc não sabe mesmo nada sobre mim não é garota? Olha, vc tem muita sorte por não ser homem, se não eu já tinha te deixado no chão.
- E qual é o problema, valentão? Vai querer me bater? Não sabe dialogar como gente decente ai prefere resolver todas as discussões da mesma forma que teus ancestrais, os homens das cavernas? Por acaso vc já resolveu alguma situação sem usar de violência?
- Cala a boca menina. Não admito que ninguém me chame de vadio. Eu dou muito duro nessa vida. Pra sua informação...
Aquilo tava terrível. Tinha tudo para sobrar pra mim. Decidi pegar minha bandeja e sair de fininho, sem que ninguém percebesse. Acontece que, quando já estava quase em pé, a Emily interrompeu os dois:
- Com licença. Eu sinto muito por interromper a conversa, mas precisamos falar uma coisa urgente para vcs.
Droga. Aquilo não podia ser nada bom. Ashley e Jhonny, que se encaravam como se soltasses lasers pelos olhos, apontaram seus atiradores de raios para Emily. A pobre menina, dependendo do que tivesse para falar, não seria tolerada pelos dois que brigavam furiosos e se tornaria o novo alvo de suas fúrias. Ela devia ser mesmo muito corajosa para se meter no meio de uma discussão tão feia.
- Max, explique pra eles. – falou Emily.
- O que???
Aquilo me pegou, definitivamente, pelo contrapé. Eu pulei da mesa e me pus em pé. Emily olhou para Ray.
- Vc não contou pra ele, Ray?
- Ahahah... Bem, eu pretendia contar, mas achei que seria melhor se o Max ficasse sabendo junto com os outros. – disse Ray, com o sorriso idiota de sempre, coçando a nuca. – Desculpa Emily.
- Ah, não tem problema. Não faz muita diferença. Max, o fato é que Ashley é a próxima Escolhida, representante do planeta Mercúrio. – disse a estranha, olhando para Ashley.
- Escolhidos? Do que é que vcs tão falando? – perguntou Ashley com uma cara de quem não teve nenhuma paixão à primeira vista pelo conceito.
- Quem, ela? Vcs devem ta de brincadeira né? Eu não vou fazer parte do mesmo grupo desta garota! – bradou Jhonny, apontando-a com o dedo.
- Ahá! Ótimo! Jhonny, isso quer dizer que aceitou fazer parte do nosso grupo? – perguntou Ray.
- Não me entenda mal. Não é que eu queira andar com um grupo de fracassados como vcs. O que eu to querendo dizer é que eu, com essa garota mimada, jamais aceitarei fazer parte de grupo nenhum. – disse Jhonny, desviando do olhar de Ray.
- Droga, me respondam! Afinal de contas, o que é um Escolhido?- gritou Ashley.
- Vamos lá Max, explica pra ela. – disse Emily, com aquela mesma expressão indiferente de sempre.
Bingo! Acertei em cheio! Como todo mundo podia prever, acabou sobrando pra mim. Me expliquei antes de falar aquelas bobagens do mesmo jeito que fiz com os outros, culpando a Emily, e contei toda a ladainha sobre Canal X, alienígenas, etc. Ashley ouvia com bastante atenção.
- Bem, é isso. Todos nessa mesa são Escolhidos, e estamos pedindo pra vc aderir à nossa causa. O que acha?
A menina continuou a me olhar séria. De repente, virou a cabeça para Ray.
- Ray, é por causa deste tipo de bobagem que vc tem andado com estes fracassados?
- Aham! O que acha, Ashley? Vamos salvar o mundo... juntos? – dizia o cara com o sorriso mais sincero e idiota da galáxia. A menina parecia querer chorar.
- Droga Ray, o que foi que estes esquisitos fizeram com vc? Por que vc não volta a ser o que era? Pra que dar crédito a este tipo de bobagem? – a garota virou pra mim. – E vc é o líder desta zorra toda, não é? Vc acha que eu sou palhaça? O que vc fez com o Ray? Eu o conheço desde criança e sei que ele não precisa deste tipo de idiotices nem de gente como vcs. Responde, o que vc fez com o Ray!? – gritou Ashley para mim. O grito foi alto e as pessoas do refeitório me metralharam com olhares curiosos. Eu só queria enfiar minha cabeça num buraco.
- Ashley, isso foi muita falta de educação. Peça desculpas ao Max. – disse Ray, agora sério.
Eu tava ferrado. Aquela discussão idiota continuaria por muito mais tempo, até que Ben acabou o terceiro sanduíche, pegou sua bandeja, levantou-se e foi embora, sem mais explicações nem despedidas.
- Que foi que deu nele? – perguntou Jhonny.
Emily apenas observava toda aquela situação. Respondeu:
- O Ben não fala enquanto come, mas sua atenção se torna bastante aguçada. Acho que ele concluiu que não valia a pena ouvir essa discussão. Dá pra entender. O Max já fez a sua parte, então não há mais nada a se dizer.
Ela só podia ta de brincadeira comigo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 7

Mais uma semana havia se passado desde o caso Jhonny. Por sorte, nunca mais vimos ele em lugar nenhum. Eu, Emily e os outros continuávamos levando a nossa vida do mesmo jeito. Já havia uma semana que tudo estava novamente em paz, e aquilo me confortava muito. A única coisa que podia deixar o meu astral melhor seria voltar pra casa de skate em uma rua quase vazia, perfeita para algumas manobras, e era este o caso. A aula já havia acabado e estava quase anoitecendo. Eu tomava meu caminho de volta para casa, do jeito que tanto gosto, até que ouvi uma buzina. Era o conversível do Ray. Droga, eu já devia ter aprendido que, na minha vida, nada é tão perfeito por muito tempo.
