quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 11

- Quem diria heim Max?
- Pois é.
- A Emily esteve certa desde o começo.
- Ah... Foi só uma mera coincidência.
- Ah, qual é Max! Vai, admite que as intuições da Emily são demais. Vai, admite! – falou o idiota me chacoalhando pelo braço.
- Droga Ray, me deixa em paz!
Eu e Ray estávamos no pátio de nossa escola, observando uma sessão de autógrafos de Claire Campbell, a mais nova aluna do primeiro ano. O que aconteceu foi o seguinte: um dia depois da nossa reunião em minha casa (péssimas lembranças que comentarei mais tarde), Claire apareceu em um jornal anunciando que deixaria a televisão e a música por algum tempo, pois já tinha reprovado um ano letivo devido às filmagens e à turnê nacional. Disse que voltaria para a sua cidade natal para tirar umas férias de um ano e retomar os estudos. A garota era um ano mais velha, mas, por ter reprovado, estudaria na mesma turma que eu, e o Ray não estava a fim de me poupar daquelas brincadeiras idiotas sobre o que eu disse em minha casa, durante aquela reunião imbecil. No momento ela era abordada por uma porrada de fãs durante o intervalo, o que gerou uma sessão de autógrafos. Era só o que faltava.
- Bem, Max, acredito que o melhor a se fazer em uma ocasião como essa seja organizar uma reunião de emergência, não acha?
- É... Pode ser.
- Ok! Vamos nos encontrar no beco antes que termine o intervalo. Eu chamarei Ashley e Jhonny. Vc poderia chamar Ben e Emily pra mim?
- Ah, pode ser.
O “beco” foi um nome dado por Jhonny para aquele lugar, entre o ginásio e o depósito, onde costumava fumar e matar aula. Era um canto bastante escondido e afastado do resto da escola e Emily achou que este seria o lugar ideal para “reuniões de emergência” dentro do ambiente escolar. Caso encontrássemos um novo escolhido, deveríamos convocar a tal “reunião” e discutir o assunto.
Ray correu para o saguão principal onde ficavam os alunos do segundo e terceiro ano. Eu caminhei calmamente, com as mãos no bolso, até o prédio onde ficavam as turmas de primeiro ano. Como eu, Ben e Emily, que tinhamos a mesma idade, estudávamos juntos durante a maior parte do tempo, fui direto à sala em que imaginei que poderia encontrar os dois juntos e, assim, matar dois coelhos com uma cajadada só. Não tinha quase ninguém na sala, todo mundo estava aproveitando o intervalo. Emily não estava na sala, o que era estranho, pois ela não era do tipo de “aproveitar o intervalo”. Encontrei Ben em sua carteira de sempre, concentrado em desenhar. Ele sempre gastava todo o tempo livre desenhando heróis idiotas de quadrinhos. Decidi me aproximar devagar, pois ele sempre levava um baita susto quando alguém interrompia seus desenhos e isso o deixava de péssimo humor. Ao me aproximar sorrateiramente por trás, observei o desenho no qual ele lidava com tanto afinco em pleno horário de recheio: era uma garota muito bonita, com uma franja longa caindo levemente pela testa, olhos claros cheios de ternura e um leve e gentil sorriso, sem mostrar os dentes... Espera. Aquela era a Emily?
- Ei Ben!
O gordo deu um salto da cadeira. Me olhou com fúria e se apressou em fechar o caderno.
- O que vc quer?
- Ei... Essa garota que vc tava desenhando... Era a Emily?
- N-não. Não era não.
- Mas parecia muito. Tirando todo o lance da expressão delicada e tal. A nossa Emily é bem mais seca e fria que isso.
- Já disse que não é quem vc ta pensando! Era só... só uma heroína dos quadrinhos.
- Ta, sei... Vem cá: o Ray convocou a gente pra uma reunião de emergência lá no beco. Por acaso vc viu a Emily por ai?
- Ela já desceu. Ela já tava sabendo da garota da televisão. Disse que convocaria uma reunião de emergência.
- Bem... Menos mal. Então te vejo lá no beco.
- Ta.
Tomei meu caminho de volta para o lugar marcado. Por que será que aquele gordo idiota perdia tanto tempo desenhando uma personagem de quadrinhos parecida com a Emily?
Assim que cheguei no beco, já me deparei com Ray, Emily e Jhonny.
- E então, cadê a Ashley? – perguntou Emily.
- Ela não quis vir. Acho que ela não foi muito com a cara da nova Escolhida. Sabe como é né? Ciúmes. Agora tem uma garota mais popular que ela em nosso colégio – disse Ray com aquele sorriso modesto de sempre.
- Que idiota – comentou Jhonny.
- Tudo bem, o que importa é que Max já está aqui. - disse Emily.
- E então, como se dará a abordagem? – perguntou Ray.
- Da mesma forma de sempre. Vai Max, confiamos em vc! – falou Emily, sorrindo para mim.
- Eu? De jeito nenhum!
- Qual é Max! Vc já fez isso tantas vezes. Já deve ta acostumado a pagar esse mico – falou Ray, me dando uns tapinhas amigáveis nas costas.
- Acostumado o caramba! E nesse caso é diferente. Já pensou a manchete? Ela em um programa idiota de entrevista, tipo George Truman. Ai o cara pergunta: “Então, Claire, qual foi a cantada mais idiota que já recebeu de um fã?”, ai ela responde: “ Puxa George, vc não vai acreditar. Uma vez um fã da minha cidade natal veio me falando sobre alienígenas que dominariam nosso mundo, portais interdimensionais e umas loucuras sobre eu ser uma espécie de Escolhida. Imagina só!? Os fãs inventam cada coisa só pra tirar uma lasquinha da minha atenção”. Eu vou me tornar a piada do ano. Vai ser horrível!
