quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O fim do mundo, cap. 13

Eu e Emily estávamos a caminho da casa do Ben. Aquilo era mesmo um saco. O gordo tava gripado e faltou quase uma semana inteira de aula. Aí eu, que era o mais próximo que ele tinha de um amigo, fui escolhido pela Srta. Smith para levar as tarefas semanais até sua casa. Por que Emily estava comigo? Não tenho a mínima idéia. Ela me abordou na saída da aula e perguntou se não poderia me acompanhar, pois queria fazer uma visita ao nosso amigo doente. Vai entender a estranha. Por que alguém poderia querer ir à casa do Ben sem ser obrigado a isso? Eu e o Gordo somos amigos (se é que se pode chamar assim) de infância e lembro bem das suas festinhas de aniversário horríveis e das tardes de verão naquela casa abafada. Era uma droga, sem falar que a família dele sempre me deprimiu; lá vivia o pai, a mãe e os quatro irmãos do Ben, que era o do meio, e eram todos gordos. Sem brincadeira, eram TODOS GORDOS. Por que é que pais gordos têm sempre que ter filhos gordos? Pensando bem, a mãe do cara vivia oferecendo comida pras visitas, e era sempre sanduíche, pizza, cachorro quente... Nunca nada muito nutritivo. Bem, até ai sem problema, não gosto de comida nutritiva mesmo, mas os cinco irmãos obesos comiam tudo com uma voracidade que sempre me espantou. Um sanduíche atrás do outro. É assim desde quando éramos crianças e aquilo sempre me deu nojo.
Chegamos até o portão da casa. Tinha uma cerca de arame que dava pra um grande terreno que poderia ser um jardim, mas era só um matagal, e lá no fundo tava a casa modesta dos gordos. Batemos na campainha, mas ela não funcionava. Aquela campainha, diga-se de passagem, nunca funcionou. Por que aquela droga de família não tirava aquela droga de interruptor do portão se a campainha jamais funcionou? É só pra enfeite? A gente resolveu bater palmas e chamar pelo nome do Ben. Depois de um tempo, sai a mãe do cara de dentro da casa e atravessa o matagal até o portão. Ela continuava a mesma, gorda e sorridente, com aquela cara oleosa, amarelada pela fritura das batatas-fritas que vivia fazendo. Aquela mulher sempre me deu vontade de vomitar.
- Max, é vc? Há quanto tempo! Que bom que apareceu, o Benjamim está de cama por causa de uma gripe muito forte. E quem é a sua amiguinha? – disse a velha sorridente. Argh!
- Bom dia Sra. Watchosk. Essa é Emily e estuda com a gente. Nós viemos trazer as tarefas de casa do Ben.
- Ah sim. Entrem! Só, por favor, não reparem a bagunça!
Passamos pelo portão e, acompanhados da tiazinha gorda, atravessamos aquele matagal idiota. Por que ninguém nunca cortava aquela grama? Seriam todos tão gordos que mal conseguiam fazer um trabalho braçal tão simples quanto esse? A Emily apenas observava tudo em silêncio e andava logo atrás de mim. Chegamos à porta da casa e a Sra. Watchosk disse:
- Vamos entrando. Por favor, será que vcs podiam tirar os calçados? Eu acabei de limpar o piso e nosso jardim suja muito os sapatos.
Emily e eu tiramos os tênis e ficamos só de meia. Droga, eu odeio tirar o tênis pra entrar na casa dos outros, sem falar que aquela casa era sempre imunda, então por que se dar ao trabalho de tirar o calçado? A tiazinha nos levou à sala de estar. A decoração daquela casa era horrível. A família era de uma religião bem ortodoxa e enchiam as paredes e os móveis com quadros e imagens de santos. Todas aquelas estatuazinhas sujas e aqueles quadros porcos me deprimiam desde as primeiras visitas àquele lugar, durante a minha infância. Mal entramos e quase fomos atropelados pelas irmãzinhas do Ben, que corriam pela casa. Eram duas meninas gordinhas e alegres que brincavam de pega-pega. Tinha mais um irmão de colo, que ficava num berço perto da cozinha. Aquelas crianças cheiravam a vômito. Por que criança pequena sempre cheira mal?
- Benjamim está repousando no quarto. Podem ir até lá entregar as tarefas enquanto eu preparo uns sanduíches pra vcs. – falou a tiazinha toda faceira.