- Ei Max! Quer uma carona pra casa? – disse o cara, com aquele sorriso idiota de sempre.
- Não precisa se preocupar com isso não, ahaha... Eu to bem. Posso ir de skate.
- Desta vez eu insisto! Vamos lá, eu te levo pra onde vc quiser. Entra ai!
O que me confortava bastante era que, desta vez, ele estava sozinho no carro. Sem aqueles amigos horríveis do football até que dava pra encarar uma carona, mas eu não podia perder, de jeito nenhum, aquela rua quase vazia, perfeita para algumas manobras.
- Bem, Ray... Acho que não precisa não. Não se preocupa comigo, ahuahua.
Ele continuava me olhando com a mesma cara idiota. Droga, alguma coisa me fazia sentir que, desta vez, ele não me deixaria sair ileso.
- Vamos lá Max, eu insisto. Por favor! Eu queria conversar algumas coisas com vc. Olha só: o que vc acha de a gente ir numa lanchonete? Que tal o McMickeys? Eu te pago um sanduíche e um refrigerante tamanho grande. Que acha?
Desde antes desta oferta eu já sentia que minha rua quase vazia – aquela perfeita para algumas manobras – teria que esperar mais um dia. O cara era um saco e não me deixaria em paz enquanto eu não embarcasse naquela droga de carro. Porém, tenho que confessar que a proposta de lanchonete foi bastante tentadora. Eu sempre adorei sanduíches, pizzas, refrigerantes, fast-foods e junk-foods em geral. Tinha gente que dizia que aquilo engordava e fazia mal pro coração. Danem-se a gordura e o coração. O fato é que esse tipo de comida é a melhor que há, e eu não tinha um mísero centavo no bolso. Que mal faria em deixar o lendário Ray Taylor me pagar um lanche?
- Bem... Ta legal. Só que eu não posso voltar tarde pra casa.
- Não se preocupe. Vai ser rapidinho. Entra ai!
Entrei no carro e fomos em direção ao McMickeys mais próximo dali. Eu não sou muito de puxar conversa, mas também não gosto de ficar naquele silencio constrangedor que me faz ficar procurando assunto desesperadamente e, quase sempre, me faz puxar um assunto bem idiota. A sorte é que Ray era aquele cara que sempre fazia questão de puxar a conversa.
- E então Max, curte andar de skate?
Não. Minha mãe me obriga a andar nele todos os dias. É uma espécie de castigo. Idiota.
- É, curto sim.
- Eu sinto muito pelos meus amigos do football. Eles, às vezes, são meio fechados e não tratam muito bem as pessoas de fora do grupo, mas eu aposto que quando vc os conhecer melhor vai gostar muito deles.
Eu, conhecer melhor aqueles idiotas?
- Ah, que nada. Eles nem me tratam mal não.
- O Henry não é de falar muito, mas ele dá um grande valor às amizades. O Eddy também. Ele faz muitas brincadeiras de péssimo gosto, mas ele só faz isso por que gosta de vc. Pra ele, esse tipo de brincadeira é um sinal de confiança.
Ah ta. Agora que você me explicou, acho que nós podemos virar amiguinhos.
- É. Os caras parecem ser legais.
- Mas o pior comportamento, de longe, é o da Ashley. Eu espero que vc nunca tenha levado a sério nada que ela tenha te falado, ahahah. Eu a conheço desde criança. Nossas famílias são amigas desde antes de nascermos. Ela sempre foi assim. No começo, parece que ela é só uma menina egoísta e vaidosa, mas a verdade é que ela exige muito de si mesma e dos outros também. Ela não suporta ver alguém que, na visão dela, não esteja dando o melhor de si, ai ela critica e dá palpite em tudo. É meio chato no começo, mas depois que vc entende o que se passa pela cabeça dela vc começa até a gostar dela.
- Poxa, eu nunca tinha pensado dessa forma.
- Mas não se preocupe. Aposto que vcs se darão muito bem no futuro.
- Tomara que sim,
Para mim, ela continuava sendo uma menina chata e egoísta. Por acaso eu preciso de uma garota idiota pra dar palpite em minha vida? Não fazia questão de me dar bem com ela.
- E vcs, tão namorando? – perguntei.
O Ray deu uma risadinha. Qual é a graça, malandrão?
- Ahahha... Essa é uma questão difícil de responder. Eu e a Ashley somos amigos desde crianças. Eu sempre me dei muito bem com ela e sei que ela gosta muito de mim. Mas tem também a Whitney. As duas gostam muito de mim, sabe? Eu gosto das duas, do jeito que são, mas acho que não sinto por elas nada tão grande quanto elas sentem por mim. Eu odeio ferir as pessoas. Nunca gostei de dar fora em menina. Cara, se tem uma coisa que eu odeio é ver menina chorando. Ai eu tento manter um relacionamento com as duas. Sei que não é o certo, mas, vc sabe, eu odeio machucar as pessoas. – dizia ele, com aquele sorriso modesto que eu tanto odiava.
