terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fim do mundo, cap. 14

- Droga Emily, é isso que vc chama de base secreta? – perguntou Johnny irritado.
- Desculpa gente, mas acho que não vou com vcs. Esse lugar parece assustador... – comentou Claire.
- Vamos lá gente, vai ser divertido! Pensem que será uma grande aventura. Aposto que é nisso que vc ta pensando, não é, Emily? – perguntou Ray.
- Acho apenas que este pode ser um bom quartel general – respondeu a garota.
- Vcs não tem nada melhor pra fazer do que invadir propriedade alheia? A temporada de provas está quase chegando e vcs, ao invés de estudarem, preferem caçar fantasmas em uma mansão idiota? – protestou Ashley.
Ben apenas observava a discussão.
Era uma tarde ensolarada de sábado. Estávamos em frente ao casarão do velho McCain. Eu fui o primeiro a chegar, seguido de Ben, que morava ali perto, Emily, Ray e Ashley que estavam sempre juntos, Johnny e por última Claire, que veio com o motorista particular que voltaria para buscá-la às seis horas. Tínhamos bastante tempo até anoitecer, mas já havíamos perdido boa parte deste tempo discutindo a situação. Aquilo era um saco, sem falar que tava um calor dos diabos.
- Caso não saibam, o casarão do velho McCain é assombrado. Nem mesmo quando era líder dos Caveiras eu ousava entrar num lugar destes, aliás, ninguém ousava – disse Johnny.
- Ora, deixe de ser ingênuo! Fantasmas não existem – explicou Ashley.
- Talvez, mas prefiro não pagar pra ver. Sabem da história? Tudo começou há dez anos atrás. O velho McCain morava neste casarão com sua esposa. Até que, um dia, o velho descobriu que sua mulher o traía com o leiteiro. Sabendo disso, ele a matou com um cutelo, cortou seu corpo em treze pedaços e os escondeu entre o concreto das novas paredes da casa que estava em reformas. Até hoje ainda se vê manchas em forma dos membros da mulher nas paredes... – contou Johnny com uma voz sufocada e uma cara suspeita.
- Pare Johnny, por favor. Se vc continuar, aí sim que não entro nessa casa de jeito nenhum! – disse a pobre Claire. De fato, assim como naquele sonho, ela era a mais medrosa entre nós.
- Mas não é só isso! – continuou Johnny – Dizem que até hoje o fantasma da mulher do velho McCain vaga pelos cômodos do casarão, vestindo uma longa camisola branca manchada de sangue, lamentado, chorando e procurando seus membros perdidos. – disse Johnny pausadamente, fazendo caretas e se aproximando de Claire lentamente.
- Pára Johnny. Não tem graça! – reclamou a garota fazendo bico e se encolhendo. O fanfarrão apenas riu.
- E o que houve com o velho McCain? Foi preso? – perguntou Emily.
- Esta é a grande questão! O que poderia ter acontecido ao velho McCain? Após a morte da esposa, o velho sumiu misteriosamente. Ninguém sabe se ele foi embora para algum lugar fora do país, a fim de fugir da polícia, ou se sua esposa não teria se vingado, matando-o e espalhando seus membros pelo porão... – disse Johnny fazendo a mesma performance, com pausas e tudo, mas, desta vez, para Emily. Não deu certo. A garota continuou a encará-lo da forma mais indiferente possível.
- Será possível que todos vcs sejam idiotas ao ponto de acreditar numa baboseira destas? Só falta acreditarem também em papai-noel e coelhinho da páscoa – reclamou Ashley ajeitando seus óculos.
- Isso parece ser uma aventura e tanto! Já pensou se a gente encontra fantasmas de verdade, heim Max? – me perguntou Ray todo bobalhão. Aquilo era um tédio.
- Pois é.
- Vc também acredita em fantasmas, Max? – perguntou Claire.
- Sei lá. Nunca pensei a respeito.
- Ora, vamos. Não me diga que até vc acredita em uma coisa dessas? – perguntou Ashley. Apenas dei de ombro. Não entendi o que ela quis dizer com “até vc”. Será que eu, só por ser o terrível líder e planejador de toda aquela palhaçada, não podia acreditar em fantasmas? Também não entendia por que Ashley desconfiava tanto de mim, afinal, quem inventava a maioria das idiotices que fazíamos era a Emily.
Ray, antes que qualquer um pudesse protestar, foi até a porta e puxou a manivela.
- O que foi? – perguntou Johnny.
- Não consigo abrir. Parece que tem algo prensando a porta. Se pelo menos pudéssemos passar um de nós para o lado de dentro, aposto que conseguiríamos entrar por aqui.
- Bem, deixa isso comigo. Invasão de propriedade privada é comigo mesmo! – comentou Johnny com um sorrisinho malandro. Ashley apenas virou a cara.
