segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Crônicas do Mundo 2

~Desventuras no Castelo Voador~

A. despertou, mais uma vez, em um lugar desconhecido. Dormia em um divã bonito, coberta por uma manta veludosa. Estava em uma sala entranha, com um belo lustre dourado, uma poltrona vermelha à sua esquerda, uma lareira acesa à sua frente e um tapete de pele de urso ao chão. Era uma sala confortável e A. estava sonolenta, mas antes que pudesse puxar sua coberta e voltar a dormir, uma pequena tropa de brinquedos, que contava com bonecas, ursos de pelúcia e soldadinhos de chumbo, atravessa a sala de forma apressada. Os brinquedos diziam: “A Senhorita está triste! Precisamos nos apressar!”. Uma bonequinha desajeitada tropeçou e caiu de cara no chão. Os outros a deixam para trás. A pequenina levanta, bate seu vestidinho e volta a correr, implorando: “Esperem por mim!”. Espere... Aquela não era Blanche, uma das bonecas de A.? A menina ficou curiosa e decidiu seguir os brinquedos.

Passou por vários corredores curiosos, com quadros estranhos nas paredes. Retratos de gente velha. De senhores de bigode e cartola e de senhoras gordinhas com chapéus escandalosos. As pessoas nos quadros acompanhavam a menina com os olhos, o que era um tanto perturbador. Enquanto subia a escada em espiral de uma das torres, decidiu olhar pela janela e viu nuvens, pássaros e um mundo pequenino, a muitos metros abaixo. Estava num castelo voador, e voavam tão alto que quase podia pegar uma estrela com as mãos.

No fim da escadaria, A. chegou a uma grande e pesada porta de madeira com armações e uma pesada argola de ferro. A. não era lá muito forte, então teve que fazer muita força para abrir aquela porta ruidosa. A. entrou em um lugar lindo. Uma sala colorida, com afrescos de todo o tipo nas paredes que lembravam o seu Jardim, mas repleto de ninfas, cupidos e deuses gregos. O cômodo estava cheio de brinquedos. Atravessou a sala e chegou a uma passagem em forma de arco, coberta por uma cortina vermelha. A. atravessou a tal cortina e deu num quarto, onde vários brinquedos (incluindo Blanche) tentavam animar uma bela moça, vestida de luto e chorando desesperadamente sentada em uma bela cama vermelha. Era branca como um cadáver – aliás, era um cadáver de fato. Aquela era M., a garota que morreu ao cair da sacada no ano passado. M. havia se tornado um belo zumbi.

- Oh... – disse M. ao perceber A. em seu quarto – Não sabia que esperávamos visitas. Lamento por isso, sou uma garota muito sentimental... – secou o rosto com um delicado lenço de seda – Eu sou M., e você é? (...) Prazer em conhecê-la, A. Sinto muito, gostaria de brincar com você, mas no momento estou muito triste, com saudades da vida... Do sol, do calor, do gosto do chocolate e do cheiro dos meus perfumes. Vou voltar ao meu caixão dormir um pouco, mas por que não fica para o chá? Tenho certeza que será servido em breve.

A. não sabia o que responder. Por sorte sua conversa foi interrompida por um belo homem que adentrou o quarto às pressas. Tinha longos cabelos louros e uma capa colorida. Aquele era o mago Pierot, criador de brinquedos animados. Era mais jovem e belo do que A. imaginava. Dava pra entender porque tinha tantas namoradas.

- Minha querida, preciso me apressar: encontrei-a! Isso mesmo, a estamos seguindo no presente momento e... – o mago percebe A. – E você quem é? Bem, isso não é tão importante no momento. Sabe atirar?

Aquilo foi muita informação para a pobre A. que não pode dizer nada.

- Bem, para tudo existe uma primeira vez, não é? Conto com você, minha cara! – disse o mago dando uma espingarda para A. Era pesada e a garota tinha dificuldades em carregar o objeto.

Correram para a sacada do quarto enquanto M. fugia da luz do sol que entrava pela janela. Entre as nuvens, um ponto brilhante como uma estrela se destacava. Era a Fênix, um pássaro colorido que traçava um arco-íris no céu. Um dos 102 deuses do panteão do Mundo 2, que estava sempre voando na parte mais alta do céu. O mago puxou uma besta de sua capa e se pôs a atirar no belo pássaro. As cinzas daquele deus podiam reviver qualquer pessoa. Seria aquilo tudo por M.?

A Fênix falou, com uma voz pura e delicada como um cristal:

- Afastem-se, mortais. Não sabem o que estão fazendo. Se me enjaularem, estarão cometendo um terrível pecado. Serão gravemente punidos.

O mago riu e falou:

- Receio que nosso objetivo não seja capturá-la, bela ave. Queremos matá-la. E quanto às punições, não há deus esperto o bastante para me pegar! – e virou-se para A. – Vamos lá, minha jovem, atire! É nossa única chance.

A. se apressou em armar a pesadíssima espingarda. A Fênix voltou a se pronunciar com aquela voz gentil de xilofone:

- Pobres mortais... Encerrados nessa condição patética. Jamais superaram a morte. Jamais atravessaram os deuses. Jamais alcançaram o céu. É seu destino. Um destino triste...

A. atirou. Não viu se acertou ou errou. O baque foi tão bruto que a jogou para trás e a fez cair da sacada. Caiu por muito tempo. O mundo, lá embaixo, parecia cada vez maior. Seus cabelos voavam com violência. Com certeza morreria ao bater no chão. Seria nossa heroina a mais nova defunta daquele mago? Por sorte, A. despertou antes de acertar o chão.

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