- Ta, obrigado Sra. Watchosk.
Chegamos ao quarto. Como eu tava com uma garota, resolvi bater na porta antes de entrar. Vai que o gordo estivesse só de cueca? Bati e escutei um “entre” bastante abafado. O quarto continuava o mesmo de sempre, com aqueles móveis antigos e as paredes forradas de quadros de Jesus e pôsteres do Capitão América, do Homem Aranha, de carros esportivos ou algo que o valha. O gordo estava só de regata e cueca samba-canção. Droga, ele achava que aquela cueca em forma de short era uma roupa apresentável pra recebeu uma garota no quarto? Bem, não fazia muita diferença. A Emily não era do tipo que se importava muito com isso.
- O que vcs tão fazendo aqui? – perguntou Ben todo desconfiado.
- A gente veio te entregar a faixa de Miss Simpatia. Parabéns!
O gordo continuou a me olhar com uma cara de “O quê? Miss simpatia? Eu?”.
- To sendo irônico, droga. Isso é jeito de falar com as visitas? Pra tua informação, eu vim aqui só pra te entregar essas tarefas da Srta. Smith e a Emily veio por que tava preocupada com vc e queria saber como vc tava. Isso é jeito de tratar a garota preocupada com a tua saúde?
O cara mandou aquele olhar habitual pra Emily, que devia conter uma mensagem do tipo “desculpe”. Entreguei as tarefas e expliquei o que ele tinha que fazer. O cara era lento e não conseguia compreender nada.
- Então aqui eu aplico a fórmula né?
- Não, besta! Já te disse que é depois da equação. Vc é burro por acaso?
- Droga Max, se for pra me xingar, por que não vai embora?
- E eu vou mesmo. – falei, já tomando meu caminho para a porta do quarto, quando Emily disse:
- Espera Max. Por que vc não espera a Sra. Watchosk trazer os sanduíches pra explicar essas coisas difíceis pro Ben?
- Sanduíches?? – perguntou o gordo todo animado.
- Sim, a tua mãe disse que logo nos traria um lanche. Aposto que vc pode resolver essas equações sem problemas se estiver mastigando alguma coisa.
Foi só ela falar que a porta bateu e a mãe do Ben falou “Crianças, trouxe sanduíches!”.
Eu odeio quando me chamam de criança. Todos nós já tínhamos quinze anos, mas aquela tiazinha gorda nunca entenderia a diferença entre um adolescente e uma criança. Ela entrou com uma bandeja cheia de hambúrgueres gordurosos e o gordo saltou da cama pra abocanhar o primeiro. Aquilo era nojento.
- Ei Ben, por que não tenta fazer as tarefas enquanto come?
O Ben mandou um olhar de repúdio pra pobre Emily e disse:
- Ta na hora de comer. Depois eu faço as tarefas.
A garota continuava com aquela cara indiferente de sempre. Até que se levantou da cadeira em que sentava e caminhou lentamente até o gordo dizendo:
- Aposto que vc conseguirá entender tudo rapidinho. Não quer nem ao menos tentar? Eu posso te ajudar com as tarefas – disse a garota, sentando ao seu lado na cama. Aquela situação me parecia bastante familiar. Reparei que ela encostava levemente sua perna na perna dele e ficava com o rosto bem próximo ao dele. Aposto que o gordo podia até sentir a respiração da garota. Droga, o que significava aquilo?
- T-Ta bem, vou tentar – balbuciou o Ben.
Emily pos o caderno sobre suas pernas – a dela e a dele – e, com um lápis em mãos, começou a explicar a aplicação da fórmula enquanto o cara comia o sanduíche desesperadamente, mastigando e fazendo barulhos esquisitos.
- Espera, não é aí que vc usa a fórmula. Droga, Ben. Já não te falei isso? – reclamei.
- Vc ta errado. A formula é aqui sim – protestou o gordo de boca cheia. Quase voou pedaço de carne em mim.
- O quê???
- Ele ta certo, Max. Olha só: o resultado que ele encontrou é o mesmo que a professora passou. Acho que é vc quem ta respondendo a equação errado – disse a Emily. Ah ta, era só o que faltava!
A garota se virou pra Ben. Os dois se olharam de forma meio suspeita, ela com seus olhões azuis e ele mastigando um resto de sanduíche.