Eu sempre soube que ele devia sair com as duas. O cara era um campeão mesmo. Odeio gente que se dá bem demais na vida. E ai, será que ele queria que eu me ajoelhasse perante o grande Ray e pedisse desculpas por ser virgem e nunca ter dado um mísero beijo de língua em menina nenhuma? Que eu o louvasse como uma espécie de macho alfa? Caras fracassados como eu não tinham lugar num mundo habitado por idiotas populares que transam não com uma, mas com as duas meninas mais desejadas do colégio.
Enfim chegamos ao McMickeys. Eu já tava morrendo de fome. Sentamos na mesa do canto, fizemos o pedido, pegamos nossa senha e voltamos a esperar.
- Max, eu sinto muito por não poder estar por perto quando vcs falaram com Jhonny sobre os Escolhidos. Eu tinha um treino muito importante e não podia faltar.
- Ah, não se preocupa com isso não. Acho que ele não nos levou muito a sério, de qualquer jeito.
- Era isso que eu queria conversar com vc. Eu esperei por ele ontem, na saída da aula. A gente teve uma breve conversa sobre isso.
- Sério? E como foi.
- O Jhonny fez questão de deixar bem claro, antes de nossa conversa começar, que não gostava de caras como eu, e que, dependendo do que eu tivesse pra falar, a gente ia sair na briga.
Puxa vida! Por que eu não tava lá pra ver isso? Imagina só, o atlético e popular Ray contra o terrível agressor de professores Jhonny. Seria épico. Uma batalha do tipo “paladino da justiça” contra “o príncipe das trevas”. Um lance meio Superman contra Bizarro. Eu queria mesmo era ver os dois se destruindo de uma vez. Isso sim seria um bom final para aquela querela.
- E daí? O que foi que aconteceu?
- Eu disse que também fazia parte do grupo dos Escolhidos e que acreditava em todos vcs de todo o coração. Pedi, também, pra que ele não agredisse ninguém do nosso grupo e que, se ele quisesse mesmo partir pra briga, eu tava disposto a brigar por vcs.
- Nossa, e ele, o que fez?
- Nada. Só mandou a gente deixá-lo em paz, acendeu um cigarro, me deu as costas e foi embora. Eu estive conversando com a Emily sobre isso. Ela me disse que o que fiz foi desnecessário, pois você, Max, já tinha convencido o cara, mas achei melhor prevenir e dar uma segunda opinião a ele.
- Ah, haahaha... Não liga pro que aquela estranha diz. O Jhonny quase quis me bater depois do que eu falei pra ele. A Emily devia ta brincando com vc.
Era bom usar esses apelidos tipo “estranha” e “comedor de meleca” que assim os caras como o Ray saberiam me distinguir de esquisitos como eles.
- Será mesmo? Achei que ela tava certa. O Jhonny jamais me deixaria sair ileso depois de ter dito todas aquelas coisas se já não pensasse diferente. Vc realmente é um cara em tanto heim Max? Não sei o que falou pra ele, mas acho que vc já devia ter feito o cara pensar no assunto fazia tempo.
Mudei de idéia. O Ray era tão esquisito quanto os outros dois. Ele continuou com aquela puxação de saco toda para cima de mim enquanto eu tentava desconversar. Enfim, chegou a vez da nossa senha e eu tava morrendo de fome. Um hambúrguer duplo com batata-frita e quinhentos mililitros de refrigerante, tudo por conta do capitão do time de football da minha escola. Aquilo sim era vida. Enquanto eu degustava meu lanche devagar, tentando aproveitar cada pedacinho de carne, o Ray continuava a conversar.
- Sabe Max, eu preciso te contar uma coisa a respeito da Ashley. Quando nós éramos crianças ela era uma menina gordinha que usava uns óculos destes tipo fundo de garrafa, sabe? A família dela sempre foi muito rica e ela sempre foi um pouco mimada. Ninguém queria ser seu amigo porque era muito metida e mandona. Era sempre ela quem ditava as regras da brincadeira, e se as coisas não estivessem sempre do jeito que ela queria, então não haveria brincadeira pra ninguém. Ela tinha vários tipos de bonecas, bolas, videogames e todo o tipo de brinquedo que emprestava pra todo mundo, mas só com a condição de que ela fosse a líder da brincadeira.
O Ray falava enquanto seu sanduíche esfriava. Eu não respondia, nem ao menos fazia um comentário. O que eu comentaria? Ainda achava aquela menina uma patricinha mimada e egoísta e não me importava com seu passado. O Ray continuou:
- Eu sempre fui o único amigo dela. Nunca quis ser líder nenhum, e as brincadeiras que ela criava eram divertidas. Deve ser por isso que ficamos tão ligados um ao outro.
Eu ainda tentava descobrir o que eu teria haver com essa conversa toda.
- A gente cresceu e a puberdade chegou. De repente, um monte de espinhas apareceu na cara dela e ela, que já era gordinha e usava óculos, passou a ser o principal alvo das chacotas de todo mundo, fossem meninos ou meninas.
Agora, isso era uma curiosidade e tanto! E pensar que Ashley, a garota perfeita, já foi gordinha e cheia de espinhas. A galera precisava saber disso.
- A pobre Ashley ficou arrasada. Passou a ter ódio de todo mundo. Eu fui o único que continuou a ser seu amigo. Como sua família sempre foi muito rica, ela os fez pagar um tratamento com nutricionista, um personal traineer, um tratamento para a acne e uma cirurgia a laser para os olhos, tanto que, hoje em dia, ela só usa uns óculos para descanso.
