quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 7

Mais uma semana havia se passado desde o caso Jhonny. Por sorte, nunca mais vimos ele em lugar nenhum. Eu, Emily e os outros continuávamos levando a nossa vida do mesmo jeito. Já havia uma semana que tudo estava novamente em paz, e aquilo me confortava muito. A única coisa que podia deixar o meu astral melhor seria voltar pra casa de skate em uma rua quase vazia, perfeita para algumas manobras, e era este o caso. A aula já havia acabado e estava quase anoitecendo. Eu tomava meu caminho de volta para casa, do jeito que tanto gosto, até que ouvi uma buzina. Era o conversível do Ray. Droga, eu já devia ter aprendido que, na minha vida, nada é tão perfeito por muito tempo.
- Ei Max! Quer uma carona pra casa? – disse o cara, com aquele sorriso idiota de sempre.
- Não precisa se preocupar com isso não, ahaha... Eu to bem. Posso ir de skate.
- Desta vez eu insisto! Vamos lá, eu te levo pra onde vc quiser. Entra ai!
O que me confortava bastante era que, desta vez, ele estava sozinho no carro. Sem aqueles amigos horríveis do football até que dava pra encarar uma carona, mas eu não podia perder, de jeito nenhum, aquela rua quase vazia, perfeita para algumas manobras.
- Bem, Ray... Acho que não precisa não. Não se preocupa comigo, ahuahua.
Ele continuava me olhando com a mesma cara idiota. Droga, alguma coisa me fazia sentir que, desta vez, ele não me deixaria sair ileso.
- Vamos lá Max, eu insisto. Por favor! Eu queria conversar algumas coisas com vc. Olha só: o que vc acha de a gente ir numa lanchonete? Que tal o McMickeys? Eu te pago um sanduíche e um refrigerante tamanho grande. Que acha?
Desde antes desta oferta eu já sentia que minha rua quase vazia – aquela perfeita para algumas manobras – teria que esperar mais um dia. O cara era um saco e não me deixaria em paz enquanto eu não embarcasse naquela droga de carro. Porém, tenho que confessar que a proposta de lanchonete foi bastante tentadora. Eu sempre adorei sanduíches, pizzas, refrigerantes, fast-foods e junk-foods em geral. Tinha gente que dizia que aquilo engordava e fazia mal pro coração. Danem-se a gordura e o coração. O fato é que esse tipo de comida é a melhor que há, e eu não tinha um mísero centavo no bolso. Que mal faria em deixar o lendário Ray Taylor me pagar um lanche?
- Bem... Ta legal. Só que eu não posso voltar tarde pra casa.
- Não se preocupe. Vai ser rapidinho. Entra ai!
Entrei no carro e fomos em direção ao McMickeys mais próximo dali. Eu não sou muito de puxar conversa, mas também não gosto de ficar naquele silencio constrangedor que me faz ficar procurando assunto desesperadamente e, quase sempre, me faz puxar um assunto bem idiota. A sorte é que Ray era aquele cara que sempre fazia questão de puxar a conversa.
- E então Max, curte andar de skate?
Não. Minha mãe me obriga a andar nele todos os dias. É uma espécie de castigo. Idiota.
- É, curto sim.
- Eu sinto muito pelos meus amigos do football. Eles, às vezes, são meio fechados e não tratam muito bem as pessoas de fora do grupo, mas eu aposto que quando vc os conhecer melhor vai gostar muito deles.
Eu, conhecer melhor aqueles idiotas?
- Ah, que nada. Eles nem me tratam mal não.
- O Henry não é de falar muito, mas ele dá um grande valor às amizades. O Eddy também. Ele faz muitas brincadeiras de péssimo gosto, mas ele só faz isso por que gosta de vc. Pra ele, esse tipo de brincadeira é um sinal de confiança.
Ah ta. Agora que você me explicou, acho que nós podemos virar amiguinhos.
- É. Os caras parecem ser legais.
- Mas o pior comportamento, de longe, é o da Ashley. Eu espero que vc nunca tenha levado a sério nada que ela tenha te falado, ahahah. Eu a conheço desde criança. Nossas famílias são amigas desde antes de nascermos. Ela sempre foi assim. No começo, parece que ela é só uma menina egoísta e vaidosa, mas a verdade é que ela exige muito de si mesma e dos outros também. Ela não suporta ver alguém que, na visão dela, não esteja dando o melhor de si, ai ela critica e dá palpite em tudo. É meio chato no começo, mas depois que vc entende o que se passa pela cabeça dela vc começa até a gostar dela.
- Poxa, eu nunca tinha pensado dessa forma.
- Mas não se preocupe. Aposto que vcs se darão muito bem no futuro.
- Tomara que sim,
Para mim, ela continuava sendo uma menina chata e egoísta. Por acaso eu preciso de uma garota idiota pra dar palpite em minha vida? Não fazia questão de me dar bem com ela.
- E vcs, tão namorando? – perguntei.
O Ray deu uma risadinha. Qual é a graça, malandrão?
- Ahahha... Essa é uma questão difícil de responder. Eu e a Ashley somos amigos desde crianças. Eu sempre me dei muito bem com ela e sei que ela gosta muito de mim. Mas tem também a Whitney. As duas gostam muito de mim, sabe? Eu gosto das duas, do jeito que são, mas acho que não sinto por elas nada tão grande quanto elas sentem por mim. Eu odeio ferir as pessoas. Nunca gostei de dar fora em menina. Cara, se tem uma coisa que eu odeio é ver menina chorando. Ai eu tento manter um relacionamento com as duas. Sei que não é o certo, mas, vc sabe, eu odeio machucar as pessoas. – dizia ele, com aquele sorriso modesto que eu tanto odiava.
Eu sempre soube que ele devia sair com as duas. O cara era um campeão mesmo. Odeio gente que se dá bem demais na vida. E ai, será que ele queria que eu me ajoelhasse perante o grande Ray e pedisse desculpas por ser virgem e nunca ter dado um mísero beijo de língua em menina nenhuma? Que eu o louvasse como uma espécie de macho alfa? Caras fracassados como eu não tinham lugar num mundo habitado por idiotas populares que transam não com uma, mas com as duas meninas mais desejadas do colégio.
Enfim chegamos ao McMickeys. Eu já tava morrendo de fome. Sentamos na mesa do canto, fizemos o pedido, pegamos nossa senha e voltamos a esperar.
- Max, eu sinto muito por não poder estar por perto quando vcs falaram com Jhonny sobre os Escolhidos. Eu tinha um treino muito importante e não podia faltar.
- Ah, não se preocupa com isso não. Acho que ele não nos levou muito a sério, de qualquer jeito.
- Era isso que eu queria conversar com vc. Eu esperei por ele ontem, na saída da aula. A gente teve uma breve conversa sobre isso.
- Sério? E como foi.
- O Jhonny fez questão de deixar bem claro, antes de nossa conversa começar, que não gostava de caras como eu, e que, dependendo do que eu tivesse pra falar, a gente ia sair na briga.
Puxa vida! Por que eu não tava lá pra ver isso? Imagina só, o atlético e popular Ray contra o terrível agressor de professores Jhonny. Seria épico. Uma batalha do tipo “paladino da justiça” contra “o príncipe das trevas”. Um lance meio Superman contra Bizarro. Eu queria mesmo era ver os dois se destruindo de uma vez. Isso sim seria um bom final para aquela querela.
- E daí? O que foi que aconteceu?
- Eu disse que também fazia parte do grupo dos Escolhidos e que acreditava em todos vcs de todo o coração. Pedi, também, pra que ele não agredisse ninguém do nosso grupo e que, se ele quisesse mesmo partir pra briga, eu tava disposto a brigar por vcs.
- Nossa, e ele, o que fez?