- Viu? Eu sabia que vc conseguiria! – disse a Emily com aquele seu raro sorriso, sem mostrar os dentes. A garota parecia tão gentil. Droga. Aquele gordo não merecia um tratamento desses!
- Legal. Vamos fazer este outro exercício aqui! – disse Ben todo animadinho com a nova descoberta.
- Não. Agora que vc aprendeu, pode fazê-lo sozinho mais tarde. Agora, eu gostaria que vc mostrasse aquilo que me falou – disse Emily. Fiquei boiando.
- Aquilo o quê? - perguntei.
- Vc logo verá – respondeu a garota. Droga, eu sempre odiei quando ela bancava a misteriosa. Aposto que devia ser uma coisa absolutamente idiota.
O gordo levantou da cama, abriu o guarda-roupa e pediu licença pra poder se trocar.
- A gente vai sair? – perguntei.
- Sim. O Ben vai nos mostrar um lugar perto daqui.
Eu devia saber que a Emily não tava visitando o doente à toa. Ela sempre tem seus motivos, como explorar um lugar secreto ou buscar informações sobre alienígenas. Esperamos do lado de fora do quarto até que o Ben saiu, desta vez com roupas descentes. Fomos até a sala de estar que era caminho para a saída e nos deparamos com o pai e o irmão mais velho de Ben que acabavam de voltar da oficina. O pai do cara era igualzinho a ele, gordo e taciturno, mas usava um macacão azul, sujo de graxa e com seu nome costurado no peito. Os dois trabalhavam na oficina da família e voltavam sempre com as caras sujas de graxa. Aquilo era mais uma coisa nojenta na família. Os dois mal nos cumprimentaram e foram direto pra sala de televisão, se jogaram no sofá já manchado da mesma graxa de sempre e ficaram lá, até que o Sr. Watchosk gritou pro Ben:
- Ei garoto, me alcança o controle da televisão ali na estante!
O Ben se locomoveu da sala de estar até a de televisão só pra alcançar o controle pro pai, que devia ta a poucos metros do próprio. Eram todos uns porcos preguiçosos. Depois disso resolvemos sair daquela casa antes que o coitado tivesse que buscar algo na geladeira ou coisa assim. Fomos abordados pela Sra. Watchosk:
- Benjamim, o que está fazendo? Vcs vão sair? Mas vc está muito doente!
- Tudo bem, mãe. Só vou até a esquina com eles e volto logo.
- Ta bem, querido, mas não venha tarde.
A tiazinha fez uma benção pro gordo. Benção pra que? Não é como se alguma coisa muito trágica pudesse ocorrer no caminho até a esquina. Antes que pudéssemos sair, o paizão gordo grita mais uma vez:
- Benjamim! Se for sair, passe na loja de conveniências e me traga uma cerveja.
- Ta bom pai! – respondeu o gordo.
Viver naquela casa devia ser uma droga, principalmente quando você era o filho do meio como o Ben. Saímos e andamos. Um pouco mais que uma esquina, até que chegamos ao nosso terrível destino.
- É aqui – disse Ben – o lugar ta abandonado há muito tempo.
- Bem... Parece legal. Este pode ser o primeiro quartel general dos Escolhidos – disse Emily.
- O quê??? – perguntei boquiaberto.
Fazia dias que a Emily falava que nós, os Escolhidos, precisávamos de um lugar secreto para fazer aquelas reuniões idiotas sobre alienígenas e toda essa palhaçada. Toda vez que ela falava deste lugar, usava uma definição diferente. As mais populares eram “quartel general”, “base” e “esconderijo”. Até aí tudo bem, mas aquilo era demais! Estávamos em frente a nada menos que o casarão do velho McCain. Um lugar folclórico na nossa cidade, abandonado há muito tempo, que se dizia ser mal-assombrado. Ninguém tinha coragem de entrar em um lugar como aquele, muito menos eu.
- Vcs só podem ta de brincadeira né? Ninguém vai aceitar entrar num lugar desses! O que deu em vcs? – perguntei desesperado.
- Bem, eu acho que é um bom lugar. Amanhã é sábado e podemos combinar de nos encontrarmos aqui em frente durante o dia pra que possamos explorar o casarão por dentro e avaliar se é mesmo uma boa base para nós – falou Emily.
Aquilo não me cheirava bem. Tava na cara que alguma coisa não sairia certo.

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