segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O fim do mundo, cap. 17

Era domingo. A gente faria uma reunião no galpão do velho McCain. Deixa eu te explicar como ficou essa história: após o discurso da Emily, o velho maluco resolveu nos ajudar, mas não nos emprestou a casa. Atrás do terreno havia um galpão velho que era usado pra estocar móveis antigos, e o velho decidiu que seria melhor que fizéssemos nossa base lá. Foi até melhor, pois o lugar era mais isolado. Foi um dia bem estranho. Depois de tudo o velho fez até biscoitos pra gente.
O fato é que, enquanto eu, Emily e Claire íamos para o Q.G. (era assim que Emily chamava o galpão do velho McCain), passamos por uma quadra velha de basquete, coberta por uma cerca. No meio desta quadra estavam Ben e Johnny praticando as tais aulas de autodefesa. Paramos para assistir. As garotasse encostaram à grade. Preferi manter uma certa distância, mas observei tudo. Torcia para que acabasse numa briga emocionante.
- Será que vai dar tudo certo? – perguntou Claire.
- Não sei – respondeu Emily.
- Digo, não há perigo de os garotos se machucarem?
- Não sei.
- Ah Claire, não esquenta com isso. É isso que eles querem fazer não é? Deixe que se machuquem – disse eu. De fato, eu queria mais é que os dois saíssem no braço. Seria algo bastante emocionante praquela tarde tediosa de domingo.
As garotas estavam de mãos dadas. Claire fazia questão de manter uma proximidade de nós, os demais Escolhidos, e isso incluía uma proximidade física, mas com a Emily ela investia pesado no toque. Estavam sempre de mãos dadas ou braços enganchados ou abraçando-se. A Emily era sempre indiferente, mas Claire não parecia se importar muito com isso. Ela segurava a mão de Emily com uma das suas e com a outra segurava a grade. Parecia mesmo preocupada com a situação dos idiotas.
- Ok garoto, vamos voltar para o básico. Por que é que a humanidade briga entre si desde o começo dos tempos? – perguntou Johnny com uma mão na cintura e a outra segurando sua jaqueta de couro no ombro.
- Sei lá. O que isso tem a ver com autodefesa? – Pow! O gordo levou outro daqueles tapas na cabeça.
- Ai! Qual é a tua? – reclamou Ben.
- Droga carinha, já te disse que isso é pra te dar inspiração! Escuta: a gente briga pra aliviar a tensão. Isso mesmo, não há nada que te deixe mais relaxado que uma boa briga. E tem mais, quando digo brigar não quero dizer bater. Digo apenas brigar, entende? Na maioria das vezes, levar uma bela surra te deixa bem mais relaxado que bater em alguém.
Ben encarou o mestre de forma curiosa.
- Se apanhar é melhor que surrar, por que vc ta me ensinando essa droga de autodefesa? – Pow! O gordo levou outro tapa na cabeça. Não entendi por que. O gordo tava certo. Aquilo não fazia sentido nenhum e eu teria perguntado a mesma coisa.
- Não garoto! Não pense assim. Droga, vc é lento... Não entende? Vc não pode passar o resto da vida evitando as brigas, muito menos se entregando a qualquer valentão que queira te bater. O esquema é revidar, mesmo que a briga esteja perdida. Mesmo que vc não tenha a mínima chance de vencer. Quando vc sabe que apanhar, muitas vezes, é melhor que bater, vc sente que não tem nada a perder e ganha confiança. Tendo confiança vc nem ao menos precisa brigar, basta demonstrar coragem e ameaçar os desgraçados. Acha mesmo que eu venceria aquela briga com Budd e sua turma? É muito difícil ganhar uma briga de três contra um, mas o segredo está em não deixar que teus adversários saibam que vc sabe disso, entende?
Ben escutava com atenção. Nesse momento o conversível de Ray estaciona ao nosso lado. O cara tava com a Ashley. O casal perfeito desembarcou e foi ter com a gente.
- E ai gente, o que é que ta rolando? – perguntou Ray sorridente.
- Ah... O Johnny ta dando umas aulas de autodefesa pro Ben, mas até agora só tão conversando. Ta chato pra caramba – respondi.
- É mesmo? Puxa, o Johnny preparou até uma aula teórica! Essa eu não posso perder – e Ray encostou-se à grade, ao lado das garotas, com uma expressão de curiosidade e animação. Ashley permaneceu ao meu lado, de braços cruzados e uma expressão de desprezo. Qual é o tipo de cara que se anima com aulas teóricas de autodefesa? Vai saber. Mantive a mesma distância dos primeiros momentos e voltei a assistir à aula.
- Mas e se a ameaça não funcionar? – perguntou Ben.
- Aí é que ta o segredo! Se vc não se importar em apanhar, vc também não terá nada a perder. E como eu disse, levar uma surra e ficar com o corpo dolorido muitas vezes é bem mais relaxante que bater em alguém.
O gordo pensou.
- Não acredito nisso. Já apanhei varias vezes e nenhuma delas foi legal.
- É porque vc ainda tem medo da dor. Lembre-se sempre que a dor é sua amiga. Mesmo que vc bata nos caras, teus punhos sempre ficaram doendo por causa do impacto com as caras feias dos imbecis. A dor sempre estará ao teu lado. O importante é saber lidar com ela, e saber que ela, unida à força, é que fazem um bom soco ou um bom pontapé.