- Nada. Só mandou a gente deixá-lo em paz, acendeu um cigarro, me deu as costas e foi embora. Eu estive conversando com a Emily sobre isso. Ela me disse que o que fiz foi desnecessário, pois você, Max, já tinha convencido o cara, mas achei melhor prevenir e dar uma segunda opinião a ele.
- Ah, haahaha... Não liga pro que aquela estranha diz. O Jhonny quase quis me bater depois do que eu falei pra ele. A Emily devia ta brincando com vc.
Era bom usar esses apelidos tipo “estranha” e “comedor de meleca” que assim os caras como o Ray saberiam me distinguir de esquisitos como eles.
- Será mesmo? Achei que ela tava certa. O Jhonny jamais me deixaria sair ileso depois de ter dito todas aquelas coisas se já não pensasse diferente. Vc realmente é um cara em tanto heim Max? Não sei o que falou pra ele, mas acho que vc já devia ter feito o cara pensar no assunto fazia tempo.
Mudei de idéia. O Ray era tão esquisito quanto os outros dois. Ele continuou com aquela puxação de saco toda para cima de mim enquanto eu tentava desconversar. Enfim, chegou a vez da nossa senha e eu tava morrendo de fome. Um hambúrguer duplo com batata-frita e quinhentos mililitros de refrigerante, tudo por conta do capitão do time de football da minha escola. Aquilo sim era vida. Enquanto eu degustava meu lanche devagar, tentando aproveitar cada pedacinho de carne, o Ray continuava a conversar.
- Sabe Max, eu preciso te contar uma coisa a respeito da Ashley. Quando nós éramos crianças ela era uma menina gordinha que usava uns óculos destes tipo fundo de garrafa, sabe? A família dela sempre foi muito rica e ela sempre foi um pouco mimada. Ninguém queria ser seu amigo porque era muito metida e mandona. Era sempre ela quem ditava as regras da brincadeira, e se as coisas não estivessem sempre do jeito que ela queria, então não haveria brincadeira pra ninguém. Ela tinha vários tipos de bonecas, bolas, videogames e todo o tipo de brinquedo que emprestava pra todo mundo, mas só com a condição de que ela fosse a líder da brincadeira.
O Ray falava enquanto seu sanduíche esfriava. Eu não respondia, nem ao menos fazia um comentário. O que eu comentaria? Ainda achava aquela menina uma patricinha mimada e egoísta e não me importava com seu passado. O Ray continuou:
- Eu sempre fui o único amigo dela. Nunca quis ser líder nenhum, e as brincadeiras que ela criava eram divertidas. Deve ser por isso que ficamos tão ligados um ao outro.
Eu ainda tentava descobrir o que eu teria haver com essa conversa toda.
- A gente cresceu e a puberdade chegou. De repente, um monte de espinhas apareceu na cara dela e ela, que já era gordinha e usava óculos, passou a ser o principal alvo das chacotas de todo mundo, fossem meninos ou meninas.
Agora, isso era uma curiosidade e tanto! E pensar que Ashley, a garota perfeita, já foi gordinha e cheia de espinhas. A galera precisava saber disso.
- A pobre Ashley ficou arrasada. Passou a ter ódio de todo mundo. Eu fui o único que continuou a ser seu amigo. Como sua família sempre foi muito rica, ela os fez pagar um tratamento com nutricionista, um personal traineer, um tratamento para a acne e uma cirurgia a laser para os olhos, tanto que, hoje em dia, ela só usa uns óculos para descanso.
Aquilo era verdade. Era ridículo. A menina não usava óculos na hora de dançar, fazer exercício e essas coisas, mas era só rolar uma oportunidade que ela vestia uns óculos maneiros que a deixavam com a maior cara de intelectual, como quando ela palestrava a favor da sua candidatura pro grêmio estudantil ou quando estava em aula. Sempre achei que aqueles óculos nem tivessem lentes, e que servissem apenas pra fazer pose de inteligente.
- Então ela se tornou o que é hoje. Ela ainda depende muito de ter pessoas a sua volta, mas também pensa que essas pessoas estão lá para servir as suas vontades. É quase um mecanismo de defesa dela, te tratar como inferior pra não ser tratada como inferior. Não dê bola pro que ela diz que vc acaba aprendendo a conviver com ela.
Brilhante. Agora o magnífico Ray se tornou, também, psicólogo! Aquilo tava chato demais, e eu já tinha acabado meu lanche.
- Viu Ray... Desculpa interromper, mas já é tarde, e eu tenho que voltar pra casa.
- Ah é! Sinto muito Max. Vamos lá. Eu vou pagar a nossa conta.
Pagamos e voltamos para o carro. Já tinha uma ligação perdida da minha mãe no meu celular, então era melhor voltar pra casa. Expliquei a Ray onde eu morava. O cara foi me levando de volta em silêncio, até que quis dizer algo.
- Ei Max.
- O que é?
O cara pensou melhor.
- Nada. Deixa pra lá. Já falei muito por hoje né? Ahuaha.
Era aquele riso modesto de sempre. Achei melhor nem responder a pergunta. Ray me deixou na porta de casa e fui pro meu quarto, mexer no computador e assistir televisão. Eu não sabia que tipo de surpresas esperava por mim no outro dia.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 6

Estávamos eu, Ben e Emily escondidos, espiando nosso novo Escolhido pelo canto do ginásio.
- Ben, vai lá e fala com ele. – falei.
- Eu? Vc ta louco? Jamais!
- Vai Max, vc sabe que é o único que pode convencê-lo. – disse Emily, que, pra variar, não tinha a menor idéia da gravidade daquela terrível situação.
- Gordo inútil! Vc não fez nada de importante desde que aceitou ser um de nós. Vá falar com o cara, por que eu não vou de jeito nenhum!
- Cala a boca, Max. Se ele nos ouve a gente ta frito!
Deixa eu te explicar essa infeliz ocasião. Já havia se passado quase um mês desde a visita à casa da Emily. Eu, ela e Ben passamos a nos encontrar todos os dias no refeitório, durante o horário do almoço. O gordo continuava o mesmo, falando conosco apenas o necessário, só trocou a batata-frita por um terceiro sanduíche. Não tocava no assunto “alienígenas”, aliás, era sempre muito cético com relação a essas coisas, mas também não deixava de estar por perto da gente, principalmente quando a Emily falava sobre suas novas descobertas. O fato é que o idiota passou a me ignorar totalmente. Dizia que sua reputação estaria arruinada se fosse visto andando comigo. É mole?! Mas era só a Emily se aproximar pra falar qualquer coisa que, do nada, o Ben surgia pra ouvir o que ela tinha pra dizer.
Aquilo tudo não era tão ruim. Fazia quase um mês que não acontecia nada pra abalar a minha paz. Foi então que o sinistro ocorreu. Um belo dia, Emily convocou os Escolhidos ao refeitório para fazer a revelação apocalíptica: enquanto caminhava pelo pátio do colégio, havia encontrado o Quinto Escolhido, que era ninguém menos que Jhonny Jones, o temível “agressor de professores”.
O cara já havia reprovado várias vezes, já era maior de idade e ainda estava apenas uma série acima de mim. Ele era transferido de escola a escola, sempre arranjando confusão e até havia uma lenda de que ele tinha sido expulso do último colégio por agredir um professor. Sempre usava calça jeans, jaqueta de couro e tinha um cabelo pelo ombro todo maçarocado. As meninas eram todas apaixonadas por ele, mas nenhuma tinha coragem de se aproximar de um cara tão violento. Diziam até que ele levava um canivete pro colégio. Nem o próprio Budd Tysel e sua turma mexiam com um cara tão durão.