Aquilo era verdade. Era ridículo. A menina não usava óculos na hora de dançar, fazer exercício e essas coisas, mas era só rolar uma oportunidade que ela vestia uns óculos maneiros que a deixavam com a maior cara de intelectual, como quando ela palestrava a favor da sua candidatura pro grêmio estudantil ou quando estava em aula. Sempre achei que aqueles óculos nem tivessem lentes, e que servissem apenas pra fazer pose de inteligente.
- Então ela se tornou o que é hoje. Ela ainda depende muito de ter pessoas a sua volta, mas também pensa que essas pessoas estão lá para servir as suas vontades. É quase um mecanismo de defesa dela, te tratar como inferior pra não ser tratada como inferior. Não dê bola pro que ela diz que vc acaba aprendendo a conviver com ela.
Brilhante. Agora o magnífico Ray se tornou, também, psicólogo! Aquilo tava chato demais, e eu já tinha acabado meu lanche.
- Viu Ray... Desculpa interromper, mas já é tarde, e eu tenho que voltar pra casa.
- Ah é! Sinto muito Max. Vamos lá. Eu vou pagar a nossa conta.
Pagamos e voltamos para o carro. Já tinha uma ligação perdida da minha mãe no meu celular, então era melhor voltar pra casa. Expliquei a Ray onde eu morava. O cara foi me levando de volta em silêncio, até que quis dizer algo.
- Ei Max.
- O que é?
O cara pensou melhor.
- Nada. Deixa pra lá. Já falei muito por hoje né? Ahuaha.
Era aquele riso modesto de sempre. Achei melhor nem responder a pergunta. Ray me deixou na porta de casa e fui pro meu quarto, mexer no computador e assistir televisão. Eu não sabia que tipo de surpresas esperava por mim no outro dia.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 6

Estávamos eu, Ben e Emily escondidos, espiando nosso novo Escolhido pelo canto do ginásio.
- Ben, vai lá e fala com ele. – falei.
- Eu? Vc ta louco? Jamais!
- Vai Max, vc sabe que é o único que pode convencê-lo. – disse Emily, que, pra variar, não tinha a menor idéia da gravidade daquela terrível situação.
- Gordo inútil! Vc não fez nada de importante desde que aceitou ser um de nós. Vá falar com o cara, por que eu não vou de jeito nenhum!
- Cala a boca, Max. Se ele nos ouve a gente ta frito!
Deixa eu te explicar essa infeliz ocasião. Já havia se passado quase um mês desde a visita à casa da Emily. Eu, ela e Ben passamos a nos encontrar todos os dias no refeitório, durante o horário do almoço. O gordo continuava o mesmo, falando conosco apenas o necessário, só trocou a batata-frita por um terceiro sanduíche. Não tocava no assunto “alienígenas”, aliás, era sempre muito cético com relação a essas coisas, mas também não deixava de estar por perto da gente, principalmente quando a Emily falava sobre suas novas descobertas. O fato é que o idiota passou a me ignorar totalmente. Dizia que sua reputação estaria arruinada se fosse visto andando comigo. É mole?! Mas era só a Emily se aproximar pra falar qualquer coisa que, do nada, o Ben surgia pra ouvir o que ela tinha pra dizer.
Aquilo tudo não era tão ruim. Fazia quase um mês que não acontecia nada pra abalar a minha paz. Foi então que o sinistro ocorreu. Um belo dia, Emily convocou os Escolhidos ao refeitório para fazer a revelação apocalíptica: enquanto caminhava pelo pátio do colégio, havia encontrado o Quinto Escolhido, que era ninguém menos que Jhonny Jones, o temível “agressor de professores”.
O cara já havia reprovado várias vezes, já era maior de idade e ainda estava apenas uma série acima de mim. Ele era transferido de escola a escola, sempre arranjando confusão e até havia uma lenda de que ele tinha sido expulso do último colégio por agredir um professor. Sempre usava calça jeans, jaqueta de couro e tinha um cabelo pelo ombro todo maçarocado. As meninas eram todas apaixonadas por ele, mas nenhuma tinha coragem de se aproximar de um cara tão violento. Diziam até que ele levava um canivete pro colégio. Nem o próprio Budd Tysel e sua turma mexiam com um cara tão durão.
Jhonny sempre matava aula, escondido num beco entre o ginásio e o depósito que terminava em uma grade que era bastante fácil de pular e dava direto pra rua. Ele ficava lá, fumando, encostado na parede com cara de poucos amigos. Quando não estava lá, só podia estar na rua ou na diretoria. No nosso caso, ele estava lá, fumando como sempre (é claro que não era permitido fumar no colégio), enquanto nós o observávamos de longe, planejando o que faríamos. Se simplesmente o abordássemos com o papo dos Escolhidos, sem mais nem menos, corríamos o risco não só de acabar com nossa reputação, mas também de acabar com nossas próprias vidas!
- Ei vcs!
Silencio total. Meu coração quase saltou à boca.
- Ele ta falando com a gente? – sussurrou Ben.
- Shhhh! Cala a boca, seu idiota! – sussurrei meio berrado.
- Eu sei que estão ai, me observando há horas. Apareçam, seus covardes! – disse Jhonny, olhando diretamente para onde pensávamos estar bem escondidos. Eu estava pronto pra empurrar o gordo e correr na direção oposta, quando Emily saiu, andando muito calma, e se revelou.