Ben levantou uma sobrancelha e ficou com cara de “o quê?”. Johnny suspirou, jogou sua jaqueta, levantou o braço com a mão aberta e disse:
- Melhor passar para as aulas práticas. O negócio funcionará da seguinte maneira: vc acerta um soco na minha mão, com toda a força, depois eu acerto um na tua. A gente vai repetir isso até vc superar o medo da dor.
- Pare de falar isso. Eu não tenho medo da dor!
- Então o que te segura na hora de revidar os socos de Budd Tysel?
O gordo baixou a cabeça. Falou do jeito entrecortado de sempre:
- Não é da tua conta.
Johnny suspira mais uma vez.
- Vai logo carinha. Acerta o soco.
Pow. Ben acertou um soco de leve que mal estalou. Johnny apenas fez um “tsc tsc”.
- Agora é minha vez. Abre tua mão.
- Ei, eu não quero! A idéia foi tua.
- Deixa de ser fresco e abre a mão! Depois que perceber que eu não to pra brincadeira, aposto que se sentirá muito mais a vontade pra me bater.
E Ben levou o soco. POW! O gordo se apressou em gemer e chacoalhar a mão.
- Ai! O que deu em vc?
- Não esquenta garoto. A mão com que vc bate é a outra. Vai lá, agora desconta toda a dor que eu te fiz passar nessa palma aqui – disse Johnny levantando a mão.
- Droga, eu não quero. Me deixe em paz.
- Vamos! Eu não acabei de te acertar um soco? É teu direito. Vai lá, me acerta. Qual é, ainda com medo da dor?
O gordo bufou. Parecia bastante revoltado com essa história.
- Já disse que não tenho medo da dor! Eu só... Eu só não quero machucar ninguém.
Silêncio. Johnny coçou a nuca, suspirou mais uma vez e disse:
- Olha carinha, eu entendo que não goste de machucar as pessoas, mas tem vezes que é preciso escolher quem é que vai se machucar entende? Serão os idiotas que machucarão vc ou será vc que machucará os idiotas? O problema, garoto, é que eu nunca conheci um cara com menos amor próprio que vc. Sabe do que vc precisa? Encontrar alguém por quem lutar.
Ben encarou o mestre com cara de dúvida. Johnny continuou:
- Aposto que vc já se apaixonou por uma garota né? Todo mundo se apaixona uma hora ou outra. Pense que eu sou Budd Tysel e que estou fazendo a tua garota chorar. Consegue visualizar a cena?
Nessa hora Ben olhou para nossa direção. Parece olhar fixamente para um de nós. Será que a paixão dele era uma das garotas? Só sei que, por um momento, tive a impressão que o cara olhou pra mim. Sai azar!
- Vai Ben, isso mesmo. O safado do Budd Tysel ta magoando a tua garota. Ela nunca mais vai sorrir do mesmo jeito que sorria pra vc. E aí, vai deixar barato? Olha o rosto de Budd, aqui, bem na palma de minha mão. Ta vendo? – insinuava Johnny.
O cara sabia mesmo criar o ambiente certo pra despertar a ira contida em potencial nos outros. De repente, Ben franziu as sobrancelhas, puxou o braço com violência e POW! Bem no meio da palma de Johnny. Além do barulho do soco, ouvimos outro barulho característico. Aquilo não podia dar certo. Era um CLACK! Nessa hora, Johnny segura o pulso acertado com a mão, põe entre as pernas, se joga no chão e começa a se contrair e a se debater gritando:
- Ai! Seu safado! O que deu em vc?! Vc quebrou meu pulso! Seu babaca! Ai, ai, ai, filho da mãe... Nunca senti uma dor assim...
Esta sim foi uma situação idiota. O gordo apenas observava Johnny rolar no chão com uma cara de “o que foi que eu fiz?”. Claire puxou Emily para dentro da quadra e foi socorrer o infeliz. Olhei pro Ray, esperando sua reação ao acontecimento. O cara só sorria boquiaberto de um jeito idiota e dizia:
- O Johnny é um gênio!
Emily estava satisfeita, pois descobriu que a habilidade especial do Ben era a super-força. Por que o idiota nunca revelou a droga do poder quando a gente realmente precisou dele? Falando nisso, assim que vi Johnny se debatendo de dor, lembrei de algo antigo da minha infância. Algo de quando eu costumava ir na casa do Ben. Como já falei, sempre rolava umas festinhas horríveis naquela casa. Lembro de um bando de crianças fazendo chacotas com um Ben gorducho, baixinho e com um chapeuzinho de festa ridículo. Se é que eu podia lembrar bem, o gordo era uma máquina assassina e arrebentava as caras de todo mundo na festa. Não sobrava ninguém pra contar história. Foi assim até que um menino foi pro hospital, e uma mãe chorava desesperada, gritando pra Senhora Watschosk: “seu filho é um monstro!”. Que lembrança mais aleatória! É aquele tipo de coisa da infância que fica meio esquecida em alguma parte qualquer do cérebro.
Após o ocorrido, carregamos Johnny até o carro de Ray e o levamos ao hospital. Não chegou mesmo a quebrar o pulso, mas o cara teria que usar gesso por uns dias. Depois de tudo Ray levou cada um de nós para suas respectivas casas e a reunião no McCain foi abortada. O problema (que percebemos só no outro dia) é que ninguém lembrou de avisar o cara novo, o Dwight, sobre o cancelamento da reunião, e o bobalhão ficou esperando na frente da casa do velho por horas. Não seria a ultima vez que faríamos algo assim pro coitado do Dwight.

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