Jhonny sempre matava aula, escondido num beco entre o ginásio e o depósito que terminava em uma grade que era bastante fácil de pular e dava direto pra rua. Ele ficava lá, fumando, encostado na parede com cara de poucos amigos. Quando não estava lá, só podia estar na rua ou na diretoria. No nosso caso, ele estava lá, fumando como sempre (é claro que não era permitido fumar no colégio), enquanto nós o observávamos de longe, planejando o que faríamos. Se simplesmente o abordássemos com o papo dos Escolhidos, sem mais nem menos, corríamos o risco não só de acabar com nossa reputação, mas também de acabar com nossas próprias vidas!
- Ei vcs!
Silencio total. Meu coração quase saltou à boca.
- Ele ta falando com a gente? – sussurrou Ben.
- Shhhh! Cala a boca, seu idiota! – sussurrei meio berrado.
- Eu sei que estão ai, me observando há horas. Apareçam, seus covardes! – disse Jhonny, olhando diretamente para onde pensávamos estar bem escondidos. Eu estava pronto pra empurrar o gordo e correr na direção oposta, quando Emily saiu, andando muito calma, e se revelou.
- Desculpe. A gente não queria ficar espiando. O fato é que temos algo muito importante pra tratar com vc. Max, por favor, venha explicar a ele.
Ela só podia ta de brincadeira. Eu ainda tinha amor à própria vida. Era chegada a hora de empurrar o gordo pro sacrifício e sair correndo, mas onde ele tava? Foi só a Emily se mostrar que Ben saltou do nosso esconderijo e ficou lá, todo sério ao lado dela. Não havia mais ninguém pra me salvar. Sai de trás daquela parede com as pernas tremendo.
- E então, o que vcs querem comigo? – perguntou Jhonny de uma maneira realmente muito hostil.
- Vai, droga, fala pra ele! – disse Ben, me empurrando para frente.
- É, vai Max. Confie em si mesmo! – disse a Emily, tentando me animar.
Não havia o que fazer. Eu era o sacrifício.
- Bem... É estranho dizer essas coisas... ehehee... Sabe, vc não precisa nos levar a sério não. Mas olha, isso foi tudo idéia destes dois aqui. Eu não tenho nada a ver com isso! – disse eu, apontando para meus carrascos.
- Ta, seu maricas. Para de chorar e fala logo! – gritou Ben.
Quanto ódio eu sentia daquele gordo. Não tinha jeito mesmo e eu falei todo aquele discurso idiota sobre alienígenas, portais dimensionais, Escolhidos e humanos do futuro para o cara mais barra pesada da escola.
- Olha, sei que isso tudo parece estranho. Mas vc não precisa acreditar se não quiser.
Jhonny me encarava absolutamente sério. Deu uma tragada a mais, jogou a bituca no chão, pisou e a amassou devagar. Foi se aproximando de mim lentamente. Aquilo só podia ser meu fim.
- É claro que eu acredito. É uma droga ter o seu planeta dominado por uma terrível força alienígena. Eu vou ajudas vcs no que for preciso.
- Verdade? – perguntei eu, todo ingênuo.
- É claro que não, seu perdedor. Vc pensa que eu sou idiota!? Vc ta curtindo com a minha cara!?- gritou meu algoz após me pegar pelo colarinho da camisa. Este, com certeza, era meu fim. Adeus, mundo cruel!
- Pare!
Era o Ben. Estava parado, ereto como uma estatua, ao nosso lado. Olhava para baixo e tremia como uma garotinha.
- O que foi. Quer apanhar também? – gritou o terrível Jhonny.
- Não bata nele. Se for bater em alguém aqui, bata em mim. Eu não ligo. Pode bater. – dizia Ben, gaguejando.
Jhonny me soltou e se virou de forma muito hostil para Ben. Olhou bem para o gordo, levantou o punho rapidamente e o pobre Ben apenas virou a cara, esperando o soco, mas nada aconteceu. Jhonny abaixou o punho.
- Escuta aqui, eu não sei qual é a de vcs, mas é melhor não me encherem mais o saco com esse tipo de conversa, entenderam? Droga, vcs acabaram com o meu humor. Eu tinha tudo pra assistir a algumas aulas hoje. – dizia Jhonny, enquanto pulava a cerca. O cara saiu da escola sem dizer nada. Que alivio!
Emily correu até nós.
- Vcs estão bem?
- Eu to sim. Puxa Ben, vc salvou a minha pele! O que deu em vc?
- Não te interessa. – dizia o gordo, ainda tremendo.
- O que foi Ben? Vai chorar é? Acho que vi vc chorando quando o Jhonny armou o soco.
- Cala a boca, Max. Não era vc que eu queria salvar, idiota. – falou o Ben para dentro. Quase sussurrado.
- O que foi que vc disse? Não ouvi nada. Fala com a boca!
- Tanto faz. Não te interessa!
- Bem, o fato é que conseguimos. Missão cumprida! – disse Emily, esboçando um leve sorriso, sem mostrar os dentes. Aquilo era raro. A menina só sorria daquele jeito quando estava extremamente feliz.
- Então eu vou voltar pra sala. – disse Ben, ainda vermelho de nervosismo. Eu e Emily estávamos a sós mais uma vez.
- Vc ta brincando! Missão cumprida? Esse cara não levou a sério uma palavra do que a gente disse. E vc ouviu o aviso que ele deu. Eu não vou falar mais nada pra ele, entendeu Emily? Mais nada! Vc pode não ter, por que é uma estranha, mas eu ainda tenho amor à vida!
Ela ainda sorria.
- Não vai ser preciso. Saindo de vc, essa história só precisa ser contada uma vez. Agora, só falta esperar pra que Jhonny aceite o seu destino. Quando a hora chegar, será ele quem vai nos procurar.
- A ta, claro. Como se isso fosse acontecer.
- Bem, Max, acho que é bom a gente voltar pra aula agora.
- Ta. Chega de loucuras por hoje, ta legal?
Voltamos para a aula. Aquilo, com certeza, foi uma das situações mais assustadoras pela qual já passei. Eu pensei que molharia minhas calças na hora em que o Jhonny me pegou pelo colarinho. Mas, enfim, aquilo tinha acabado. Paz! As ruas vazias para casa, mais uma vez. Algumas manobras. Ninguém pra te encher o saco. Enfim, paz. Eu mal podia imaginar o que me esperava no dia seguinte.
No outro dia estava eu, de skate, me aproximando dos portões da escola, quando encontro ninguém menos que Jhonny, encostado à grade, fumando, esperando por algum de nós. Eu era sempre o primeiro a chegar à escola. Aquilo não podia ser coisa boa. O cara já chegou me pegando pelo colarinho, mais uma vez. Eu acabaria me acostumando com aquilo.
- Escuta aqui, seu perdedor, o que vc fez com a minha televisão? Isso é uma palhaçada por um acaso? – gritava Jhonny para mim, em frente a toda a escola. As pessoas olhavam para mim, algumas chocadas, outras com cara de velório. Todo mundo sabia que eu tava ferrado.
- Não é brincadeira, Jhonny. Vc sabe que é real. – disse, de repente, Emily que acabara de chegar. – Nós também já passamos por isso. É difícil de acreditar. No começo, na verdade, é quase impossível, mas tem uma coisa, lá no fundo de vc, que diz que isso é tudo verdade, não tem? Vc sabe que é verdade: os alienígenas, o Canal X, o fato de vc ser um dos Escolhido. No fundo, vc sabe.
O matador me soltou. Mandou aquele olhar de puro instinto assassino pra menina, que continuava a encará-lo, absolutamente séria, como era de praxe.
- Droga, o que foi que eu fiz pra vcs? Seus perdedores! Eu não sou um esquisito como vcs. Me deixem em paz! – disse Jhonny, pegando, mais uma vez, o caminho da rua. Parece que a Emily havia acabado com seu humor por mais um dia.
- Droga Emily, viu o que vc fez?
- Bem, como eu disse, era ele quem nos procuraria, mas não esperava que fosse tão cedo. Jhonny Jones é o representante do planeta Marte. Agora faltam apenas mais quatro escolhidos: Mercúrio, Vênus, Netuno e Plutão. Estamos indo muito bem, não acha Max?