- Desculpe. A gente não queria ficar espiando. O fato é que temos algo muito importante pra tratar com vc. Max, por favor, venha explicar a ele.
Ela só podia ta de brincadeira. Eu ainda tinha amor à própria vida. Era chegada a hora de empurrar o gordo pro sacrifício e sair correndo, mas onde ele tava? Foi só a Emily se mostrar que Ben saltou do nosso esconderijo e ficou lá, todo sério ao lado dela. Não havia mais ninguém pra me salvar. Sai de trás daquela parede com as pernas tremendo.
- E então, o que vcs querem comigo? – perguntou Jhonny de uma maneira realmente muito hostil.
- Vai, droga, fala pra ele! – disse Ben, me empurrando para frente.
- É, vai Max. Confie em si mesmo! – disse a Emily, tentando me animar.
Não havia o que fazer. Eu era o sacrifício.
- Bem... É estranho dizer essas coisas... ehehee... Sabe, vc não precisa nos levar a sério não. Mas olha, isso foi tudo idéia destes dois aqui. Eu não tenho nada a ver com isso! – disse eu, apontando para meus carrascos.
- Ta, seu maricas. Para de chorar e fala logo! – gritou Ben.
Quanto ódio eu sentia daquele gordo. Não tinha jeito mesmo e eu falei todo aquele discurso idiota sobre alienígenas, portais dimensionais, Escolhidos e humanos do futuro para o cara mais barra pesada da escola.
- Olha, sei que isso tudo parece estranho. Mas vc não precisa acreditar se não quiser.
Jhonny me encarava absolutamente sério. Deu uma tragada a mais, jogou a bituca no chão, pisou e a amassou devagar. Foi se aproximando de mim lentamente. Aquilo só podia ser meu fim.
- É claro que eu acredito. É uma droga ter o seu planeta dominado por uma terrível força alienígena. Eu vou ajudas vcs no que for preciso.
- Verdade? – perguntei eu, todo ingênuo.
- É claro que não, seu perdedor. Vc pensa que eu sou idiota!? Vc ta curtindo com a minha cara!?- gritou meu algoz após me pegar pelo colarinho da camisa. Este, com certeza, era meu fim. Adeus, mundo cruel!
- Pare!
Era o Ben. Estava parado, ereto como uma estatua, ao nosso lado. Olhava para baixo e tremia como uma garotinha.
- O que foi. Quer apanhar também? – gritou o terrível Jhonny.
- Não bata nele. Se for bater em alguém aqui, bata em mim. Eu não ligo. Pode bater. – dizia Ben, gaguejando.
Jhonny me soltou e se virou de forma muito hostil para Ben. Olhou bem para o gordo, levantou o punho rapidamente e o pobre Ben apenas virou a cara, esperando o soco, mas nada aconteceu. Jhonny abaixou o punho.
- Escuta aqui, eu não sei qual é a de vcs, mas é melhor não me encherem mais o saco com esse tipo de conversa, entenderam? Droga, vcs acabaram com o meu humor. Eu tinha tudo pra assistir a algumas aulas hoje. – dizia Jhonny, enquanto pulava a cerca. O cara saiu da escola sem dizer nada. Que alivio!
Emily correu até nós.
- Vcs estão bem?
- Eu to sim. Puxa Ben, vc salvou a minha pele! O que deu em vc?
- Não te interessa. – dizia o gordo, ainda tremendo.
- O que foi Ben? Vai chorar é? Acho que vi vc chorando quando o Jhonny armou o soco.
- Cala a boca, Max. Não era vc que eu queria salvar, idiota. – falou o Ben para dentro. Quase sussurrado.
- O que foi que vc disse? Não ouvi nada. Fala com a boca!
- Tanto faz. Não te interessa!
- Bem, o fato é que conseguimos. Missão cumprida! – disse Emily, esboçando um leve sorriso, sem mostrar os dentes. Aquilo era raro. A menina só sorria daquele jeito quando estava extremamente feliz.
- Então eu vou voltar pra sala. – disse Ben, ainda vermelho de nervosismo. Eu e Emily estávamos a sós mais uma vez.
- Vc ta brincando! Missão cumprida? Esse cara não levou a sério uma palavra do que a gente disse. E vc ouviu o aviso que ele deu. Eu não vou falar mais nada pra ele, entendeu Emily? Mais nada! Vc pode não ter, por que é uma estranha, mas eu ainda tenho amor à vida!
Ela ainda sorria.
- Não vai ser preciso. Saindo de vc, essa história só precisa ser contada uma vez. Agora, só falta esperar pra que Jhonny aceite o seu destino. Quando a hora chegar, será ele quem vai nos procurar.
- A ta, claro. Como se isso fosse acontecer.
- Bem, Max, acho que é bom a gente voltar pra aula agora.
- Ta. Chega de loucuras por hoje, ta legal?
Voltamos para a aula. Aquilo, com certeza, foi uma das situações mais assustadoras pela qual já passei. Eu pensei que molharia minhas calças na hora em que o Jhonny me pegou pelo colarinho. Mas, enfim, aquilo tinha acabado. Paz! As ruas vazias para casa, mais uma vez. Algumas manobras. Ninguém pra te encher o saco. Enfim, paz. Eu mal podia imaginar o que me esperava no dia seguinte.