- Ah, que é isso Max. Não viaja! – protestou Ray.
- Ela vai acreditar em vc, Max. Não se preocupa com isso. Se todos nós acreditamos, por que ela não acreditaria? – disse Emily.
Continuamos mais um bom tempo no qual eles tentavam me convencer a entrar na fila idiota de autógrafos para falar o que tinha que ser falado. Sem chance! Eu jamais me aproximaria dela. Não gosto de pop stars. Nunca gostei dela, apesar do fato de que ela era bastante atraente. A garota era um meio termo entre o corpo voluptuoso da Ashley e o rostinho de criança da Emily. Era uma gostosa, mas, falar aquelas bobagens todas pra ela? Sem chance! Decidi cuidar do que poderia ter sobrado da minha reputação.
No outro dia, estávamos no refeitório. Aquele era um dos dias nos quais os Escolhidos se reuniam para almoçar na mesma mesa. Isso acontecia eventualmente, em intervalos que se tornavam cada vez menores. Até a Ashley estava presente (não que ela gostasse da gente, mas tinha que cuidar do Ray e me vigiar atentamente, afinal, segundo ela, era eu o terrível maquinador daquela coisa toda). De repente, entra Claire no recinto. O refeitório vira uma festa e todo mundo, de todas as mesas, chama o nome da infeliz, pedindo para que sente em sua mesa. Toda aquela puxação de saco pra tal de Claire me dava raiva. E daí se a garota é uma pop star idiota? Tava tudo razoavelmente normal, até que a menina pega sua bandeja, anda direto para nossa mesa e diz:
- Oi! Será que eu poderia me sentar com vcs?
Emily apenas a olha com sua indiferença habitual; Ben, lidando com seu segundo sanduíche, lança seu olhar penetrante que devia conter uma mensagem qualquer; Jhonny engasga e quase cospe toda a sua comida na gente, como fez em minha casa com a cerveja (mais tarde descobriríamos que este era um hábito bastante comum do cara quando se deparava com uma grande surpresa); Ashley apenas pergunta “O quêê?”, franzindo as sobrancelhas; Eu devo ter feito a minha cara de retardado de sempre e Ray, o único sensato, abre seu sorriso modesto e diz:
- Mas é claro!
A garota senta. Todo mundo em silêncio.
- Meu nome é Claire. Muito prazer! – diz a pop star, toda simpática.
- Sabemos quem vc é, Claire. Pode apostar que o prazer é todo nosso. – responde polidamente o nosso porta-voz Ray, mandando seu olhar simpático e idiota pra menina.
- Ah, ahahha... É, vcs devem me conhecer da televisão.
- Não exatamente. Para nós, vc é muito mais especial que uma atriz da televisão ou uma cantora pop.
- Como assim?
- É uma longa história. Se vc tiver um tempo?
Aquilo não podia acabar bem. Eu já estava com um mau pressentimento.
- Ah sim, pode falar!
- Ótimo! É uma historia e tanto, e eu sou um péssimo contador de histórias. Espero que me perdoe. Quem contará tudo direitinho para vc é nosso amigo aqui. Ele é ótimo nisso! – diz Ray, me dando tapinhas nas costas.
- Eu?? Por que eu?
- Vamos, Max. Vc sabe que é o único que pode fazer isso. – disse Emily.
Silêncio constrangedor. Todos me olham como se dissessem “vai logo, perdedor”. Não teve jeito. Contei toda a baboseira de sempre. A garota apenas me olhava atenciosamente.
- Bem... É isso. Sei que é difícil de acreditar. Eu também não acredito em nada disso! São eles que me forçam a falar esse tipo de coisa! – falei, apontando para todos na mesa.
- Ah... Bem... Eu...
- E tem mais, a culpa é toda de... – dou continuidade a minha explicação, até que:
- Cala a boca, garoto. Deixa a menina responder. – me ordena Jhonny. Ta legal, fiquei quieto!
- E então Claire, o que nos diz? – pergunta Ray.
- Bem... Lamento. É muito difícil acreditar no que vcs dizem.
Silêncio constrangedor. Eu tava frito. Adeus, reputação!
- Mas... – continua Claire – Prometo que, essa noite, eu vou tentar sintonizar esse “Canal X” de que vcs falam. Se aparecer algo diferente, eu aceitarei fazer parte dos Escolhidos.
Emily e Ray trocam risinhos vitoriosos. Seria possível que até a pop star do momento cairia naquela minha história?
- E tem mais... Vcs parecem legais.
- Quem, nós? – perguntei, apontando o dedo indicador pro meu peito de forma bem imbecil.
- Sim! Ontem, enquanto eu dava sessão de autógrafos, vi vcs parados em um beco, conversando sobre algo que parecia muito divertido. Esperei que viessem até mim pra pedir autógrafo, mas foram os únicos no pátio que simplesmente me ignoraram. Pensei que o grupo de vcs pudesse ser o mais maneiro do colégio, e eu to afim de fazer novos amigos. Amigos de verdade, sabe?
Ela só podia ta de brincadeira. Nós, o grupo mais maneiro do colégio? Amigos de verdade?
- E tem mais... – continuou a garota – Eu sinto que seremos bons amigos. Não é a primeira vez que vejo o rosto de vcs. Teve uma vez, há uma semana atrás...
Todo mundo em silêncio. Expectativa total. A garota pensa melhor, sorri e diz:
- A, deixa pra lá. Eu quero ver o tal “Canal X” antes de sair falando minhas bobagens pra vcs. Ai eu prometo que conto, ta legal?

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