Ela só podia ta curtindo com a minha cara. Aquela aventura idiota seguiria em frente, cada vez pior. O que eu fiz para merecer isso?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 5

Dois dias já haviam se passado desde que contamos ao Ben sobre os Escolhidos e ele continuava a não dar a mínima pra gente, aliás, eu nem falava mais com ele de tanta vergonha que eu tava. Claro que eu não ligava muito pra opinião do gordo, mas eu odiava quando as pessoas me olhavam com aquele jeito de quem ta me achando um idiota.
Eu e Emily estávamos em um ônibus quase vazio. Tinha apenas a gente, uma velhinha sentada dois bancos à nossa frente e uma mulher com dois filhos pequenos que ficavam fazendo bagunça. Eu odeio andar de ônibus, principalmente quando a pessoa que senta do teu lado tenta puxar conversa. Emily, no entanto, apesar de estar ao meu lado havia uns 20 minutos, não falava uma palavra. Isso me deixava muito desconfortável, pois a gente que se conhecia devia conversar numa situação dessas. Fiquei pensando em coisas para dizer, só pra quebrar o clima.
- E então... Tua casa é muito longe?
- Não muito. É daqui a três quadras.
- Ah...
Emily havia me convidado pra ir à sua casa aquela tarde. Disse que precisava me mostrar alguns “documentos” e conversar sobre “assuntos secretos”. Com certeza o tema seria a grande ameaça alienígena, a revista óvni ou coisas do tipo. Eu realmente achava um saco quando ela me fazia ouvir aquelas bobagens, mas eu tava muito curioso pra saber onde ela morava, como era sua família, como era seu quarto e essas coisas. Seria tudo tão estranho quanto ela? Pensei que não teria nada a perder em fazer uma rápida visita à sua casa.
-É aqui que a gente desce. – disse ela, depois de uma longa viagem e pouquíssima conversa.
Estávamos em frente a um prédio. Não imaginava que ela morasse num apartamento. Não sei por que, mas eu imaginava uma casa meio macabra, cheia de gatos e corvos e sei lá mais o que. O prédio era antigo. Entramos e começamos a subir um terrível lance de escadas por que o elevador tava quebrado. Cara, a menina morava no sétimo andar. Quase morri de tanto subir degrau. Chegamos à porta do apartamento e eu tava ofegante como um porco, mas tentava esconder isso dela enquanto ela procurava pela chave na bolsa. Enfim entramos. Era um apartamento normal, com pouquíssimos móveis, o que dava uma sensação de ser bem espaçoso.
- Com licença. – falei ao entrar. – A tua família ta em casa?
- Não. Eu moro sozinha.
- Sério? Eu não sabia disso. E teus pais, onde moram?
- Meus pais são separados. Minha mãe mora na capital e meu pai no exterior.
- Puxa, e deixam vc morar sozinha? Meus pais nunca deixariam.
- Meus pais não se importam com isso. Eu mudo da casa de um parente para outro desde a separação, quando eu tinha nove anos. Este ano eu propus a eles que me pagassem o aluguel de um apartamento pra que eu pudesse morar sozinha.
- Mas vc não tem medo de ficar aqui sozinha?
- Não. Eu gosto daqui, e dizem que esta vizinhança é bem segura, então não me preocupo tanto.
- E teus pais, eles ligam bastante?
- Não muito. Às vezes minha mãe liga pra saber se ta tudo bem, mas é coisa de uma vez por mês.
- Credo, teus pais não dever se importar muito com vc.
Eu sou mesmo um idiota. Esta não é, nem de longe, a melhor coisa pra se falar numa situação dessas, principalmente quando eu finalmente consigo adentrar o covil da menina mais estranha do colégio. Ela não olhava pra mim enquanto falava.
- Não muito. Meus pais não se dão muito bem. Meu pai dizia, na época da separação, que minha mãe havia roubado a sua juventude, sua liberdade e outras coisas desse tipo. Minha mãe dizia que a culpada era eu, que era estranha e só dava tristeza pro meu pai.
- Nossa, que coisa horrível pra se falar pra uma filha! – disse eu, tentando reparar a situação que acabava de criar.
- Depois que eles se separaram, meu pai dizia que voltaria pra Rússia e que minha mãe devia cuidar de mim, mas minha mãe queria recuperar o tempo que meu pai havia roubado da vida dela e me deixou com uma tia que já tinha seis filhos. Eu não gostava muito. Não gosto de morar com muita gente, e a minha tia se incomodava bastante comigo.
- Ué, por quê?
- Não sei.
Talvez fosse pelas esquisitices dela.
- E daí, vc veio pra este apartamento?
- Não, depois de morar com essa tia, eu morei com meu avô.
- E o velhinho era legal?
- Era sim. Morávamos apenas eu e ele num casarão bem antigo. Ele já tava muito velho, tinha um monte de doença e vivia esquecendo do meu nome. Ele vivia me chamando de Christine por engano. Depois de um tempo eu nem o corrigia mais. Apesar disso, era bom morar naquele casarão por que ele não se incomodava muito comigo e nem eu com ele. Foi um tempo bem legal.
- E por que vc saiu de lá?
- Ele teve um derrame e morreu. O casarão foi dividido entre os meus tios que o demoliram e venderam o terreno pra uma gente que construiu um supermercado no lugar do casarão. Eu tive que morar mais um tempo com aquela tia dos seis filhos até que ela discutiu com a minha mãe por telefone. A briga foi bem feia e me mandaram de ônibus de volta pra casa da minha mãe, mas eu e ela não conseguimos conviver muito bem, ai eu voltei pra cá.
- Voltou pra cá?
- Sim. O casarão do meu avô era aqui na cidade.
- Ah...
Dava pra entender por que ela era tão estranha. Aquela vida parecia ser uma droga. Depois dessa conversa, ela me chamou pro seu quarto. Eu tava louco pra isso. Apesar das minhas expectativas, o quarto era relativamente normal. Havia uma cama de solteiro desarrumada com um lençol azul claro e um edredom azul escuro, um guarda-roupa tamanho médio, uma estante e uma mesa com um computador.
- Pode sentar aqui. – disse ela, me apontado a cama.
Fazia tempo que eu não entrava em um quarto de menina que não fosse a minha irmã idiota. Sentei na cama desarrumada enquanto ela procurava por alguma coisa entre as gavetas da mesa. Era um livro bonito que parecia ter sido comprado recentemente.
- Max, deixa eu te mostrar uma coisa que eu ando pesquisando.
Era um livro sobre ufologia. Ela se concentrou num parágrafo sobre calendário maia. Era tudo uma grande piração que ela me explicava detalhe por detalhe.
- Veja bem: segundo este calendário dos maias, uma civilização que possivelmente entrou em contato com seres extraterrestres, o fim do mundo está bem próximo. Fazendo uma média entre as previsões deste e de outros livros sobre o assunto, eu presumo que a invasão ocorra em julho do ano que vem. No entanto, os humanos do futuro nos dizem que a invasão ocorrerá em 2020. Talvez algo possa ter mudado no espaço-tempo de nossa dimensão com relação à dimensão do futuro, e...
Ela falava bastante, mas eu não prestava atenção. Assim que pegou o livro, ela se sentou ao meu lado na cama. A perna e o braço dela encostavam nos meus. Ela trazia o livro pra bem perto de mim a fim de que eu prestasse a maior atenção, mas a única coisa pra qual eu ligava era uma mecha de cabelo dela que caia sobre o meu ombro que me fazia sentir um leve cheiro de xampu. Enfim, estávamos no quarto de uma menina sozinha em casa, sentados na mesma cama desarrumada, levemente encostados um ao outro. Eu não tinha como pensar em outra coisa. Pensava em esticar meu braço como se quisesse espreguiçar e, aos poucos, passá-lo por volta da cintura dela. A Emily era muito magra e tinha as pernas finas, mas tinha uma cintura que parecia bastante agradável. Eu faria tudo isso, é claro, se não fosse um medroso. De repente, ela concluiu aquela conversa (pra qual eu não dava nenhuma atenção) repentinamente, levantou e se sentou em frente ao computador, o que me frustrou bastante.