No outro dia estava eu, de skate, me aproximando dos portões da escola, quando encontro ninguém menos que Jhonny, encostado à grade, fumando, esperando por algum de nós. Eu era sempre o primeiro a chegar à escola. Aquilo não podia ser coisa boa. O cara já chegou me pegando pelo colarinho, mais uma vez. Eu acabaria me acostumando com aquilo.
- Escuta aqui, seu perdedor, o que vc fez com a minha televisão? Isso é uma palhaçada por um acaso? – gritava Jhonny para mim, em frente a toda a escola. As pessoas olhavam para mim, algumas chocadas, outras com cara de velório. Todo mundo sabia que eu tava ferrado.
- Não é brincadeira, Jhonny. Vc sabe que é real. – disse, de repente, Emily que acabara de chegar. – Nós também já passamos por isso. É difícil de acreditar. No começo, na verdade, é quase impossível, mas tem uma coisa, lá no fundo de vc, que diz que isso é tudo verdade, não tem? Vc sabe que é verdade: os alienígenas, o Canal X, o fato de vc ser um dos Escolhido. No fundo, vc sabe.
O matador me soltou. Mandou aquele olhar de puro instinto assassino pra menina, que continuava a encará-lo, absolutamente séria, como era de praxe.
- Droga, o que foi que eu fiz pra vcs? Seus perdedores! Eu não sou um esquisito como vcs. Me deixem em paz! – disse Jhonny, pegando, mais uma vez, o caminho da rua. Parece que a Emily havia acabado com seu humor por mais um dia.
- Droga Emily, viu o que vc fez?
- Bem, como eu disse, era ele quem nos procuraria, mas não esperava que fosse tão cedo. Jhonny Jones é o representante do planeta Marte. Agora faltam apenas mais quatro escolhidos: Mercúrio, Vênus, Netuno e Plutão. Estamos indo muito bem, não acha Max?
Ela só podia ta curtindo com a minha cara. Aquela aventura idiota seguiria em frente, cada vez pior. O que eu fiz para merecer isso?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 5

Dois dias já haviam se passado desde que contamos ao Ben sobre os Escolhidos e ele continuava a não dar a mínima pra gente, aliás, eu nem falava mais com ele de tanta vergonha que eu tava. Claro que eu não ligava muito pra opinião do gordo, mas eu odiava quando as pessoas me olhavam com aquele jeito de quem ta me achando um idiota.
Eu e Emily estávamos em um ônibus quase vazio. Tinha apenas a gente, uma velhinha sentada dois bancos à nossa frente e uma mulher com dois filhos pequenos que ficavam fazendo bagunça. Eu odeio andar de ônibus, principalmente quando a pessoa que senta do teu lado tenta puxar conversa. Emily, no entanto, apesar de estar ao meu lado havia uns 20 minutos, não falava uma palavra. Isso me deixava muito desconfortável, pois a gente que se conhecia devia conversar numa situação dessas. Fiquei pensando em coisas para dizer, só pra quebrar o clima.
- E então... Tua casa é muito longe?
- Não muito. É daqui a três quadras.
- Ah...
Emily havia me convidado pra ir à sua casa aquela tarde. Disse que precisava me mostrar alguns “documentos” e conversar sobre “assuntos secretos”. Com certeza o tema seria a grande ameaça alienígena, a revista óvni ou coisas do tipo. Eu realmente achava um saco quando ela me fazia ouvir aquelas bobagens, mas eu tava muito curioso pra saber onde ela morava, como era sua família, como era seu quarto e essas coisas. Seria tudo tão estranho quanto ela? Pensei que não teria nada a perder em fazer uma rápida visita à sua casa.
-É aqui que a gente desce. – disse ela, depois de uma longa viagem e pouquíssima conversa.
Estávamos em frente a um prédio. Não imaginava que ela morasse num apartamento. Não sei por que, mas eu imaginava uma casa meio macabra, cheia de gatos e corvos e sei lá mais o que. O prédio era antigo. Entramos e começamos a subir um terrível lance de escadas por que o elevador tava quebrado. Cara, a menina morava no sétimo andar. Quase morri de tanto subir degrau. Chegamos à porta do apartamento e eu tava ofegante como um porco, mas tentava esconder isso dela enquanto ela procurava pela chave na bolsa. Enfim entramos. Era um apartamento normal, com pouquíssimos móveis, o que dava uma sensação de ser bem espaçoso.
- Com licença. – falei ao entrar. – A tua família ta em casa?
- Não. Eu moro sozinha.
- Sério? Eu não sabia disso. E teus pais, onde moram?
- Meus pais são separados. Minha mãe mora na capital e meu pai no exterior.
- Puxa, e deixam vc morar sozinha? Meus pais nunca deixariam.
- Meus pais não se importam com isso. Eu mudo da casa de um parente para outro desde a separação, quando eu tinha nove anos. Este ano eu propus a eles que me pagassem o aluguel de um apartamento pra que eu pudesse morar sozinha.
- Mas vc não tem medo de ficar aqui sozinha?
- Não. Eu gosto daqui, e dizem que esta vizinhança é bem segura, então não me preocupo tanto.
- E teus pais, eles ligam bastante?
- Não muito. Às vezes minha mãe liga pra saber se ta tudo bem, mas é coisa de uma vez por mês.
- Credo, teus pais não dever se importar muito com vc.