Após dizer isso, Johnny, com uma destreza impressionante, escalou rápido e cuidadosamente uma grande árvore que havia ao lado da casa. Rastejou por um galho até se aproximar o suficiente de uma calha velha e enferrujada que descia do teto. Se jogou e apanhou a calha, que fez um barulho esquisito e pendeu pra um dos lados.
- Cuidado! – gritou Claire. Todos nós quase arremessamos o coração pela boca quando aquele ferro ameaçou cair, mas apenas entortou um pouco e Johnny, sem mais empecilhos, escalou a calha até a janela do andar de cima que estava entreaberta e se esgueirou para dentro do casarão.
- Este garoto é idiota, por acaso? Se ele caísse dessa altura, poderia até quebrar a coluna – reclamou Ashley.
- Não fale assim do cara. Ele é muito corajoso. Ta fazendo isso pela gente – respondeu Ray com aquele sorriso idiota de sempre.
- Precisamos nos apressar. Os vizinhos logo vão perceber que tem algo estranho acontecendo aqui – disse Emily. Ela tava certa e eu também tava morrendo de preocupação com isso. Imagine só se chamassem a polícia? Era só o que faltava.
Esperamos até que Johnny desse algum sinal se vida. Depois de esperar alguns minutos, escutamos alguns barulhos estranhos que pareciam vir do lado de dentro da porta. Claire estava branca de medo. Não é à toa. Imagina só, a pop star do momento, presa por invasão de propriedade privada?
- Johnny, é vc? – perguntou Ray.
Nenhuma resposta. A porta só se abriu lenta e misteriosamente, fazendo um ruído típico de porta de mansão mal assombrada. Estávamos do lado de dentro, mas havia um problema.
- Gente, cadê o Johnny? – perguntou Claire.
- Não está em nenhum lugar que eu possa ver. Olhem só, devia ser isto que trancava a porta – disse Ray, abaixando-se para pegar do chão, ao pé da porta, um pé-de-cabra todo enferrujado. O trinco era antigo e tinha aquelas aberturas pra encaixar algo que prenda a porta à parede.
- Se Johnny não está aqui, acho que podemos concluir que não foi ele quem abriu esta porta para nós – disse Emily de forma bastante calma.
- Mas se não foi o Johnny, então quem foi que nos deixou entrar? – perguntou Ray de forma entrecortada. A pobre Claire empalideceu mais ainda.
- Ai gente, vamos embora daqui! Este lugar me dá arrepios.
- Não podemos sair agora. Não sem antes encontrar o Johnny – respondeu Emily.
- Ora, façam-me o favor, não sejam ridículos! É obvio que ele, como o bobalhão que é, está querendo nos pregar uma bela duma peça – disse Ashley de braços cruzados e aquela habitual carinha de nojo.
- A Emily tem razão, vamos nessa – confirmou Ray.
A porta de entrada dava direto a um salão grande, com poucos móveis como um sofá velho e alguns quadros idiotas de gente velha. Havia uma entrada à nossa esquerda que dava pra uma cozinha suja e abandonada que devia estar cheia de ratos e à nossa direita havia uma porta grande que estava fechada, sem contar que à nossa frente havia um lance de escadarias que parecia que se desintegraria a qualquer momento.
- Johnny provavelmente ainda está no andar de cima – comentou Emily.
- Quem sabe? É melhor não arriscar. Essas escadas não me parecem a coisa mais confiável do mundo... – falei.
- Mas e quanto ao Johnny? E se ele estiver lá em cima? Estou preocupada com ele – disse Claire.
- Eu não subo essas escadas idiotas de jeito nenhum! O Johnny que se vire. Não é ele o senhor “experiente em invasão de propriedade privada”? – falei fazendo as aspas com os dedos.
- O que há com vc, seu babaca? Não se preocupa com o seu amigo? Vc é mais egoísta que eu pensava. Não é a “amizade” tua virtude? – me respondeu a Ashley de forma grosseira, também fazendo as suas aspas com os dedos. Mas droga, não era ela mesma quem desprezava o Johnny? Não era ela mesma quem acabava de dizer que ele, provavelmente, estava planejando uma emboscada pra gente? Resolvi me calar. Até que o bobalhão do Ray teve uma idéia genial:
- Já sei galera: vamos nos separar!
Aquilo só podia ser brincadeira.
- Separar o caramba! Vc ta pensando que isso é um capítulo do Scooby-Doo? – perguntei revoltado.
- Huahuaa... Calma Max. Era só uma brincadeira!
- Gente, vamos logo. To com um mau presse... – dizia Claire, até ser interrompida por um:
- BAAAHHHHHH!
Era uma coisa branca e flutuante que se aproximou aos poucos enquanto estivemos ocupados discutindo. A coitada da garota quase teve um tréco. Ray se apressou em tomar o pé-de-cabra que pegou do chão e brandi-lo contra o suposto fantasma, mas antes que pudesse acertá-lo, o ser desconhecido riu de uma forma familiar para, então, se revelar. Era apenas Johnny coberto por um lençol branco. O idiota ria de uma forma toda fanfarrona.