- Olha só, quero te mostrar mais uma coisa. – disse ela, me chamando para o computador.
- O que é isso?
- É o e-mail que eu recebi dos humanos do futuro. Achei melhor compartilhar isso com vc.
- Por que eles mandam essas coisas pra vc e não pro resto de nós?
- Não sei. Poderíamos perguntar isso diretamente pra eles, mas eu já tentei me comunicar, enviando e-mails para o remetente, mas nunca me responderam.
Aquilo sim era algo idiota. O e-mail era “humanos@dofuturo.com”. Pensei que ela poderia ter criado aquele e-mail idiota apenas pra curtir com a minha cara. O assunto era “Antigas profecias maias”. Ela abriu aquilo e se pôs a ler em voz alta pra mim. Eu jamais abriria um e-mail como aquele. Só podia ser vírus. A coisa seguia assim:

Caros Escolhidos, por meio desta, esperamos transmitir a vocês algumas informações úteis a respeito do caso alienígena. Como sabem, uma civilização bélica e tecnologicamente superior à nossa invadirá nosso mundo no ano de 2020. A invasão se tornará possível graças a um portal inter-dimensional que se abrirá devido ao alinhamento dos planetas de nossa galáxia. Recentemente, descobrimos mensagens talhadas em pedra pelos antigos maias que previam, com grande riqueza de detalhes, os acontecimentos terríveis que estariam por vir. Ainda não conseguimos decodificar toda a mensagem, O que descobrimos até agora foi que, no ano em que vocês vivem, nasceriam nove escolhidos que podem evitar a abertura do portal. Segue abaixo a definição destes escolhidos, segundo as previsões maias: Primeiro escolhido, planeta: Terra. Virtude: Amizade. Segundo escolhido, planeta: Saturno. Virtude: Gentileza. Terceiro escolhido, planeta: Júpiter. Virtude: Honra. Quarto escolhido, planeta: Urano. Virtude: Coragem. Quinto escolhido, planeta: Marte. Virtude: Temperança. Sexto escolhido, planeta: Mercúrio. Virtude: Compaixão. Sétimo escolhido, planeta: Vênus, Virtude: Amor. Oitavo escolhido, planeta: Netuno. Virtude: Sabedoria. Nono escolhido, planeta: Plutão. Virtude: (ainda não conseguimos decodificar a virtude do representante de Plutão).
Como vocês devem saber, nossa situação é precária e raramente conseguimos nos comunicar com vocês, pois a comunicação com o passado ainda exige muitos recursos, mas entraremos em contato o mais breve possível assim que descobrirmos algo novo. Até lá, desejamos sorte a vocês.

Atenciosamente
Humanos do futuro

Os caras só podiam estar de sacanagem pra cima de mim. Aquela conversa sobre “planetas” e “virtudes” parecia roteiro daqueles desenhos educativos horríveis que passavam antigamente. Sem falar que Plutão já não era mais considerado planeta. Esses humanos do futuro são estúpidos ou o quê?
- Eu acredito que a palavra “virtude” aqui tenha sido mal traduzida. – disse a estranha depois de ler aquela balela. – Se a gente ver bem, coisas como “amizade” e “amor” não são, necessariamente, qualidades, mas se reverem às relações humanas. Acredito que isto seja um símbolo do poder que cada um de nós tem.
Que droga, tava tudo tão bem enquanto estávamos sentados na cama, tão próximos um do outro.
- Escuta Emily, não seria melhor parar com estas suposições? Esse e-mail pode até ser fake, uma brincadeira de alguém ou qualquer coisa assim.
- É possível, mas é melhor a gente não menosprezar uma oportunidade a mais de compreender a nossa situação e as nossas capacidades para a guerra que está por vir, afinal, somos os Nove Escolhidos. Seria, também, muita coincidência, pois o e-mail e o Canal X têm muitas coisas em comum.
Eu já passava a achar que o próprio Canal X fosse uma grande palhaçada, inventada por uma rede de TV pretensiosa querendo fazer um reality show com a nossa burrice. Ela continuava me bombardeando com informações a respeito da terrível invasão, até que, de repente, a campainha do apartamento toca.
- Quem poderia ser? – perguntei.
- Provavelmente o Ben.
- O Ben? Mas por que diabos ele viria aqui?
- Eu chamei todos os escolhidos para essa reunião. O Ray disse que estaria ocupado e que sentia muito por não comparecer. Ben disse que viria, porém um pouco mais tarde, pois tinha que buscar os irmãos mais novos na escola.
- Mas o Ben jamais levaria a sério essa história toda que vc me contou!
- Acredito que não. Contei a ele, durante a aula, qual seria o tema da nossa reunião e mesmo assim ele compareceu. Isso só pode significar que ele assistiu ao Canal X e que acreditou no que viu.
Dito e feito. A menina abre a porta e entra ninguém menos que Ben, vermelho e ofegante de uma forma absolutamente escandalosa após subir os sete andares. Aquele gordo idiota não podia ter aparecido numa hora mais inconveniente.
- Droga, Ben, o que vc ta fazendo aqui?
- Foi ela quem me convidou e vc não tem nada haver com isso. – disse o gordo apontando pra Emily. O Ben tinha a mania de não chamar os outros pelo nome, principalmente meninas.
- Não vai me dizer que viu o Canal X e agora voltou pra nos pedir desculpas pela tua falta de educação?
- Eu não sei o que vcs fizeram com a minha televisão, mas ainda não acredito em uma palavra que vc disse aquele dia.
- Então por que vc ta aqui.
Ben desviou o olhar. A pergunta parecia tê-lo deixado nervoso.
- Não é da tua conta.
A Emily pediu para que sentássemos na cama para que ela pudesse explicar mais uma vez aquela história toda. Ela permanecia de pé e eu, que antes estava levemente encostado a uma menina sozinha em seu quarto, agora estava levemente encostado a um gordo suado e ainda ofegante que curtia comer meleca de nariz. Passamos o dia daquele jeito. Naquela noite eu mal pude dormir de tanto ódio daquele gordo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 4

- Max, por que estamos escondidos atrás deste arbusto?
- Shhh! Escuta Emily: fica quieta ta legal? Se eles nos descobrem, a gente ta ferrado.
Não, a gente não tava se escondendo de nenhum alienígena do futuro. A situação era bem pior. Deixa eu explicar: depois de ficar sabendo que Ben, o popular “comedor de melecas”, era o novo Escolhido (eu ainda não me conformava com isso), a Emily insistiu pra que a gente abordasse o cara na saída da aula. Tentamos alcançá-lo antes que fosse embora, mas a situação era muito pior do que imaginávamos. O pobre Ben já havia sido abordado antes da gente por ninguém menos que Budd Tysel e sua turma. Este era o valentão do colégio. Gordo, alto, cabelo ruivo cortado ao estilo militar, sardinhas na cara e os olhos sempre serrados. Andava sempre acompanhado de dois outros fanfarrões, o Billie Joe, um cara alto e magro com cabelo pelo ombro e o Spike, um sujeito louro metido a brigão. Havia uma lista de pessoas de quem o Budd cobrava uma “taxa de segurança” para perambular pelo pátio da escola. Ben estava nessa lista e parece que não havia pagado seus impostos. É claro que a única pessoa que ameaçava a segurança dos alunos era o próprio Budd e sua turma, por isso, nada mais lógico que pagar a taxa diretamente pra ele. O pobre Ben estava, no momento, levando uns tapas na nuca e logo levaria o lendário “cuecão”, uma prática de tortura física e psicológica que consistia em puxar a cueca do torturado para cima por um ou mais indivíduos até que o elástico da cueca estourasse. Era uma situação bastante frustrante. Por que eu e Emily estávamos escondidos atrás do arbusto? Lógico. Eu também estava na lista da taxa e não havia pagado aquele mês.