Eu sou mesmo um idiota. Esta não é, nem de longe, a melhor coisa pra se falar numa situação dessas, principalmente quando eu finalmente consigo adentrar o covil da menina mais estranha do colégio. Ela não olhava pra mim enquanto falava.
- Não muito. Meus pais não se dão muito bem. Meu pai dizia, na época da separação, que minha mãe havia roubado a sua juventude, sua liberdade e outras coisas desse tipo. Minha mãe dizia que a culpada era eu, que era estranha e só dava tristeza pro meu pai.
- Nossa, que coisa horrível pra se falar pra uma filha! – disse eu, tentando reparar a situação que acabava de criar.
- Depois que eles se separaram, meu pai dizia que voltaria pra Rússia e que minha mãe devia cuidar de mim, mas minha mãe queria recuperar o tempo que meu pai havia roubado da vida dela e me deixou com uma tia que já tinha seis filhos. Eu não gostava muito. Não gosto de morar com muita gente, e a minha tia se incomodava bastante comigo.
- Ué, por quê?
- Não sei.
Talvez fosse pelas esquisitices dela.
- E daí, vc veio pra este apartamento?
- Não, depois de morar com essa tia, eu morei com meu avô.
- E o velhinho era legal?
- Era sim. Morávamos apenas eu e ele num casarão bem antigo. Ele já tava muito velho, tinha um monte de doença e vivia esquecendo do meu nome. Ele vivia me chamando de Christine por engano. Depois de um tempo eu nem o corrigia mais. Apesar disso, era bom morar naquele casarão por que ele não se incomodava muito comigo e nem eu com ele. Foi um tempo bem legal.
- E por que vc saiu de lá?
- Ele teve um derrame e morreu. O casarão foi dividido entre os meus tios que o demoliram e venderam o terreno pra uma gente que construiu um supermercado no lugar do casarão. Eu tive que morar mais um tempo com aquela tia dos seis filhos até que ela discutiu com a minha mãe por telefone. A briga foi bem feia e me mandaram de ônibus de volta pra casa da minha mãe, mas eu e ela não conseguimos conviver muito bem, ai eu voltei pra cá.
- Voltou pra cá?
- Sim. O casarão do meu avô era aqui na cidade.
- Ah...
Dava pra entender por que ela era tão estranha. Aquela vida parecia ser uma droga. Depois dessa conversa, ela me chamou pro seu quarto. Eu tava louco pra isso. Apesar das minhas expectativas, o quarto era relativamente normal. Havia uma cama de solteiro desarrumada com um lençol azul claro e um edredom azul escuro, um guarda-roupa tamanho médio, uma estante e uma mesa com um computador.
- Pode sentar aqui. – disse ela, me apontado a cama.
Fazia tempo que eu não entrava em um quarto de menina que não fosse a minha irmã idiota. Sentei na cama desarrumada enquanto ela procurava por alguma coisa entre as gavetas da mesa. Era um livro bonito que parecia ter sido comprado recentemente.
- Max, deixa eu te mostrar uma coisa que eu ando pesquisando.
Era um livro sobre ufologia. Ela se concentrou num parágrafo sobre calendário maia. Era tudo uma grande piração que ela me explicava detalhe por detalhe.
- Veja bem: segundo este calendário dos maias, uma civilização que possivelmente entrou em contato com seres extraterrestres, o fim do mundo está bem próximo. Fazendo uma média entre as previsões deste e de outros livros sobre o assunto, eu presumo que a invasão ocorra em julho do ano que vem. No entanto, os humanos do futuro nos dizem que a invasão ocorrerá em 2020. Talvez algo possa ter mudado no espaço-tempo de nossa dimensão com relação à dimensão do futuro, e...
Ela falava bastante, mas eu não prestava atenção. Assim que pegou o livro, ela se sentou ao meu lado na cama. A perna e o braço dela encostavam nos meus. Ela trazia o livro pra bem perto de mim a fim de que eu prestasse a maior atenção, mas a única coisa pra qual eu ligava era uma mecha de cabelo dela que caia sobre o meu ombro que me fazia sentir um leve cheiro de xampu. Enfim, estávamos no quarto de uma menina sozinha em casa, sentados na mesma cama desarrumada, levemente encostados um ao outro. Eu não tinha como pensar em outra coisa. Pensava em esticar meu braço como se quisesse espreguiçar e, aos poucos, passá-lo por volta da cintura dela. A Emily era muito magra e tinha as pernas finas, mas tinha uma cintura que parecia bastante agradável. Eu faria tudo isso, é claro, se não fosse um medroso. De repente, ela concluiu aquela conversa (pra qual eu não dava nenhuma atenção) repentinamente, levantou e se sentou em frente ao computador, o que me frustrou bastante.
- Olha só, quero te mostrar mais uma coisa. – disse ela, me chamando para o computador.
- O que é isso?
- É o e-mail que eu recebi dos humanos do futuro. Achei melhor compartilhar isso com vc.
- Por que eles mandam essas coisas pra vc e não pro resto de nós?
- Não sei. Poderíamos perguntar isso diretamente pra eles, mas eu já tentei me comunicar, enviando e-mails para o remetente, mas nunca me responderam.
