quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Eu sou mesmo um solitário

Era uma vez uma pessoa. Essa pessoa, até ser melhor definida, pode ser qualquer pessoa. Pois vá lá, era um homem! Por quê? Porque sim, oras. Nenhuma razão em especial, poderia muito bem ter sido uma mulher, mas é um homem (segredo: se você, leitor, imaginar uma mulher no lugar do homem, não mudará nada, então, se sinta a vontade!). Por enquanto é só um homem vazio flutuando num espaço também vazio, então ele estava num mundo. Uma cidade. Melhor, uma cidade vazia! Sem mais delongas, quem era esse homem? Hum... Alguém sem memória alguma, mas numa condição parecida com a de alguém que teve amnésia que a gente vê nos filmes, que sabe se comunicar direitinho e conhece as coisas mais triviais a sua volta, mas, que não sabe quem é, nem daonde veio e essas coisas.

Então vamos:

Acordou no meio da rua vazia. O silêncio era absoluto, com raras violações cometidas por um vento ruidoso e mórbido. Os semáforos funcionavam, mas não havia ninguém para se parar. Só restara ele, em meio àquela cidade deserta. "Onde estou? onde está todo mundo?" pensou nosso azarado companheiro, para, então, perceber que "Quem sou eu?". Andou aleatoriamente pela rua, enquanto tentava assimilar os fatos. Era uma liberdade incondicional e, como toda liberdade incondicional, era, também, solitária. Não havia, nem ao menos, memórias que o ligassem a nada.
Andou até seus pés pedirem arrego. Gritou e ninguém respondeu. Entrou em casas e não encontrou ninguém. Solidão. Sentou-se e se pôs a chorar. Por quê? Não havia perdido nada. Nunca houve ninguém em sua vida. O que era aquilo? Como? Certamente nunca houve alguém que carecesse tanto de respostas. Nunca houve alguém que não lembrasse nada e estivesse totalmente só. Sem nem ao menos alguém para respostas mais simples como “você está em randomville, meu garoto, ho ho ho!”. Deve ser difícil para quem lê isso se imaginar em situação semelhante, mas o que esse homem sentia era um vazio intenso. Por que sentia dor? Já a havia sentido antes? Teria perdido algo? Sua dor era a única ligação com o passado? Já terei sido feliz um dia? Com que tipo de pessoas eu devo ter convivido? Mas espera! Apenas o fato de que sinto dor é suficiente para supor que eu realmente tenha tido um passado um dia? Será que não nasci agora?
Como podem ver, amigos leitores, o nosso personagem era um sagaz questionador, mas seus questionamentos eram absurdos, pois não havia quem questionar. As lagrimas escorriam por suas bochechas. Ele mesmo não existia. Nunca existira. Quem lembraria dele? Morreria cedo ou tarde de qualquer problema que lhe pudesse ocorrer. Não bastaria se alimentar dos mercados vazios e se abrigar nos prédios silenciosos que o circundavam. Logo teria uma doença qualquer, ou acabaria caindo de uma altura elevada, quebrando a perna e morrendo da perda de sangue. Por que aquilo? Por que essa aflição? Há alguém se divertindo com tudo isso? O que eu faço?
Mal sabia o pobre infeliz, caros leitores, que estava para ter uma grande revelação. Digamos assim: uma revelação divina!
Quando levantou a cabeça deitada entre as pernas curvadas, surpresa! Deparou-se com outro homem (ou mulher) que o olhava fixamente, sem expressão.
- O quê? Quem é você? O que é isso?
O novo homem respondeu:
- Eu sou um anjo. Um mensageiro de Deus. Vim lhe revelar a verdade absoluta.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu.
Certamente não parecia um anjo. Era alguém bastante normal. As lagrimas cessaram e o soluço se aquietou. O que era tudo aquilo? Ele aparecera do nada? Como?
- Você não tem passado nenhum. Foi criado agora por alguém que sente um grande prazer estético com a sua angústia. Esse alguém é Deus.
O que era aquilo? Isso mesmo? Não fazia sentido nenhum. Por quê? As lagrimas escorriam mais uma vez numa poderosa torrente.
- Você veio pra me dizer isso? Quem é você? Isso é uma brincadeira?
- Não, não é. Deus é onisciente e sabe tudo o que você sente e pensa e fala antes que você sinta, pense e fale. Você pensa, sente e fala porque e o que Ele quer. Ele criou esse mundo em menos de uma hora e, aqui, tudo acontece de acordo com a vontade Dele.
-Você é louco. Louco! Você aparece do nada e começa a dizer essas coisas. Por quê? Que Deus é esse que cria pessoas e as fazem sofrer só pelo seu prazer estético? Isso não faz nenhum sentido.
-Sua vontade é absoluta e suas razões são incompreensíveis para nós. Somos insignificantes para ele. Se ele quiser destruir tudo, ele pode.
Nesse momento, houve um ruído poderoso que fez com que nosso protagonista levasse as mãos às orelhas. Uma nuvem de poeira anunciava a destruição. Os prédios que o circundavam faliam como se implodissem todos, ao mesmo tempo, enquanto o céu passava de um tom branco para um acinzentado indiferente. A revelação divina estendeu seus braços para mostrar o poder da vontade absoluta.
- O que é isso? Por quê? Não faz sentido nenhum! O homem gritava desesperadamente. O que era aquilo? Nada mais fazia sentido.
O homem caiu de joelhos e se afundou na própria confusão.
- Por que ele faz isso? Por quê? Se ele me fez, por que me fazer sofrer? Ele me odeia?
- Não. Ele gosta de você do jeito que te criou. Ou lhe acha necessário.
- Então por que? Por que me fazer sofrer assim? O que sou eu?
O anjo fechou os olhos para a resposta final.
- Você é o personagem de um texto qualquer, postado em um blog aleatório.
- O quê?
Então houve a destruição total.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Sexo

- Eu não sei. É essa dor que eu sinto... Deve ser a pior dor do mundo.
- Ninguém sente dores maiores que as dores do mundo.
Silêncio. Ela refletiu.
- É.
Mansa, ela concordou com o argumento filantrópico do companheiro. Aliás, era quase impossível, para ela, combater qualquer argumento daquele companheiro tão intelectual.
Bobagem. As dores dela abarcavam, também, as dores do mundo. O sofrimento alheio devorava seu coração lentamente, como um peixinho devora um pedaço de pão jogado no lago, beijando-o com todos os dentes. E quanto ao mundo? O mundo não dava a mínima para as dores dela. Estava ocupado demais com seus problemas. Se ela, ao menos, conseguisse dizer isso... Se ela tivesse a linguagem para dizer isso...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cardiopatia Congênita

Acorda, meu amigo
A gente ainda tem tanto que se divertir
Deixa pra dormir no final
Vamos começar de novo
Acorda, meu amigo
Eu quero te ter comigo
Nem que seja pra não fazer nada
Nem que seja só mais um pouco
Acorda, meu amigo
Vamos tentar de novo!
Vamos rir juntos de novo!
Já é de manhã e o café está na mesa
Vamos comer juntos de novo!
Acorda, meu amigo