Emily e eu assistimos escondidos à prática do famigerado cuecão no gordinho infeliz que caiu deitado no chão, e sua cueca continuou na mão de Budd, partida pela metade. Budd falou de uma forma bem hostil:
- E então, gordo, não vai chorar não?
Ben não chorava, não reclamava e nem ao menos reagia. Apenas suportava sua punição de forma estóica.
- Aposto que o bebêzão ta tão assustado que nem consegue chorar, ehehe – disse Billie Joe.
- Ei Budd, vamos pegar todo o dinheiro dele! – propôs Spike, todo fanfarrão.
- Não adianta, seu burro. – Budd deu mais um chute nas ancas de Ben, que ainda estava prostrado no chão. – O maricas não tem um mísero centavo. É um gordo inútil mesmo. Escuta aqui, Watchosk, da próxima vez é bom que traga o dinheiro que me deve, ta legal? E diz pro teu amiguinho, o Carter, que eu não me importo se ele se tornou amiguinho do pessoal do football, pois quando eu pegá-lo, ele terá o mesmo tratamento especial que você!
Os valentões, enfim, foram embora e deixaram o pobre Ben no chão. Meu nome completo é Max Carter, ou seja, eu tava em maus lençóis, por isso me escondia atrás de um arbusto. Após os caras sumirem do meu campo de vista, fomos ver a situação em que o Ben estava. Ele ainda estava deitado no chão, se recuperando da situação.
- Me deixem em paz.
- Não podemos fazer isso Ben. – falei - Vc ta bem?
- Eu já disse pra me deixarem em paz.
- Por que vc não chorou, Ben? – perguntou Emily, de uma forma bem sincera. Droga, aquela sinceridade apenas pioraria a situação.
- Eu não choro, droga.
- E por que não chamou por ajuda? – perguntei.
- Não é da sua conta.
- De qualquer forma, estamos aqui para falar algo muito importante para vc. Algo que diz respeito ao futuro da humanidade. Explique pra ele, Max.
- Droga, Emily, olha o estado do cara! Agora não é uma boa hora pra fala sobre essas coisas.
- Amanhã pode ser tarde demais. É preciso que a gente se apresse.
Como você pode imaginar, ela acabou me convencendo e eu acabei falando o mesmo discurso decorado que fiz pro Ray sobre alienígenas do futuro com poderes psíquicos, Canal X e essas coisas. Ao final do discurso, Ben, ainda esparramado no chão, me olha seriamente e diz:
- Que Droga, Max, vc acha que eu sou idiota? Não tenho tempo pra essas idiotices. – levantou, bateu a poeira, nos deu as costas e partiu sem nem ao menos se despedir da gente.
- Ótimo não é, Emily? Tava na cara que, uma hora ou outra, alguém com bom senso iria nos achar um par de idiotas.
- Creio que não. Achei que ele parecia bastante interessado.
- O que é que vc ta dizendo? Não viu o que ele disse?
- Ele disse isso agora, mas, com certeza, a curiosidade vai fazer ele conferir o Canal X. Eu tenho um pressentimento disso.
- Caramba, vc é muito otimista.
- Não é questão de otimismo. Cada um de nós, os Escolhidos, tem um poder especial. Ben e Ray ainda estão por revelar os seus. O meu é o de captar presenças sobrenaturais, no entanto, acredito que o seu seja o mais importante.
- Meu poder? Do que é que vc ta falando?
- Vc tem o poder do convencimento. Vc é o único que pode convencer os outros Escolhidos de que a nossa história é verdadeira.
- Como vc sabe dessas coisas?
- É minha intuição.
Cara, eu simplesmente odiava quando ela falava essas coisas abstratas sobre pressentimentos e intuições.
- Além disso, - continuou ela – também recebi um e-mail das pessoas do futuro explicando nossos poderes. Mas eu já previa quais eram antes de receber o e-mail.
Ta ótimo, agora tudo fazia o maior sentido. Eu começava a pensar se essa historia de Canal X não era só uma ilusão coletiva que a gente tava tendo. Talvez uma indústria química tivesse acidentalmente dispensado um produto no reservatório de água da cidade que causasse alucinações. Sei lá. Fomos embora.
Peguei meu skate e voltei pro conforto da minha casa. As ruas já estavam vazias. Estava calmo, do jeito que eu gostava. Dava até pra fazer manobras no caminho. Sempre adorei a paz das ruas vazias ao anoitecer. Pensei que aquele dia horrível finalmente tivesse acabado, foi quando estaciona ao meu lado um carro vermelho, conversível, dirigido por ninguém menos que Ray, que já tinha idade pra dirigir, e transportando Ashley, Henry, Eddy e uma outra menina da torcida do football. Ashley e Ray, pelo visto, já haviam reatado. Algo me fazia ter um péssimo pressentimento sobre aquela situação.
- Ei Max! E ai, quer uma carona?
Ashley e os outros me encaravam com um olhar de puro desprezo, enquanto Ray continuava com aquele sorriso amigável de sempre.
- Há há.. Não precisa se incomodar não. Eu to bem. Eu to de skate, por isso é fácil chegar em casa.
- Vamos lá Max, eu insisto. Te levo pra onde vc quiser.
- Que é isso cara! Não precisa se preocupar não. A minha casa é bem perto daqui. Não esquenta com isso não, ahaha...
Eu estava absolutamente desesperado. Uma viagem como aquela seria terrível. Percebi que tinha que contornar a situação sem parecer um perdedor idiota.
- Tem certeza disso Max? Não tem problema nenhum, sempre cabe mais um amigo no meu carro.
- Certeza, pode ir tranqüilo por que eu to quase em casa ta legal? Ahahah...
- Bem, vc é quem sabe. Então nos vemos amanhã na escola. Até mais!
- Até mais!
Me senti profundamente aliviado. Imagina só, eu no banco de trás com aqueles caras idiotas? Além de ser alvo de todas as chacotas eu ainda odiaria perder aquela rua vazia, perfeita para algumas manobras. Enfim, voltei para minha casa e pensei que nada de pior poderia me acontecer. Eu mal sabia o que me esperava para o futuro.

Ciranda dos Anos Noventa

Mil anos de paraíso para você!
É como brincar de pega-pega e esconde-esconde ao mesmo tempo
mas tem aquele garoto que você não consegue pegar de jeito nenhum
e você corre mais e mais... e corre como se fosse correr para sempre.
Ai chega o amor e enche teus pulmões de sangue quente
e você quer correr mais rápido que o vento.
Mais rápido até que o próprio Flash.
Atenção tripulação! Dispensar a carga do coração, da cabeça e da barriga.
Você nunca se sentiu tão feliz, não é?
“É tão emocionante!” ela diz, mas é muito mais que isso.
É divertido.
Cuidado! É o mundo?
Sim! De repente, o mundo está ruindo às nossas costas
Esta é a hora da mágica Ciranda dos Anos Noventa.
O tempo é comprimido, mas a velocidade continua
e são mais mil anos de paraíso para você!



Você pode chorar agora...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 3

Mais uma semana passou desde que Ray se tornou um dos Escolhidos. Era hora do almoço e eu estava no refeitório. Fui o primeiro a chegar à mesa. Estava esperando por Emily para que ela pudesse me manter informado sobre os novos casos de aparições extraterrestres e essas coisas. Aquilo era um tédio. Ray, como era um cara muito popular, dividia sua atenção com a gente, o pessoal do football, as garotas e mais um bando de gente. Eu nunca gostei de pessoas que tem bastante amigos. Ray até que não era tão ruim quanto eu pensava, mas eu ainda não gostava dele. Sempre odiei os caras populares.