- Hauhauha... Cara, isso foi demais! Vcs precisavam ter visto suas próprias caras. Foi hilário, huahuaa...
- Droga, seu inútil. Veja só o que vc fez com a garota aqui? – disse Ashley apontando pra Claire, que estava pálida como um fantasma.
- É, Johnny, isso não teve graça! – reclamou a garota.
- Ah, qual é galera? Vão me dizer que tão com medo dessa casa? Porque se for isso... – dizia Johnny, até ser interrompido mais uma vez.
- Quem está ai? – gritou uma voz desconhecida.
Da escada descia nada menos que um velho decrépito, vestindo ceroulas vermelhas, um capacete do exército, pantufas, uns óculos fundo de garrafa e apontando para nós uma espingarda. Aquilo só podia ser sacanagem. Claire deu um grito e se abraçou com toda a força ao Ray. Droga, por que ele? Eu estava até mais perto dela do que o cara. Isso gerou um olhar assassino de Ashley direcionado à menina medrosa. Não sei do que ela deveria ter mais medo: se do fantasma ou da nossa terrível presidente do grêmio estudantil. Ray apenas abraçou Claire com um dos braços e com o outro brandiu seu fiel pé-de-cabra contra o velho esquisito. Emily e Ben apenas observavam a situação enquanto eu estava paralisado de medo. É claro que nunca contei isso a ninguém, mas aquela foi outra situação em que quase molhei minhas calças. No entanto, a reação mais inesperada foi, de longe, a do Johnny, que se encolhia e gritava:
- É o fantasma do velho McCain! O cara tem uma espingarda! Salve-se quem puder! Ele vai nos matar. Ele vai nos matar! – e se arremessou para trás do sofá com a mesma destreza e rapidez com que escalou aquela maldita casa. Droga, aquele era o valentão que fazia os alunos de nossa escola ter pesadelos? O cara não passava de um frangote quando o assunto era o sobrenatural. O velho começou a gritar histericamente:
- Malditos vietcongs! Procurando emboscar o velho McCain, não é? É melhor que pensem duas vezes, seus filhos da mãe, pois este ianque aqui dorme com um olho fechado e o outro aberto. Saibam que estão lidando com um veterano, seus malditos comunistas!
O fantasma maluco gritava apontando aquela espingarda pra tudo o que é lado. A pobre Claire só chorava e dizia:
- Desculpe! Desculpe! Por favor, não nos mate. Nós vamos embora, por favor! A gente promete que nunca mais volta aqui. Deixa a gente ir embora, por favor!
Johnny continuava atrás do sofá gritando:
- O velho tem uma arma. Ele vai nos matar! Ele vai nos matar!
Aquela era, sem duvida, uma situação horrível. Eu tentava dizer alguma coisa, mas estava completamente paralisado. Pensei em correr e deixar todo mundo pra trás, mas minhas pernas endureceram. Foi quando Emily, que, até o presente momento, não havia esboçado expressão alguma, dá um passo a frente e começa a falar daquela forma calma de sempre:
- Sentimos muito por incomodar seu sono eterno, fantasma do velho McCain, mas o assunto que viemos tratar é de grande importância para todos os seres da Terra, incluindo os seres espirituais. Fontes seguras nos revelaram que, no ano de 2020, seres alienígenas com poderes psíquicos invadirão nosso planeta através de um portal interdimensional que se abrirá graças ao alinhamento dos planetas de nossa galáxia. Os únicos que podem evitar isto somos nós, os Escolhidos. O fato é que precisamos de um quartel general, e estamos convocando o senhor para nossa empreitada. Precisamos da sua casa para isso. Espero que compreenda esta situação. É uma guerra e o destino da Terra está em jogo.
A Emily falou toda aquela bobagem pro velho. Todos nós, os demais Escolhidos, trocávamos olhares assustados. Aquilo não podia dar certo. Com certeza seria o nosso fim. O velho encarava Emily e apontava para ela sua espingarda trêmula devido aos braços velhos. A garota não titubeia e mantém a mesma expressão indiferente. Até que o velho abaixa a espingarda (que mais tarde descobriríamos que nem ao menos funcionava), estala os dedos e diz:
- Esses malditos vietcongs! Não é à toa que ganharam a guerra. Eu sempre soube que estavam de conluio com os marcianos. Aqueles alienígenas filhos da mãe! Malditos bolcheviques!
Ficamos absolutamente boquiabertos. Aquilo não podia ser verdade.
- Mas será possível que vcs não percebem? Isso não é fantasma porcaria nenhuma. É só um velho gagá – disse Ashley revoltada.
Os caras só podiam tá de sacanagem pra cima de mim.

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