Aquilo sim era algo idiota. O e-mail era “humanos@dofuturo.com”. Pensei que ela poderia ter criado aquele e-mail idiota apenas pra curtir com a minha cara. O assunto era “Antigas profecias maias”. Ela abriu aquilo e se pôs a ler em voz alta pra mim. Eu jamais abriria um e-mail como aquele. Só podia ser vírus. A coisa seguia assim:

Caros Escolhidos, por meio desta, esperamos transmitir a vocês algumas informações úteis a respeito do caso alienígena. Como sabem, uma civilização bélica e tecnologicamente superior à nossa invadirá nosso mundo no ano de 2020. A invasão se tornará possível graças a um portal inter-dimensional que se abrirá devido ao alinhamento dos planetas de nossa galáxia. Recentemente, descobrimos mensagens talhadas em pedra pelos antigos maias que previam, com grande riqueza de detalhes, os acontecimentos terríveis que estariam por vir. Ainda não conseguimos decodificar toda a mensagem, O que descobrimos até agora foi que, no ano em que vocês vivem, nasceriam nove escolhidos que podem evitar a abertura do portal. Segue abaixo a definição destes escolhidos, segundo as previsões maias: Primeiro escolhido, planeta: Terra. Virtude: Amizade. Segundo escolhido, planeta: Saturno. Virtude: Gentileza. Terceiro escolhido, planeta: Júpiter. Virtude: Honra. Quarto escolhido, planeta: Urano. Virtude: Coragem. Quinto escolhido, planeta: Marte. Virtude: Temperança. Sexto escolhido, planeta: Mercúrio. Virtude: Compaixão. Sétimo escolhido, planeta: Vênus, Virtude: Amor. Oitavo escolhido, planeta: Netuno. Virtude: Sabedoria. Nono escolhido, planeta: Plutão. Virtude: (ainda não conseguimos decodificar a virtude do representante de Plutão).
Como vocês devem saber, nossa situação é precária e raramente conseguimos nos comunicar com vocês, pois a comunicação com o passado ainda exige muitos recursos, mas entraremos em contato o mais breve possível assim que descobrirmos algo novo. Até lá, desejamos sorte a vocês.

Atenciosamente
Humanos do futuro

Os caras só podiam estar de sacanagem pra cima de mim. Aquela conversa sobre “planetas” e “virtudes” parecia roteiro daqueles desenhos educativos horríveis que passavam antigamente. Sem falar que Plutão já não era mais considerado planeta. Esses humanos do futuro são estúpidos ou o quê?
- Eu acredito que a palavra “virtude” aqui tenha sido mal traduzida. – disse a estranha depois de ler aquela balela. – Se a gente ver bem, coisas como “amizade” e “amor” não são, necessariamente, qualidades, mas se reverem às relações humanas. Acredito que isto seja um símbolo do poder que cada um de nós tem.
Que droga, tava tudo tão bem enquanto estávamos sentados na cama, tão próximos um do outro.
- Escuta Emily, não seria melhor parar com estas suposições? Esse e-mail pode até ser fake, uma brincadeira de alguém ou qualquer coisa assim.
- É possível, mas é melhor a gente não menosprezar uma oportunidade a mais de compreender a nossa situação e as nossas capacidades para a guerra que está por vir, afinal, somos os Nove Escolhidos. Seria, também, muita coincidência, pois o e-mail e o Canal X têm muitas coisas em comum.
Eu já passava a achar que o próprio Canal X fosse uma grande palhaçada, inventada por uma rede de TV pretensiosa querendo fazer um reality show com a nossa burrice. Ela continuava me bombardeando com informações a respeito da terrível invasão, até que, de repente, a campainha do apartamento toca.
- Quem poderia ser? – perguntei.
- Provavelmente o Ben.
- O Ben? Mas por que diabos ele viria aqui?
- Eu chamei todos os escolhidos para essa reunião. O Ray disse que estaria ocupado e que sentia muito por não comparecer. Ben disse que viria, porém um pouco mais tarde, pois tinha que buscar os irmãos mais novos na escola.
- Mas o Ben jamais levaria a sério essa história toda que vc me contou!
- Acredito que não. Contei a ele, durante a aula, qual seria o tema da nossa reunião e mesmo assim ele compareceu. Isso só pode significar que ele assistiu ao Canal X e que acreditou no que viu.
Dito e feito. A menina abre a porta e entra ninguém menos que Ben, vermelho e ofegante de uma forma absolutamente escandalosa após subir os sete andares. Aquele gordo idiota não podia ter aparecido numa hora mais inconveniente.
- Droga, Ben, o que vc ta fazendo aqui?
- Foi ela quem me convidou e vc não tem nada haver com isso. – disse o gordo apontando pra Emily. O Ben tinha a mania de não chamar os outros pelo nome, principalmente meninas.
- Não vai me dizer que viu o Canal X e agora voltou pra nos pedir desculpas pela tua falta de educação?
- Eu não sei o que vcs fizeram com a minha televisão, mas ainda não acredito em uma palavra que vc disse aquele dia.
- Então por que vc ta aqui.
Ben desviou o olhar. A pergunta parecia tê-lo deixado nervoso.
- Não é da tua conta.
A Emily pediu para que sentássemos na cama para que ela pudesse explicar mais uma vez aquela história toda. Ela permanecia de pé e eu, que antes estava levemente encostado a uma menina sozinha em seu quarto, agora estava levemente encostado a um gordo suado e ainda ofegante que curtia comer meleca de nariz. Passamos o dia daquele jeito. Naquela noite eu mal pude dormir de tanto ódio daquele gordo.