Era segunda-feira. Eu odeio esse dia. Estava um tédio, até que a Emily chegou.
- Bom dia! – eu a cumprimentei com um sorriso no rosto.
- Bom dia. - disse ela, absolutamente séria.
Havia algo de diferente nela. Estava com os cabelos presos, o que tirava aquela franja da frente dos seus olhos. Nunca havia reparado naqueles olhos azuis que ela tinha. Ela até que era bonitinha. Me passou pela cabeça que eu poderia investir em um relacionamento com ela se ela não fosse tão estranha. De repente, pensei: “por que não?”. Afinal, eu nunca havia ficado tão próximo de uma menina como estava dela, e ela não parecia ter muitos pretendentes, então a pior parte, que é a da rejeição, eu já pularia. Se eu não gostasse, simplesmente terminava com ela. Mas e a coragem para falar qualquer coisa desse tipo pra uma menina? Droga, eu sempre odiei esse meu jeito envergonhado.
Havia duas semanas que almoçávamos juntos, só eu e ela. Às vezes o Ray passava só pra conversar rapidamente com a gente, saber das novidades, mas o cara fazia um verdadeiro rodízio de mesas, todo dia almoçando com uma galera diferente. Eu e Emily ficávamos a sós, pois ninguém queria sentar-se à mesa com perdedores como a gente. De repente, justo quando eu pensava em algo pra dizer à Emily, que estava particularmente atraente naquele dia, senta em nossa mesa Ben Watchosk. O cara estudava na nossa sala, aliás, ele estudava na mesma turma que eu havia muitos anos. Era o mais próximo que eu tinha de um amigo, mesmo assim eu o achava muito idiota, e evitava andar com ele temendo pela minha reputação. Era um garoto gordo que comia, no almoço, dois hambúrgueres e, de sobremesa, mais um pacote de batata-frita. Passava a aula inteira desenhando e era fã de quadrinhos. Era conhecido desde o primário por ser o “garoto que come meleca de nariz”, e aposto que ele devia fazer isso até hoje. O cara tinha que se aproximar de mim justo quando estou com uma garota?
- Droga Ben, vc não tem outra mesa pra sentar não? – reclamei.
Ele me olhos com uma cara de bravo e respondeu todo nervoso:
- Eu sento onde quiser. Por acaso teu nome ta escrito na droga da mesa?
A Emily ficou absolutamente calada, apenas observando a situação. Aconteceu que o cara almoçou com a gente e a nossa mesa se tornou a mesa oficial dos perdedores da escola. Ben não disse uma palavra sequer durante a refeição, só comeu como um porco, sem olhar pra cara de ninguém. De repente, pra melhorar a situação, passa o Ray acompanhado de ninguém menos que Ashley. Essa era uma menina realmente gata, mas também era a mais chata da escola. A garota era tão perfeita que te deprimia: fazia parte da torcida do time do Ray, concorria ao título de líder de torcida com a Whitney, era uma das alunas com melhores notas da escola, era boa em vários esportes, era representante da sua turma, concorria à presidência do grêmio estudantil, vinha de uma família super-rica, blá, blá, blá...
- E aí, gente! Podemos sentar com vcs? – perguntou o Ray, todo animado.
As reações foram diversas. Ray continuava com aquele sorriso modesto que eu detestava, a Emily sempre indiferente e Ben nem tirou os olhos do segundo sanduíche, mas o que foi impressionante mesmo foi a cara de estupefação que a Ashley fez.
- Você deve ta de brincadeira né Ray? Olhe só pra esses caras. É a maior concentração de perdedores que eu já vi.
Ótimo, agora eu fazia parte da maior concentração de perdedores da escola. Emily só a olhava séria, pois era imune ao que as pessoas pensavam dela. Ben só pensava em partir pra sobremesa. Eu não tive coragem de dizer nada, pra variar. Foi Ray quem repreendeu a garota.
- Pare com isso, Ashley. Não é bom falar essas coisas pras pessoas.
- Mas Ray, o que deu em vc? Por que tem dado atenção a eles? Não vê que a nossa reputação estará arruinada se passarmos a andar com este tipo de gente? Veja só: é a garota mais estranha do colégio, o comedor de meleca e... bem... nunca vi este outro ai, mas aposto que é tão fracassado quanto os outros. Como entraremos em uma boa faculdade andando com este pessoal?
Nunca agradeci tanto por alguém não lembrar de mim. Os dois continuaram discutindo sobre o assunto até que, depois de alguns insultos a mim e ao resto da mesa, a expressão de Ray mudou completamente. Nunca o vi tão zangado. Ele ficou sério, deu as costas à Ashley e disse:
- Você me dá nojo, Ashley.
Saiu do refeitório sem almoçar. A Ashley pareceu ficar arrazada. Todo mundo sabia que ela tinha uma queda pelo Ray desde que eles eram novos. A garota ficou sem reação nenhuma, olhando o amado ir embora sem ela. De repente, surge do nada Whitney e suas amigas, todas de salto-alto, bolsinhas a tiracolo e roupas de marca, rindo histericamente. A coisa era assim: Ashley e Whitney eram as garotas mais populares do colégio e as duas eram apaixonadas pelo Ray, que era, por sua vez, o cara mais popular do colégio (o que é bastante previsível). As duas eram rivais assumidas em tudo, desde títulos de miss colegial até a presidência do grêmio estudantil. A diferença é que Ashley era boa em tudo, enquanto Whitney, apesar de ser gostosa, era burra como uma porta, mas também vinha de uma família milionária.
- O que foi, queridinha? O Ray finalmente se cansou de vc? Não fique triste, isso acabaria acontecendo uma hora ou outra, hu hu hu...
- Isso não é da sua conta. Para sua informação, nós estamos muito bem sim, obrigada! Isso aconteceu só porque Ray está nervoso com a nova temporada de jogos que está chegando e com os exames semestrais. E você, querida, está pronta para os exames?
Ashley acabava de pegar Whitney pelo ponto fraco. Todo mundo sabia que ela era extremamente burra, inclusive ela mesma. As duas ficariam ali discutindo por um bom tempo.
- Sim, meu bem! Você verá. Mas de qualquer jeito, para que estudar quando você já tem uma vaga reservada em uma boa faculdade particular? É como eu sempre digo: deixe os estudos para os perdedores, pois eles realmente precisam. Querida, a conversa ta ótima, mas eu preciso retocar a maquiagem, até mais! – e mandou um beijinho para Ashley, que ainda estava arrasada com o que Ray havia dito e nem ao menos respondeu a saudação.
Assim que elas foram embora, Ashley olhou diretamente para mim com um olhar de pura raiva. Algo me dizia, desde o começo, que sobraria para mim.
- É tudo culpa sua. Sua e dos seus amigos fracassados – disse a garota, bufando, e saiu com passos firmes. Eu soube, desde que acordei aquela manhã, que aquele seria um péssimo dia.
Após toda a confusão, Ben, que já havia terminado até mesmo com a batata-frita, pegou sua bandeja, levantou e saiu sem nem ao menos dizer tchau pra gente. Emily continuou a fita-lo de maneira muito séria até que o gordo sumisse do nosso campo de visão.
- Eu sabia que este cara nos traria má sorte hoje. O Ben sempre estraga o meu dia, certa vez... – Emily me interrompeu.
- O nome dele é Ben?
- Hã... Sim, por quê?
Emily me apontou aquele olhar característico. Eu pensei “não pode ser...”.
- Ele é o quarto Escolhido. Posso sentir.
Enquanto toda aquela confusão acontecia, a única coisa na qual Emily prestava atenção era na “aura” do Ben. Aquilo sim era má sorte. Imagina só: o “comedor de meleca” agora era um dos protetores da galáxia. Não adiantava duvidar ou reclamar da Emily, eu sabia que ela sempre acabava me convencendo a falar as coisas idiotas sobre alienígenas do futuro pras pessoas. Eu começava, então, a me arrepender por ter começado com essa história de alienígenas.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O fim do mundo, cap. 2

Uma semana se passou desde que Emily e eu passamos a andar juntos. Não sei por que raios ela estava sempre me seguindo para qualquer lugar, falando sobre os casos de aparições de óvnis que ela via nos jornais e na internet. Aquilo estava se tornando um pouco chato, mas bem, eu não podia reclamar. Agora, durante o almoço, eu estava sempre acompanhado de uma garota, o que fazia com que todos os meus amigos (se é que posso chamá-los assim) e todo mundo do refeitório me olhassem diferente. Era legal, apesar de minha companhia ser a menina mais estranha da escola.
Foi durante o almoço que ela me falou sobre sua nova revelação. Deixa eu explicar isso: Após assistir ao Canal X, ela insistiu para mim que passou a ter um poder especial: o de identificar, com apenas um olhar, seres sobrenaturais. Eu fazia de conta que acreditava, mas não sabia até que ponto ela tava zoando com a minha cara. O fato é que agora ela poderia, supostamente, não só reconhecer alienígenas disfarçados de humanos ou animais ou qualquer objeto (segundo ela, essa era uma ameaça constante) como, também, poderia identificar os demais Escolhidos, que possuíam uma aura colorida e diferente das pessoas normais. Toda essa situação foi interessante até que, uma semana depois, ela identificou o novo escolhido em nossa escola.
- Eu não acredito que ELE seja nosso novo parceiro. Por que, em meio a tanta gente, ter q ser justamente ele?
- Não fui eu que o escolhi, Max, simplesmente é o que a aura dele me diz.
Estávamos falando de ninguém menos que Raymond Taylor, o popular Ray. Capitão do time de football da escola. O cara mais popular de todo o colégio. Sempre vestia a jaqueta vermelha com o símbolo da escola. Sempre andava acompanhado de um brutamonte careca com cara de mau chamado Henry e um outro cara alto com um topete lambuzado em gel chamado Eddy, sem falar das meninas lindas e descoladas da torcida do time, como Ashley e Whitney, as garotas mais populares do colégio. Eram considerados os caras mais maneiros da escola pelos homens e os mais bonitos pelas meninas.
- Ta certo, Emily, veja bem: nós estamos falando de Raymond Taylor, o RAY. O cara mais popular da escola. Como nós faremos, simplesmente pediremos licença para o resto do pessoal descolado e falaremos para ele sobre a terrível ameaça alienígena que assola nosso mundo?
Ela me olhou séria como se não entendesse a minha situação. Ela também não parecia saber direito com quem estávamos lidando.
- Era exatamente este o meu plano – disse ela, com uma calma e uma seriedade que eu não pude acreditar que aquilo fosse uma brincadeira.
Eu estava chocado. Depois de fazer uma idiotice destas, justamente com o Ray, eu seria considerando o novo “esquisito” da escola. Minha reputação, que nunca foi lá essas coisas, ficaria pior ainda.
- Escuta Emily, eu jamais farei isso, ta bom? Você fala com ele se quiser, eu ficarei espiando de longe. O que seria da minha reputação depois de uma situação dessas? Eu me recuso, ta legal? Eu, definitivamente, me recuso!
Porém, eu sou mesmo um pamonha e ela acabou me convencendo a falar com Ray, com tanto que ela estivesse junto a mim na hora de passar vergonha, o que não fazia muita diferença pra ela.
Emily e eu fomos juntos ao encontro do pessoal mais descolado da escola. Assim que nos aproximamos, interrompendo a conversa, fomos metralhados com olhares estranhos, como quem diz “o que querem aqui, derrotados?”. De repente, Emily, absolutamente calma e indiferente aos olhares, falou:
- Raymond Taylor, nós precisamos conversar com vc.
Muitos olhares estranhos. Eu estava paralisado. Ray parecia muito calmo.
- Ok, podem falar.
- Desculpe, mas gostaríamos de falar a sós com vc.
Nunca havia me sentido tão envergonhado. Era muito pior que a vez da Emily. Os tais Henry e Eddy nos olhavam de forma bem hostil.
- Hum... Ta bem. Eu volto daqui a pouco galera. – disse Ray para seus camaradas que estavam surpresos com o fato dele estar dando atenção à gente.
Fomos a um lugar mais reservado.
- E então, o que vocês querem?
- Explique pra ele, Max.
- EU? Por que eu? A gente combinou que vc diria, lembra?
- Se você foi capaz de me convencer, também será capaz de convencê-lo. Não tenha medo.
Droga, aquilo estava cada vez pior.
- Ta bem, mas antes de tudo, me deixa explicar que isso foi tudo pensado por ELA – e apontei para Emily – e que eu não tenho nada haver com isso ta legal?
Ele concordou. Eu falei tudo da mesma forma que falei pra Emily, pois eu já havia decorado aquele discurso. Ele nos olhava absolutamente surpreso. Depois de um tempo processando a informação, ele levou uma mão à nuca e coçou. Deu uma risada modesta e disse:
- Haha... Bem, vocês me pegaram desprevenido. Não esperava algo tão absurdo assim.
Eu sabia. Tava certo: Max, o cara do primeiro ano, seria o novo menino esquisito da escola. Minha reputação, finalmente, terminava em ruínas. Emily continuava o fitando muito séria para deixar claro que aquilo não era brincadeira. Foi quando Ray continuou:
- Porém, não sei ao certo o que é, mas tem algo em vocês que me passa muita confiança. Pra ser sincero, eu ainda não acredito no que vc disse, mas prometo que darei uma conferida no tal “Canal X” essa noite e prometo também que não contarei a ninguém sobre isso.
- Ta bem, manteremos contato com vc. Até breve. – disse Emily, já me puxando pelo braço para longe.
Aquilo estava ficando mais estranho a cada dia. Aquele cara legal era Raymond Taylor, o Ray que eu sempre odiei? O cara metido a herói da escola, agora bancando o bom sujeito? O lendário Ray, assistindo ao Canal X? Aquilo era muito esquisito para mim. Emily parecia achar o percurso da nossa aventura bastante normal. Ela vivia num mundo a parte. Aposto que ela nem devia saber quem era Ray, Eddy, Whitney e toda essa gente antes de falar comigo. Quando não estava me metralhando com informações sobre a nova revista óvni, estava sempre em sua carteira, quieta, lendo um livro antigo com cheiro de mofo que ela nunca devolvia à biblioteca.
Bom, pra piorar a situação, no outro dia, ao chegar na escola, me deparei com ninguém menos que Ray, o próprio, esperando na porta da nossa sala. Ele me abordou de imediato.
- Cara, isso foi realmente alucinante! Eu nunca imaginei que algo assim poderia acontecer conosco. O Canal X é real! Desculpe por não ter acreditado em vc, Max. E então, que horas Emily sempre chega? Ela está um pouco atrasada para a aula, não está?
Passei um bom tempo pensando em como Ray sabia meu nome. A Emily tudo bem, pois ela era conhecida por todo mundo por suas esquisitices, mas como ele me conhecia? Assim que Emily chegou, nós começamos a conversar sobre a invasão, os alienígenas e toda essa palhaçada. De repente, Henry, Eddy e o resto do pessoal maneiro do time de football aparece.
- Ei Ray, vamos nessa!
- Ok, eu já vou, Henry. Só preciso conversar algumas coisas com meus amigos aqui.
A cara com que Henry me olhou ao ouvir a palavra “amigo” foi indescritível. Não dava pra saber se ele ficou bravo ou se achou que fosse uma piada. Só sei que nossa aventura continuou, cada vez mais estranha e inesperada.